Primeiro, foram identificados rachaduras e obstáculos na ciclovia de 21,5 quilômetros na Zona Oeste, que custou R$ 19.314.543,49 e foi inaugurada pela prefeitura no fim de maio. Mas, mesmo se estivesse em bom estado, essa pista estaria longe da ciclovia dos sonhos de quando a obra foi encomendada. O projeto básico, que foi licitado, ganhou um outro formato depois que virou projeto executivo. Com o respaldo da legislação, itens como drenagem, pavimentação, iluminação e engenharia de tráfego perderam recursos. Em contrapartida, os orçamentos de transporte de materiais, pintura, consultoria especializada e parques e jardins engordaram.
"Houve modificações na obra, adaptando a situação encontrada no local, para não gerar mais gastos financeiros. Não puderam fazer a ciclovia dos sonhos. Aí foram quebrando galhos", avalia o engenheiro civil Abílio Borges, assessor da presidência do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), que acompanhou repórteres do GLOBO três vezes na Zona Oeste.
O engenheiro civil Eduardo König, que também esteve na Zona Oeste com uma equipe do jornal, atribui tantas alterações na obra licitada à lei federal 8.666/83:
"A lei precisa ser modificada, de modo que a elaboração do projeto executivo preceda a licitação. Hoje, os órgãos públicos podem, se quiserem, licitar o projeto básico, cabendo à empresa vencedora detalhá-lo."
Até o prazo mudou: obra ficou pronta 2 meses antes
O próprio prazo de execução da obra da ciclovia, que incluía serviços de urbanização, mudou. Em vez dos 240 dias fixados em contrato, a construtora Andrade Gutierrez - vencedora de concorrência feita pela Secretaria municipal de Meio Ambiente - se comprometeu a concluir o serviço dois meses antes, o que foi formalizado em duas rerratificações (mudanças no orçamento inicial).
Essas "rerratificações" é que fizeram os gastos com serviços de engenharia cair de R$ 1,27 milhão para R$ 325 mil. Já o orçamento de galerias, drenos e outros itens da rede de drenagem despencou de R$ 1,12 milhão para R$ 238 mil, numa área carente de infraestrutura. O trecho da ciclovia ao longo da Reta João XXIII, em Santa Cruz, é uma mostra de que ainda há muito o que fazer para melhorar a drenagem na região. Ciclistas não têm opção senão passar por poças d'água que se formam a cada chuva. Diante do problema, o morador Luiz Carlos de Oliveira deu seu jeito: instalou um tubo de PVC junto ao meio-fio de sua casa:
"Não dá para ficar com uma poça d'água na ciclovia em frente à minha casa. Se não instalaram a tubulação, eu faço."
O orçamento de iluminação praticamente zerou: passou de R$ 80 mil para pouco mais de mil reais. Foi mantido, no entanto, o item especial que previa a instalação de 38 postes solares, que custaram cerca de R$ 500 mil (R$ 14,2 mil cada um).
Com pavimentação, os gastos caíram de R$ 5,15 milhões para R$ 4,23 milhões. O chamado piso intertravado (peças de concreto que se encaixam), colocado em áreas reurbanizadas pelo Rio Cidade Santa Cruz em 2004 e que ainda está em bom estado, acabou praticamente eliminado da obra. Pelo projeto básico, seriam instaladas 30 mil unidades na cor natural e coloridas em calçadas de Campo Grande a Santa Cruz. Esse número caiu para menos de 800.
Já altas, as cifras relativas a transporte, carga e descarga quase duplicaram: passaram de R$ 1,83 milhão para R$ 3,05 milhões. Os gastos com pintura também inflaram: foram de R$ 14 mil para R$ 185,7 mil. Por sua vez, os serviços de consultoria especializada cresceram de R$ 53 mil para R$ 60,8 mil. E o item que inclui mobilização e apoio tecnológico foi de R$ 1,59 milhão para R$ 1,68 milhão.
Com parques e jardins, o orçamento cresceu de R$ 580,87 mil para R$ 814,25 mil - muito por conta do aumento do número de bicicletários, que eram 856 e viraram mil. Ociosos, alguns são usados por passageiros para se recostar enquanto aguardam o ônibus.