Palavra de Especialista

30
setembro
Publicado por admin no dia 30 de setembro de 2013

 

Uirá Felipe Lourenço é ciclista por opção no dia a dia, servidor público da área de meio ambiente, estudioso da mobilidade urbana. É membro da diretoria da União de Ciclistas do Brasil (UCB) e ex-presidente da associação Rodas da Paz.

 

 

O Dia Mundial sem Carros é celebrado em diversas cidades. A data surgiu em 1997 e serve para fazer refletir sobre a crescente dependência automotiva, que traz consequências negativas à sociedade, como congestionamentos, poluição e estresse. No Brasil, o transporte individual motorizado é impulsionado pela deficiência no transporte público e pelos incentivos à indústria automotiva. O resultado é facilmente observado nos centros urbanos, sufocados pela frota crescente.

 

São esclarecedores os dados referentes à renúncia fiscal em favor do transporte por automóvel. As reduções e isenções de tributos federais para combustíveis e automóveis significam a perda de recursos de dezenas de bilhões de reais, que poderiam reduzir a histórica deficiência no transporte coletivo. As informações ajudam a compreender as recentes mobilizações no país, cujo estopim foi o aumento de preço na tarifa de ônibus.

 

A luta não é por centavos. Tampouco seria por quilômetros de ciclovias e calçadas desconectadas. Trata-se de mudança de paradigma, de modelo de transporte, não mais baseado no automóvel, mas centrado no ser humano. Um modelo com foco na segurança, na boa convivência e na integração intermodal. Os protagonistas da revolução no transporte são os modos coletivos e saudáveis (não motorizados), como prevê a Política Nacional de Mobilidade Urbana. O avanço requer, além da melhoria em infraestrutura, mudanças de comportamento.

 

O governo precisa admitir a falência — a deseconomia — do modelo automotivo. Estima-se em mais de R$ 25 bilhões a perda anual em produtividade decorrente dos congestionamentos em São Paulo. É necessário privilegiar quem usa ônibus, metrô, bicicleta ou as próprias pernas. E os que ainda não aderiram aos modos desejáveis devem se sentir convidados a deixar o carro em casa, a ser usado em eventuais passeios. As autoridades também precisam usar cotidianamente os modos coletivos e saudáveis de transporte. Quando constatarem na prática as deficiências, será mais fácil cobrar os investimentos.

 

Imagine a reação de um secretário ou ministro de Transportes que opte por ir de ônibus a uma reunião numa cidade do entorno do DF. Ou um diretor do Detran que resolva ir de bicicleta à sede do órgão e se depare com o término abrupto da ciclovia num local com muitos carros em alta velocidade. E perceba que muitos motoristas bloqueiam diariamente, sem cerimônia, o caminho de ciclistas e pedestres. As mudanças culturais poderiam vir do alto escalão e servir de exemplo à coletividade.

 

O governo local iniciou obras de ciclovias e busca disciplinar o sistema de ônibus. Mas o desafio de mudança no paradigma persiste. Grandes obras e projetos confirmam a lógica rodoviarista. Enquanto existem muitos locais sem calçada (ou com calçadas destruídas) e totalmente inacessíveis em plena região central, obras de recapeamento de vias estão a pleno vapor. Anunciou-se um projeto de megaestacionamento na Esplanada, o que aumentaria a dependência automotiva. É emblemático que, em Brasília, as vagas públicas de estacionamento sejam gratuitas e espaços vazios se convertam em estacionamentos informais. Um ambiente convidativo ao carro.

 

Foi-se o tempo em que a bicicleta era considerada veículo de segunda categoria. Além de rápida e prática, ela pode ser um meio de combate a problemas de saúde no país, como obesidade e hipertensão. Não é à toa que países com alta qualidade de vida ostentam altos índices de deslocamento por bicicleta. Em Amsterdã e Copenhague, cerca de 40% das idas ao trabalho são feitos de bicicleta. Brasília pode e deve disseminar a cultura ciclística nítida em locais como a Estrutural e o Paranoá.

 

Há duas opções a trilhar no campo da mobilidade. Pode-se seguir o rumo rodoviarista da década de 60 e continuar com os privilégios ao carro. E, nesse rumo, as manchetes de jornais virão ainda mais recheadas de congestionamentos, poluição e acidentes de trânsito. Ou pode-se virar o jogo e instituir a moratória das ampliações do espaço voltado ao carro. Todos os recursos seriam investidos em infraestrutura e campanhas voltadas a sistema integrado de ônibus, metrô, transporte por bicicleta e a pé. As consequências positivas noticiadas orgulhariam a população: Brasília, exemplo de mobilidade saudável, com baixos índices de obesidade e sedentarismo, poucas mortes e acidentes nas vias, e estacionamentos convertidos em praças, bibliotecas e teatros”.




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Olímpio Alvares Olímpio Alvares
escreve e convida especialistas em mobilidade urbana a compartilhar opiniões e comentar os assuntos em destaque no noticiário nacional e internacional. Olimpio é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da USP, diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar. Atuou durante 26 anos na área de controle de emissões veiculares da Cetesb, concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos. É fundador e secretário executivo da Comissão de Meio Ambiente da ANTP; diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sobratt; assistente técnico do Proam; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina, (CAF) e entre outros órgãos públicos e organizações da sociedade civil, como o Mobilize Brasil..

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