Palavra de Especialista

26
janeiro
Publicado por admin no dia 26 de janeiro de 2017

 


Sou favorável à redução dos limites de velocidade.
 

Uma coisa que muito chamou minha atenção, é que com a redução dos limites, o tráfego em São Paulo tomou um “sossega leão” e ficou mais regular, comportado e menos agressivo – muito melhor para a cidade. Isso melhora o fluxo, aumenta a capacidade da via, reduz o consumo de combustível, o ruído urbano, as emissões de poluentes, melhora a segurança do tráfego, reduz o stress dos motoristas e da população exposta nas ruas, minora as colisões e os acidentes em geral e suas fatalidades. Quem não concorda com essas obviedades, provavelmente, é um chipanzé enlatado.

 

Mas, na visão da ambígua, voraz e arrogante autoridade de fiscalização, o mau condutor, merecedor de imediata e dura penalização, é também o motorista “desatento”, que ao invés de estar – mesmo que por um lapso – a 57 km/h ou menos, numa via ardilosamente coalhada de radares (armadilha) com limite de 50km/h, foi fotografado a 58 km/h (1 km/h acima da tolerância), causando – na visão particular desses pseudo “zeladores” da segurança viária – um risco relevante à integridade física da população. Da mesma forma, tem as vias com limites de 70, 60, 40 ou 30 km/h, onde o mesmo problema do breve deslize eventual se repete aos milhares.

 

 

Isso é uma forma pré-cambriana, incivilizada, desrespeitosa e radical de tratar o problema da infração eventual levíssima, sem dar a esse excelente e respeitoso motorista cidadão, a mínima chance de tentar corrigir seus levíssimos descuidos momentâneos, por meio de advertência e educação de trânsito.

 

 

É claro, que se esse condutor for flagrado pelos radares por mais do que um certo número de vezes a 1, 2, 5 ou 7 km/h acima da tolerância do limite de velocidade da via, ele deve ser autuado e penalizado sem clemência – mas não antes de ser identificado estatisticamente como infrator leve contumaz.

 

 

Não se trata de propor aumento dos limites de velocidade ou alívio da fiscalização/punição de infratores leves contumazes, e infratores graves. O que se propõe é uma abordagem realista, equilibrada e justa pelas autoridades de trânsito em relação ao nível de risco de acidente, e o reconhecimento da necessidade de adoção da inteligência tecnológica nos procedimentos de fiscalização de velocidade do tráfego.

 

 

É inútil (e desagradável) criar uma paranoia alastrada sobre os condutores e ser implacável com a grande parcela dos motoristas que oferece um risco inexistente, ou extremamente reduzido, à segurança viária. Isso porque é impossível extrair ganhos para a segurança viária com essa política rasa, queixo duro – ela não irá mudar o comportamento geral, pois trata-se, neste caso, de desconcentração momentânea dos condutores – seres humanos. Uma enorme massa das multas é gerada nessa faixa de velocidade, uns pontinhos acima da tolerância.

 

 

Propõe-se, portanto, a adoção do respeito, do bom senso, da parcimônia, da disponível e barata eletrônica, da estatística e do não praticado instituto da advertência. E por que atribuir ambiguidade às autoridades de trânsito?

 

Pune-se com rigor e chicote milhares de bons condutores respeitosos, cuidadosos, pagadores de impostos, cumpridores de suas obrigações legais e administrativas, mas, de outro lado, deixa-se livres, lindos, leves e soltos, os 30% (50% para motos) da frota, imunes a multas, que não realizam o licenciamento anual e que não são sequer objeto de discussões para identificação, qualificação e quantificação precisa do problema – sem isso, adia-se um possível e imprescindível equacionamento do problema, ignorado sem nenhum constrangimento nem pressão social, por nossas “implacáveis” e milionárias autoridades de trânsito.

 

Mas, uma singela revisão do Código de Trânsito Brasileiro – CTB resolveria – pelo menos no papel – essa daninha omissão do Poder Público, relativa ao diagnóstico e equacionamento do gigantesco fenômeno da evasão do licenciamento no Brasil.

 

 

Alem disso, o fim da ausência de penalização no CTB para governos e autoridades competentes, responsáveis pela regulamentação e execução dos programas de inspeção veicular, pode ser incluído no pacote. A verificação técnica anual é obrigatória (desde 1997) segundo o artigo 104 do CTB, para os itens de emissões de poluentes e ruído e os de segurança dos veículos – cujas condições mecânicas não são até hoje sistematicamente verificadas, induzindo a incrementos inaceitáveis dos índices de morbidade e mortalidade por acidentes e doenças cardiorrespiratórias.

 

Uma omissão criminosa, ignorada por políticos, autoridades ambientais, de trânsito e de transportes, organismos não governamentais de defesa do interesse público, Ministério Público e pelas superficiais imprensa e mídia brasileiras.

 

 

Muito além da questão midiática dos limites de velocidade, vivemos uma realidade absurda, extrema e dramática da (evitável) falta de segurança viária e da emissão excessiva de poluentes pela frota motorizada – não-passível de ser olhada com um leve sorrisinho nos lábios pelos espertos. No fundo, aquele cidadão pensante, multado pela autoridade de trânsito a 58 km/h, não engole esse paradoxo.

 

 

Olimpio Alvares é Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo; é membro fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; colaborador do Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, Climate and Clean Air Coalition – CCAC e do International Council on Clean Transportation – ICCT; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb; é membro da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.



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