Palavra de Especialista

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Publicado por admin no dia 14 de janeiro de 2019

 

A contribuição das motocicletas para a poluição urbana

Segundo os fatores médios de emissão de escapamento publicados pela Cetesb, as motocicletas mais novas tem fatores de emissão de compostos orgânicos voláteis (HC) tóxicos cinco vezes maiores que aqueles dos automóveis de última geração. Se essa comparação for feita com motociclos de gerações anteriores – que ainda não eram equipados com sistemas de injeção eletrônica e catalisadores – essa proporção pode chegar a 10 ou 15 vezes.

 

O HC é um poluente por si só tóxico é um dos dois precursores da formação do danoso ozônio troposférico – O3 tóxico, que além de afetar a saúde de humanos e animais que o aspiram, causa degradação do patrimônio vegetal, como se fora uma praga. O outro precursor de formação do O3 troposférico, também emitido em grandes quantidades pelos veículos automotores, incluídas as motos, são os óxidos de nitrogênio (NOx), também por si só tóxicos.

 

O O3 só é desejável na estratosfera, a cerca de 30 mil metros de altitude, onde exerce a função de escudo contra as danosas radiações ultravioleta, que, em maior intensidade, podem causar câncer de pele.

 

Os catalisadores veiculares chegam a reduzir drasticamente os fatores de emissão de HC e NOx dos veículos automotores, em níveis superiores a 98% nos automóveis e 85% nas motocicletas; têm assim um papel crucial e insubstituível nos programas de controle da poluição veicular, devendo ter sua eficiência garantida até o final da vida útil esperada para os escapamentos – pois são parte integrante desses.

 

A integridade física e eficiência dos catalisadores das motocicletas também consta como componente fundamental nas estratégias de combate à poluição do ar. Veja o exemplo de São Paulo; são cerca de 900 mil motos em circulação na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) com 20 milhões de habitantes; estima-se que mais de 200 mil dessas motos operam no sistema de motofrete, com intensidade de uso média anual várias vezes maior que as de uso para transporte pessoal ou lazer.

 

As motos emitem cerca de 12% do total dos poluentes HC da frota, diz o Relatório de Qualidade do Ar da Cetesb de 2017. Considere-se ainda, que mais da metade da população brasileira – cerca de 104 milhões de pessoas, estão expostas a altos níveis de contaminação atmosférica, em 6% das cidades do País, em grandes conglomerados urbanos. Cinquenta milhões de pessoas vivem em grandes capitais, muitas delas apresentando altíssimos níveis de contaminação.

 

A diferenciada intensidade de uso das motos brasileiras

Tomando por base o estudo da Cetesb que avalia a quilometragem rodada pela frota de motociclos na cidade de São Paulo (representativa de outras grandes cidades brasileiras), a média anual é de cerca de 12 mil km/ano. Isso inclui as que rodam diariamente (motofrete e transporte pessoal) e aquelas utilizadas principalmente aos finais de semana e feriados para lazer, que ficam estacionadas a maior parte do tempo nas garagens das residências.

 

Em outro levantamento, realizado pelo Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, cerca de 30% dos profissionais do motofrete declararam rodar entre cerca de 40 e 60 mil km/ano – o que agrava muito o impacto desses veículos nas emissões atmosféricas, tanto pela quantidade de quilômetros rodados, quanto pela rápida degradação das condições de manutenção desses veículos, bem como pelo desgaste acelerado de peças e, especialmente, dos catalisadores, cuja operacionalidade, como já dito, é vital para uma eficiente (e drástica) redução das emissões das substâncias tóxicas dos motores a combustão.

 

No que se refere à quantidade de horas em cima da motocicleta, 30% dos usuários cumprem jornada acima de 10 horas, enquanto os que utilizam a motocicleta como meio de transporte e lazer, pilotam de 2 a 3 horas/dia, o que oferece uma medida da cruel exposição dos próprios motociclistas (especialmente os do motofrete) às emissões tóxicas e cancerígenas do tráfego. Com certos cuidados, esses parâmetros e comportamentos de São Paulo podem ser extrapolados para outras grandes cidades brasileiras.

 

É importante enfatizar, que as condições de uso das motos no Brasil são tipicamente brasileiras – assim como a jabuticaba e a cultura dos veículos movidos a etanol (Proálcool). A intensidade média de uso desses veículos na Europa, por exemplo, devido a razões culturais e climáticas, é de apenas cerca de 6.500 km/ano (cerca de metade da rodagem média típica no Brasil) e as condições de manutenção dos veículos nos países desenvolvidos são também muito distintas das brasileiras – bem melhores, é claro, dados a cultura, a educação, o poder aquisitivo dos usuários e a existência de rigorosos programas de inspeção veicular obrigatória, que ajudam a manter os motociclos com emissões mínimas.

