Modernidade de Brasília não se reflete na infraestrutura à mobilidade

Considerada cidade-modelo, aos 59 anos a capital do país já tem falta de acessibilidade no transporte e problemas semelhantes aos de cidades com séculos de existência

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Fonte: Correio Braziliense  |  Autor: Jéssica Eufrásio e Pedro Canguçu  |  Postado em: 17 de junho de 2019

Tapumes atrapalham pedestres na Rodoviária do Plan

Tapumes atrapalham pedestres na Rodoviária do Plano Piloto

créditos: Uirá Lourenço/ Mobilize

Planejada, moderna e chegando perto dos 60 anos, Brasília foi um sonho que se tornou real. Mesmo considerada um modelo para arquitetos e urbanistas de todo o mundo, a menina dos olhos de JK enfrenta problemas de metrópoles com séculos de existência. A acessibilidade é um deles. As falhas na infraestrutura de uma capital nova e cosmopolita se descortinam a partir do momento em que grupos populacionais ficam privados do direito de ir e vir.

 

Ao menos uma vez por mês, o jornalista Eduardo Sousa George, que é o morador da Asa Norte e cadeirante, enfrenta esse obstáculo, especialmente com o transporte coletivo. Quase sempre há problemas com as plataformas elétricas dos ônibus. “Tem motorista que passa e avisa que não está funcionando. Às vezes, entro na rampa, mas ela não sobe, o que dificulta meu acesso na cadeira de rodas. Nesse caso, a alternativa que me resta é esperar outro ônibus”, conta o rapaz.

 

O transporte por aplicativo, alternativa ao serviço público, nem sempre oferece uma solução. Alguns carros, segundo Eduardo, não acomodam a cadeira de rodas. “Apesar de ela ser desmontável, há veículos pequenos, que não têm espaço.” Ele então conta com a ajuda de um amigo que o busca em casa, acompanha no trabalho e, no fim do dia, o deixa na parada de ônibus. O trajeto não é dos mais fáceis. “Enfrento alguns obstáculos desde a parada até a minha casa. Há pedras na via, buracos na calçada e faltam rampas”, comenta.

 

Rodoviária

A cidade sofre ainda com o desgaste na infraestrutura de outros pontos. Na Rodoviária do Plano Piloto, por exemplo, por onde circulam cerca de 700 mil pessoas todos os dias, escadas rolantes estão constantemente quebradas, e elevadores, fora de serviço. 

 

Engenheira civil e mãe de Ney Neto, de 1 ano, Anna Paula Porfirio Furtado diz que nem sempre é fácil atravessar o terminal com o filho em um carrinho de bebê. A superlotação e as áreas bloqueadas por tapumes das obras dificultam ainda mais a passagem. “Quando o elevador não funciona, preciso descer as escadas com o carrinho em um braço e o bebê no outro. Tenho problemas de coluna e nem sempre alguém ajuda”, lamenta a jovem.

 

Moradora da Cidade Ocidental, Anna Paula costuma pegar o BRT e reclama do desnível entre a plataforma e o piso dos ônibus. “Fica difícil segurar o filho e fechar o carrinho. Ele é pesado e, se você não segura na mão da criança, ela pode correr para o meio da pista”, ressalta. “É um problema geral. Ando muito pela Asa Sul, e não é porque estamos no Plano Piloto que a acessibilidade é melhor”, compara.

 

Pontos e calçadas precários dificultam a acessibilidade no DF. Foto: Uirá Lourenço

 

Medidas

Outras regiões de Brasília também preocupam. As passagens subterrâneas, criadas para dar segurança aos pedestres que atravessam o Eixo Rodoviário, são alvo de reclamações há anos. As rampas íngremes, a falta de iluminação e o pavimento irregular tornam a travessia um desafio, principalmente para ciclistas, cadeirantes, idosos e pessoas com mobilidade reduzida ou problemas de visão.

 

Para o arquiteto Geraldo Nogueira Batista, de 80 anos, os problemas da capital federal datam da concepção do projeto. “É uma cidade que foi preparada pensando em uma cultura rodoviária. As calçadas não são compatíveis com a acessibilidade. Não é uma falha do plano ou dos autores, mas algo que reflete um momento em que a indústria automobilística estava em crescimento”, avalia o morador da Asa Sul.

 

Embora não enfrente dificuldades de locomoção, Geraldo considera que algumas medidas são necessárias para facilitar o vaivém de quem tem limitações físicas. “Há alguns impedimentos, devido ao fato de ser uma cidade tombada, mas é possível adotar saídas, como elevar o nível das travessias de pedestres; reduzir a largura das faixas de rolamento para aumentar a das calçadas; e diminuir a velocidade máxima permitida no Eixo Rodoviário”, sugere.

 

Ciclovias

Na ciclovias que cortam as asas Sul e Norte, além da Esplanada dos Ministérios, a falta de manutenção atrapalha. O estudante de arquitetura e ciclista Juan Lucas Alves conta que, para transitar na parte sul da cidade, a opção é dividir a calçada com pedestres. “De toda forma, é difícil, porque se você anda na pista os carros não respeitam. Na calçada, é perigoso por causa dos pedestres. Mas essa é a opção que sobra”, pondera.

 

Há seis anos, o universitário sofreu um acidente. Enquanto pedalava em uma ciclovia, ele passou por um bueiro sem tampa e caiu. “Saí da estação do metrô e só reparei o buraco a poucos metros de distância. Não consegui frear a tempo. Rachei um dente e cortei o queixo”, recorda-se. Após o ocorrido, ele ficou dois anos sem andar em uma bike. Hoje, cobra soluções. “É importante terminar a via para bicicletas da Asa Norte, além de fazer sempre a manutenção das faixas e calçadas.”

 

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