Brasilia Para Pessoas

22
setembro
Publicado por Brasília no dia 22 de setembro de 2022

O Dia sem Carro foi criado na França em 1997 e atualmente é celebrado em diversas cidades pelo mundo no dia 22/9. 

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Essa é uma data importante para refletir sobre os rumos das cidades. A alta dependência do carro cria problemas bem evidentes: congestionamentos, poluição do ar, barulho, estresse e sedentarismo. Ao passar de bicicleta e ver as longas filas de carros (muitos apenas com o próprio motorista) no Eixo Monumental e na EPTG (Estrada Parque Taguatinga) pergunto se não poderia ser diferente.

Congestionamentos em Brasília: Eixo Monumental (à esquerda) e EPTG (à direita).

Em parceria com outras pessoas que acreditam numa cidade humanizada, estamos promovendo a Semana da Mobilidade na sede do Banco do Brasil, no início da Asa Norte. Ao conversar com funcionários que passavam no estande, percebo como a infraestrutura interfere na escolha do meio de transporte. Uma moradora do Lago Norte comentava sobre o desejo de ir para o trabalho pedalando, mas a falta de caminho seguro a impede de fazer o percurso. Entendo perfeitamente e seria difícil convencê-la a pegar a bike, afinal tem um Trevo Rodoviário no caminho (Terrível Trevo Norte – TTN) que oprime qualquer ser desprovido de motor.

Outro funcionário do banco, que mora na Asa Sul, relatou a facilidade de ir de bicicleta. Ele segue caminho pela ciclovia da L2. O prédio possui bicicletário e vestiários com armários. Ou seja, existe estrutura que facilita o percurso e a chegada ao local de trabalho.      

Semana da Mobilidade: estande e bicicletário no edifício-sede do Banco do Brasil.

Os dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) mostram a alta dependência do carro no Distrito Federal. Mais da metade (52,5%) dos deslocamentos para o trabalho são feitos por automóvel. Em bairros com localização privilegiada (próximos da área central) e de alta renda, o uso do carro se destaca ainda mais. No Sudoeste e no Noroeste, 89% e 96%, respectivamente, dos deslocamentos para o trabalho são feitos por automóvel.

Novamente percebo a influência da infraestrutura na decisão de qual meio de transporte utilizar. A via de acesso ao bairro Noroeste não possui calçada nem ciclovia. Também não há facilidades para pegar ônibus. A ciclovia que se estende pelo bairro parece ter mais a função de lazer para os moradores e não está conectada ao Eixo Monumental.

Via de acesso ao bairro Noroeste – pedestres e ciclistas sem espaço.

Na cidade que nasceu com o automóvel no DNA ainda são grandes os desafios para incentivar outras formas de transporte, afinal o brasiliense tem anatomia ímpar: cabeça, tronco e quatro rodas. Fica a pergunta: que outros fatores, além das vias largas e de alta velocidade, fazem com que a dependência do carro seja tão grande, mesmo em relação a outras capitais brasileiras?

Pedalo bastante no dia a dia, para trajetos curtos e longos. Em boa parte dos caminhos vou por ciclovias. O relevo plano, o período longo de seca e a quantidade razoável de ciclovias1 favorecem o uso da bicicleta. No trajeto já faço minha ginástica (não sou fã de academia) e aprecio os ipês floridos, as corujinhas, curicacas e até tucanos e araras.2 Em geral, a ciclovia tem movimento bem baixo em contraste com as pistas congestionadas nos horários de pico.

Corujas no caminho.

Como incentivar o uso do transporte coletivo e, assim, descongestionar as vias? Na parte sul do Distrito Federal, atendida pelo metrô e com o corredor exclusivo de ônibus na EPTG, quantos moradores de Águas Claras, Guará e Taguatinga poderiam migrar do automóvel para o transporte coletivo por meio de campanha e ações governamentais de incentivo? 

Metrô no Distrito Federal.

É lamentável que projetos estruturantes não saiam do papel. Para exemplificar, o BRT Norte, que poderia atrair moradores de Sobradinho e Planaltina para o sistema de ônibus, ficou na promessa, apesar das grandes obras na Saída Norte (ampliação das pistas e construção de viadutos). O Trem Regional entre Brasília e Valparaíso (Goiás) descarrilhou antes mesmo de entrar em funcionamento.3 Em 2019, o atual governador e outras autoridades fizeram uma viagem-teste no trem. A prometida expansão do metrô ainda não ocorreu e o sistema VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) anunciado desde 2009 nunca funcionou (as ruínas metálicas no final da Asa Sul são uma lembrança do descaso). No mapa de 2016, divulgado no governo Rollemberg, dá para ver como seria o modelo de transporte integrado, com BRT, VLT e metrô.

Promessa de transporte integrado. Fonte: Secretaria de Mobilidade/GDF (2016).

É interessante ver os exemplos de fora e sentir os benefícios da cidade com menos carros. Visitei a Holanda duas vezes e pedalei bastante por Amsterdã. É incrível a quantidade de pessoas de todas as idades que caminham e pedalam. Crianças indo para a escola, mulheres com crianças ‘embutidas’ na bike, pessoas com deficiência e idosos caminhando em calçadas impecáveis. Em algumas avenidas o fluxo de carros é proibido e lembro bem do silêncio agradável. Ouviam-se apenas o som das correntes das bicicletas e as conversas das pessoas.

Amsterdã: pessoas de todas as idades caminhando e pedalando.

Quem sabe um dia a capital federal entra no rumo da mobilidade moderna e os governantes se convencem de que a solução para os congestionamentos é investir e priorizar o transporte coletivo integrado ao transporte ativo, a exemplo da bicicleta. Em vez de alargar pistas e construir túneis e viadutos caríssimos, ampliar os corredores exclusivos de ônibus e aumentar o conforto para quem se desloca de ônibus e metrô.

Sonho com o Eixão humanizado para simbolizar a capital moderna. Seria uma espécie de Eixão do Lazer permanente (de domingo a domingo), com espaço livre para caminhar e pedalar. Além dos pedestres e ciclistas, o Eixão humanizado teria um bondinho (ônibus elétrico) que passaria em velocidade compatível com a vida (bem inferior ao atual limite de 80 km/h) para transportar as pessoas entre as Asas Norte e Sul e até o Eixo Monumental. Os motoristas teriam os Eixinhos e outras vias como alternativa.

Parece utópico transformar a via expressa por excelência? Tudo bem, afinal Brasília nasceu de uma utopia.

_________________________________

1 O Distrito Federal tem 626 km de ciclovias e ciclofaixas e fica atrás apenas da cidade de São Paulo, com 663 km, segundo o Estudo Mobilize 2022.

2 Trata-se de um projeto antigo de trem regional, que utilizaria os trilhos por onde passava o trem de passageiros desativado em 1991 entre Brasília e Goiânia. Governos anteriores prometeram reativá-lo (chegou a ser batizado de Expresso Pequi), assim como o atual governador, Ibaneis Rocha.

3 Escrevi no blog sobre as vantagens de pedalar no dia a dia. Fica a dica de texto: https://brasiliaparapessoas.wordpress.com/2021/10/06/5-vantagens-ao-pedalar/

VÍDEOS

Dois vídeos sobre mobilidade ativa. O primeiro vídeo mostra o trajeto de bicicleta em família, pela Asa Norte. O segundo mostra as ótimas condições para caminhar e pedalar nas cidades holandesas.



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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