 

Distorção regulatória histórica: a curta durabilidade dos catalisadores brasileiros

Consideradas essas diferenças decisivas entre Brasil e Europa, não faz sentido que tenhamos um catalisador cuja operacionalidade seja garantida apenas por 18 mil km, como tem sido exigido para os motociclos menores no Promot 4 (Resolução Conama 432/2011); ou mesmo uma garantia de eficiência apenas por 20 mil km, que é a atual proposta de “melhoria”, flagrantemente irrelevante e até irônica, que os fabricantes e importadores de motocicletas querem continuar a impor aos pulmões dos brasileiros: 2 mil km a mais, de fato, não implica melhoria nenhuma na qualidade dos catalisadores.

 

Trata-se, na verdade, de uma proposta que não combina com a origem cultural dos japoneses, maiores fabricantes de motocicletas do planeta. De fato, esses 20 mil km equivalem a apenas 18 meses de uso do veículo! No caso do motofrete, isso significa ter a operacionalidade do catalisador garantida por apenas seis meses!

 

O que é incompreensível, até mesmo para qualquer gestor com um nível mínimo de bom senso e zelo ao próximo, é que uma proposta sem fundamento técnico, danosa e vazia, como essa, tenha passado pelas Câmaras Técnica e Jurídica do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, com apoio dos próprios agentes governamentais de controle da poluição do ar: o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis – Ibama, os órgãos ambientais estaduais e os municipais, representados pelas suas respectivas associações nacionais, e até mesmo o Ministério da Saúde. Afinal o Conama tem, em princípio, a missão institucional precípua de formular políticas protetivas para o meio ambiente e a saúde dos brasileiros.

 

O Conama e seus membros da área governamental fecharam os olhos para a gravidade dessa situação, há muitos anos denunciada por especialistas e apresentada em detalhes ao próprio Conama pela sociedade civil; um catalisador inoperante, faz as emissões de poluentes (tóxicos e precursores da formação do O3) aumentarem em até oito vezes.

 

Catalisador “vencido”, uma “saia justa” no motociclista de baixa renda

As consequências para o meio ambiente e para a economia popular desses atos regulatórios são de fato perversas. Vejamos o caso particular de um motofretista que adquiriu recentemente uma moto nova – uma situação que pode certamente representar a realidade de centenas de milhares de usuários brasileiros de baixa renda. Para uma moto seminova, de seis a doze meses, reprovada na inspeção obrigatória anual, o tubo de escapamento, que contem o catalisador inoperante, a ser precocemente substituído, estaria praticamente novo.

 

Esse motofretista, em doze meses, pode rodar cerca de 40 mil km, mas o catalisador – conforme o regulamento do Conama – tem garantia de eficiência na redução dos poluentes por apenas 18 mil km ou na melhor das hipóteses, 20 mil km, que é  proposta atual da indústria. Para ser aprovado na reinspeção, o proprietário é obrigado a comprar um escapamento novo – e de boa qualidade. Lembre-se que o catalisador é parte integrante, fundido no sistema de escapamento – ele não é destacável.

 

Mas, um escapamento original de boa qualidade custa de 500 a 1.000 reais; e bem acima disso para as motos maiores. Essa situação não faz sentido, principalmente, porque um escapamento original de boa qualidade dura em média 60 mil km; depois disso, começa a corrosão e degradação avançada, o que, em situações normais, indica ao usuário que é hora de trocar a peça.

 

Fica, portanto, evidente que um programa de inspeção veicular eficiente não estaria “conversando” com o projeto do veículo – um bizarro bate-cabeças de proporções desastrosas – algo inconcebível para uma sociedade civilizada com gestores atentos.

 

O correto dimensionamento da durabilidade dos catalisadores

Na verdade, a regra de ouro universal do dimensionamento de engenharia da operacionalidade dos catalisadores, é que eles durem ao menos cinco anos – o que equivale para a média de rodagem brasileira de 12 mil km/ano, a 60 mil km em uso normal moderado, com eficiência plena.

 

Ou seja, o dimensionamento correto da operacionalidade do catalisador garantirá que o veículo, estando em boas condições de manutenção, atenda os limites de emissão do Promot (limites de homologação do veículo quando novo) ao longo do período da durabilidade do catalisador em situação normal de uso: 5 anos ou 60 mil km no Brasil.

 

Assim, o usuário deve trocar seu escapamento (com catalisador integrado) por um novo somente quando o escapamento estiver degradado, velho, em más condições – ou seja, depois de cerca de 5 anos de uso ou 60 mil km, o que ocorrer primeiro. Aí sim, o projeto do catalisador, do tubo de escapamento (que contem o catalisador fundido à peça) e a regulamentação da inspeção veicular, serão componentes harmônicos de um mesmo sistema de engenharia, que inclui o veículo, seus componentes, suas emissões, a inspeção veicular e o meio ambiente.

 

Do contrário, o motoboy seria obrigado a comprar um escapamento novo com catalisador operacional a cada inspeção veicular anual. Imagine-se um usuário de moto-frete ter que comprar um escapamento original de boa qualidade por ano! Isso seria definitivamente inviável do ponto de vista econômico, do direito dos consumidores e da engenharia.

 

Em suma, do ponto de vista da engenharia, o catalisador brasileiro é uma improvisação, desastrosamente chancelada pelas autoridades ambientais brasileiras e pelo Conama. Ora, não é de se estranhar, que os fabricantes de motocicletas também tem exercido enorme pressão sobre os membros governamentais do Conama para garantirem o afrouxamento do limite brasileiro de inspeção veicular das motos – cinco vezes maior que o alemão – o que resulta numa inspeção veicular praticamente inócua, com catalisadores “vencidos” aprovados em massa…. um provável caça-níqueis.

 

A realidade recente da inspeção veicular das motos e a importância redobrada da correção da durabilidade dos catalisadores

Mas, o que tem ocorrido no mundo real das ruas no Brasil (sem perspectivas de mudanças no horizonte)?

 

(1) Programas de inspeção veicular com limites excessivamente lenientes, impropriamente regulamentados pelo Conama, como no Município de São Paulo e no Estado do Rio de Janeiro (extintos por “canetadas” trágicas), que não impunham maiores riscos de reprovação, mesmo que o catalisador não estivesse operante;

 

(2) ou os proprietários de motos simplesmente não comparecem ao programa de inspeção veicular e passam para a clandestinidade (o índice de comparecimento das motos na inspeção veicular em São Paulo chegou a apenas 50%);

 

(3) ou não há programa de inspeção veicular, como na maior parte do país.

 

Daí, obviamente, nesse quadro generalizado de desrespeito ao artigo 104 da Lei Federal 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB) e consequente não-conformidade em relação à inspeção e manutenção dos veículos, quanto mais robusta for a engenharia e a qualidade dos componentes de controle de emissões, mais duradouros serão os benefícios ao meio ambiente.

 

Trata-se de lógica elementar: com durabilidade garantida de cinco anos ou 60 mil km para os sistemas de controle de emissões, mesmo sem a inspeção veicular, os benefícios ao meio ambiente podem ser maximizados em todo país.

 

Ressalte-se que esses cinco anos, na verdade, podem ser o tempo médio de vida das motocicletas do motofrete. Motos mais velhas e mais poluentes, ou rodam menos ou logo viram sucata. Eis a importância crucial de se garantir a operacionalidade dos catalisadores por 60 mil km – o mesmo tempo de vida de um escapamento de boa qualidade.

 

Contrapartida inútil oferecida pelos fabricantes de motocicletas nas discussões no Conama

A contrapartida à imediata correção do requisito de durabilidade dos catalisadores proposta pelos agentes reguladores e pela indústria no Conama (o sistema de On Board Diagnosis – OBD) nada garante, podendo ser totalmente ineficaz para garantir emissões reduzidas da frota de motocicletas, uma vez que:

 

(1) o sistema OBD – que alerta o motorista com um sinal luminoso no painel sobre a existência de defeitos induzindo-os a voluntariamente buscarem sua correção na oficina – corre risco de ter efeito inócuo sobre o comportamento dos usuários e de haver fraudes eletrônicas, com a desativação do sistema; essas práticas dos brasileiros são amplamente conhecidas na área automotiva;

 

(2) como citado, não há programas de inspeção veicular no País, que poderiam checar os registros de correção (ou não-correção) de defeitos do OBD – simplesmente, os governadores não cumprem a lei da inspeção veicular de 1997 (art 104 do CTB);

 

(3) além disso, mesmo de houvesse a inspeção convencional conforme o regulamento atual (não inclui ainda a verificação dos registros do OBD), os lenientes limites atuais do Conama de aprovação/reprovação das motocicletas na inspeção – cerca de e (cinco) vezes maiores que os praticados na Alemanha, por exemplo, para modelos equivalentes aos brasileiros -, assim como a própria metodologia da medição das emissões na inspeção, estão muito longe de assegurar uma eficiente identificação da grande massa de veículos poluidores, em mau estado de manutenção;

 

(4) devido ao mau hábito dos gestores governamentais de não cumprirem as leis, não se sabe quando, programas de inspeção veicular, de fato apropriados e eficientes, serão implementados de modo abrangente no País;

(5) a história recente demonstrou que o comparecimento das motos em circulação na inspeção veicular (e a evasão do licenciamento anual) chega a 50% da frota e não há fiscalização nas vias públicas para evitar esse gigantesco rombo nos programas de gestão de tráfego e de controle de emissões ambientais.

 

Com todos esses antigos problemas enunciados, amplamente denunciados, mas até hoje não resolvidos pelas autoridades competentes, se também não houver no Brasil um mecanismo regulatório corretamente dimensionado para as condições de uso brasileiras, que garanta a robustez e a qualidade dos catalisadores, mediante a adequada comprovação da sua operacionalidade, por um período mínimo de cinco anos ou 60 mil km, a frota de motocicletas seguirá emitindo grandes quantidades excedentes de poluentes devido aos catalisadores “vencidos”, de vida operacional inconcebivelmente curta, imprópria para as condições rigorosas de intensidade de uso brasileiras.

 

Tudo isso poderia ser facilmente evitado neste momento com uma honesta e imediata correção pelo Conama dessa distorção histórica que ele próprio criou – exatamente como acaba de fazer para corrigir o critério de comprovação da durabilidade dos catalisadores de automóveis por meio do artigo 16 da Resolução 492/2018. Estamos, portanto, diante de uma situação clara de adoção de decisões no Conama com “dois pesos e duas medidas”.

 

O recente ajuste do requisito de comprovação da durabilidade dos catalisadores dos automóveis

O problema da curta durabilidade dos catalisadores não está restrito ao nicho das motocicletas. Há alguns anos a questão da urgente necessidade de correção dos requisitos de comprovação da durabilidade dos catalisadores de motocicletas, e dos automóveis, já vinham sendo objeto de reiteradas manifestações da sociedade civil por meio do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – Proam; o  assunto foi levado pelo Proam em diferentes momentos às autoridades ambientais em todos os níveis de governo, ao Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo – Consema, à Comissão de Acompanhamento do Proconve – CAP, ao Ministério do Meio Ambiente e ao Conama.

 

Esse esforço persistente foi enfim parcialmente contemplado, no caso dos automóveis, na recente revisão da regulamentação do Programa Nacional de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores – Proconve. O artigo 16 da Resolução Conama 492/2018 estabeleceu os novos requisitos de comprovação da durabilidade dos catalisadores, ajustando essa histórica distorção, do insuficiente valor de 80 mil km, para 160 mil km – valor compatível com a durabilidade do sistema de escapamento e com a prática internacional.

 

Ressalte-se, que esse ajuste foi aprovado pacificamente, sem qualquer tipo de contestação da indústria automotiva, sendo votado favoravelmente por todos os membros da Câmara Técnica de Controle Ambiental do Conama, dado o amplo reconhecimento da insuficiência do antigo requisito de 80 mil km, da fundamental importância da integridade operacional desse componente – a fim de garantir um eficiente controle da poluição dos veículos ao longo de sua vida útil – e da necessidade de proteção do direito dos consumidores a um produto de qualidade e durabilidade adequadas, uma vez que o custo de reposição dos catalisadores é significativamente alto.

 

Catalisadores inoperantes: falência do Promot

Lembre-se, que a partir do momento em que o catalisador não está mais operante, o Promot, 4 ou o novo Promot (Promot 5), transformam-se numa ilusão de controle de poluição no setor de motocicletas, uma vez que a vasta maioria de motos em circulação no Brasil, estão rodando sem nenhum controle, ou em vias de descontrole total. O Promot, um programa que requereu muitos esforços e investimentos por parte do governo, iniciativa privada e consumidores, transforma-se em puro proselitismo ambiental, sem benefícios ao Meio Ambiente.

 

Moto na Índia, onde veículo é de uso intenso, como no Brasil. Foto: India Today

 

O caso da Índia de adoção imediata dos critérios de durabilidade europeus versus o faseamento procrastinador proposto pelos fabricantes de motocicletas no Brasil

Na Índia, por exemplo, adotou-se recentemente os padrões para motocicleta da União Europeia num prazo muito curto (a partir de 2020), bem mais curto do que o prazo que a indústria e a Câmara Técnica de Controle Ambiental do Conama estão propondo para o Brasil. A Índia adotará os novos padrões Euro para motos em fase com a própria Europa.

 

Nessa regulamentação indiana não há a inaceitável leniência apoiada pela indústria e concedida pelo Conama aos fabricantes e importadores brasileiros, que é o ardiloso faseamento das datas de entrada em vigor dos novos requisitos da regulamentação, o que confunde a avaliação dos incautos sobre a verdadeira eficiência do Promot.

 

Considerando as motos de pequeno porte (Vmax < 130 km/h) que compõem a maior parcela da frota urbana, os requisitos de durabilidade estão sendo aumentados pela atual proposta do Conama de 18 mil para 20 mil km – ora, isso é inócuo, pois, supostamente, esse insignificante aumento não deverá requerer nenhuma modificação no projeto do catalisador, porque estaria dentro da margem de segurança de projeto; ainda assim, só incidem nos novos modelos (a absoluta minoria da produção); e só entrariam em vigor em 2023 (daqui a 4 anos).

 

Depois, estabelece a proposta para uma segunda etapa (somente a partir de 2025), que o requisito de durabilidade aumentaria para 35 mil km, mas, também seria faseado, só valeriam para os novos modelos, o que em nada ajuda o meio ambiente, pois os novos modelos são muito poucos; os modelos existentes (esses sim, a maioria absoluta da produção) continuariam lamentavelmente atendendo apenas o super-leniente requisito de 18 mil km do Promot 4, para as motos de menor porte.

 

Daí, somente em 2027 (daqui a oito anos), todos os motociclos, novos e existentes, terão que atender os ainda insuficientes 35 mil km de durabilidade, convergindo com a prática da Europa – mais 35 mil km é muito pouco para atender a intensidade de uso média das motos no Brasil. Como visto, o valor necessário é de 60 mil km (ou 5 anos de uso), mesma durabilidade de um escapamento original que contem o catalisador, sua parte integrante não destacável.

 

A durabilidade adotada na Índia, exatamente conforme a prevista na Europa, sem nenhuma “tropicalização” para as condições de uso na Índia, é uma opção que os reguladores indianos fizeram, que não necessariamente indica que este seria o melhor caminho a seguir por lá ou no Brasil; isso porque a intensidade de uso média das motos na Índia é alta, mais próxima da brasileira (12 mil km/ano), do que da europeia (6,5 mil km/ano).

 

Daí, a decisão da Índia de simplesmente copiar ipsis litteris esse requisito de comprovação da durabilidade de catalisadores da Europa, certamente não atenderá os melhores interesses do Meio Ambiente naquele país, e portanto, não é um modelo a ser seguido por países que pretendem aplicar a melhor prática de engenharia, de respeito aos consumidores e de controle ambiental.

 

Impacto da correção da durabilidade nos custos das motos

A danosa falta de compatibilidade entre a vida útil do catalisador e do tubo de escapamento, é um dos dois grandes equívocos dessa regulamentação, além, é claro, da prematura restituição da poluição plena do motor, anulando os efeitos positivos do Promot; esse programa corre o risco de tornar-se definitivamente um programa pouco eficiente – quase um programa de fachada – que só faz aumentar o preço das motos, sem contrapartida eficiente para o meio ambiente e a saúde pública.

 

É verdade, que isso vai aumentar o preço das motos de pequeno porte em cerca de 400 a 500 reais – 5 a 7% do valor de uma moto nova; mas, controlar a poluição dos veículos, sempre, durante toda a história do Proconve e Promot implicou pequenos aumentos incrementais no preço do produto. Este é o preço que o “poluidor-pagador” deve, por princípio, necessariamente pagar para ter o direito de circular lançando grandes quantidades de veneno por onde passa.

 

Mas, os representantes da indústria de motocicletas – além de não apresentarem uma linha sequer de justificativa técnica e econômica que fundamentasse sua postura inflexível e negativa, quanto à correção desse problema que se iniciou em 2011 com o Promot 4 – alegaram, sem nenhum constrangimento nas discussões que se desenvolveram no Conama o final de 2018, que não tem a menor noção do impacto no preço final do veículo, da adoção de um catalisador com durabilidade devidamente ajustada à realidade brasileira; falam de forma leviana (vaga e alarmista) num “brutal impacto” financeiro sobre os usuários de menor poder aquisitivo, entretanto, nada especificam.

 

A esse respeito, os representantes da sociedade civil fizeram em outubro de 2018, durante a última reunião da Câmara de Controle Ambiental sobre este tema, a solicitação aos fabricantes de motocicletas, de uma justificativa técnica e econômica que eventualmente respaldasse suas posições truculentas e danosas para o meio ambiente, para a saúde pública e para o bolso dos motociclistas. Nada, porém, foi recebido da parte dos fabricantes. Por outro lado, os agentes ambientais de governo presentes nas discussões Câmara Técnica, curiosamente, nada solicitaram da indústria, e ainda assim, os apoiaram sem conhecer seus motivos, sem quaisquer restrições.

 

Ora, não existiria o Proconve nem o Promot – nem qualquer outro programa de controle da poluição veicular – se houvesse esse tipo de restrição ao ligeiro aumento dos custos ao poluidor e ao seu produto. Trata-se do Princípio do Poluidor-Pagador, observado há mais de 35 anos, desde que a sociedade firmou no âmbito constitucional e legal, compromissos cidadãos de proteção do meio ambiente e da saúde pública – e não apenas no setor automotivo, mas em todos os setores da indústria poluidora e da economia.

 

Os supostos motivos da danosa truculência da indústria de motocicletas

Ninguém responde ou fala sobre isto abertamente nas discussões travadas no Conama, mas apenas em conversas discretas, “off the record”. A seguir são apresentados os três motivos principais:

 

(1) Os exportadores europeus e chineses de motos para o Brasil (com menos de 10% de todo volume de vendas no território brasileiro), não avessos a ter o trabalho de alterar um produto mundial pronto “na prateleira” e trocarem o conjunto escapamento/catalisador por um outro distinto de melhor qualidade, feito sob medida para o Brasil no país de origem ou mesmo por aqui. Muitos, ao invés disso, sugerem que talvez prefiram sair do mercado brasileiro, pelo seu baixo volume de vendas;

 

(2) Os fabricantes brasileiros fornecem o produto mundial pronto para a América Latina e outros países, e parecem não estar dispostos a mudar a linha de produção somente para os produtos destinados ao mercado brasileiro e fazer um escapamento/catalisador diferenciado, dimensionado corretamente para a compatibilidade com a intensidade de uso brasileira;

 

(3) Os testes de durabilidade estendidos para 60 mil km são mais trabalhosos e mais caros e os testes de conformidade de produção também serão. Daí, estão fugindo de sua responsabilidade com a pacífica concordância dos agentes ambientais públicos – algo de difícil compreensão – mas, o meio ambiente e a saúde pública pagarão o alto preço das não-conformidades.

 

Não obstante a esses pequenos problemas que, principalmente, os importadores terão que enfrentar, se quiserem colocar produtos mais limpos no mercado brasileiro, estamos seguros de que os fabricantes de motocicletas – alguns deles instalados há muito tempo no Brasil e donos da maior fatia do mercado – se um dia decidirem avaliar à luz de um bom critério de engenharia e respeito ao consumidor, os presentes argumentos em favor da melhoria da qualidade do ar nas grandes cidades brasileiras, revisarão suas atuais posturas e cessarão essa resistência danosa em relação à evidente necessidade de projetar um produto diferenciado e de melhor qualidade para o Brasil, no que concerne à durabilidade dos catalisadores.

 

Não há porque acreditar que esses grandes conglomerados empresariais internacionais do setor de duas rodas – que tantos incentivos receberam da Nação na Zona Franca de Manaus e em outros locais – seguirão colocando suas conveniências comerciais à frente das necessidades do meio ambiente e da saúde dos brasileiros. 



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Olímpio Alvares Olímpio Alvares
escreve e convida especialistas em mobilidade urbana a compartilhar opiniões e comentar os assuntos em destaque no noticiário nacional e internacional. Olimpio é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da USP, diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar. Atuou durante 26 anos na área de controle de emissões veiculares da Cetesb, concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos. É fundador e secretário executivo da Comissão de Meio Ambiente da ANTP; diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sobratt; assistente técnico do Proam; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina, (CAF) e entre outros órgãos públicos e organizações da sociedade civil, como o Mobilize Brasil..

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