Palavra de Especialista

16
julho
Publicado por admin no dia 16 de julho de 2014

Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP, Administrador de Empresas pela FGV-SP e com formação em Planejamento Urbano pela PUC-SP, Luiz Carlos Mantovani Néspoli é Superintendente da ANTP

 

 

 

 

 

Enfim aprovado neste 30 de junho de 2014, o PDE prioriza o transporte coletivo, o fortalecimento do uso de bicicletas, e a melhoria das condições de deslocamento a pé, pela qualificação do espaço público e das calçadas

 

Concentrar o crescimento e a transformação da cidade ao longo dos eixos de transporte coletivo de massa e da orla ferroviária e articular uso do solo e mobilidade foram linhas norteadoras do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, aprovado na Câmara neste último dia 30 de junho, o que inclui a priorização do transporte coletivo, o fortalecimento do uso de bicicletas, e a melhoria das condições de deslocamento a pé, através da qualificação do espaço público e das calçadas.

 

O Plano Diretor Estratégico da cidade, assim como o próprio Plano Integrado de Transporte Urbano da Região Metropolitana de São Paulo – PITU – 2025, buscaram relacionar o desenvolvimento da cidade com a maneira como as pessoas se deslocam na malha urbana e de como mecanismos como o uso e a ocupação do solo e programas habitacionais tem influência na organização e dimensionamento dos sistemas de transporte.

 

Sem compreender a complexidade dos fenômenos que produzem esta realidade, grande parte da população sente apenas os efeitos mais tangíveis de uma longa história de desorganização urbana, como a falta de moradia ou a existência de moradias precárias, esperas insuportáveis da condução, longas viagens consumindo grande parte do seu tempo, superlotação do transporte público e custos relativos crescentes da tarifa. São poucos os que compreendem a intrincada relação entre o uso e ocupação do solo, a qualidade e eficiência do transporte público e o congestionamento viário diário.

 

O espraiamento da cidade, através de décadas de “livre mercado”, com a maior parte dos empregos na área central e a concentração de moradias em áreas distantes ou periféricas, acabou consolidando eixos viários de grandes extensões e, consequentemente, escoadouros de viagens pendulares. A evidência deste fenômeno de ocupação são as lotações excessivas e unidirecionais dos sistemas de transporte e um trânsito infernal. Fenômeno que torna ineficiente o sistema de transporte público e, dada à exiguidade de espaços viários, um trânsito sem fluidez.

 

Como suportar políticas que amadurecem em vinte, trinta anos? Não é fácil no nível político. No afã de dar respostas, as administrações públicas de modo geral são pautadas pelas demandas imediatas e oferecem soluções que apaziguam momentaneamente o ânimo dos descontentes, mas que muitas vezes são contrárias à cidade e o seu futuro. Ao longo de nossa história, o transporte público, por exemplo, como dizemos no nosso meio, corre atrás da demanda, o que é agravado de tempos em tempos pelo crescimento vegetativo da população e pela melhoria econômica que gera empregos e renda e mais mobilidade das pessoas. Mas reagir à demanda, como sempre, é uma ação sempre tardia, deixando a oferta de transporte sempre em dívida com a população.

 

O PDE da cidade e o PITU metropolitano já trazem em suas diretrizes a ideia de um desenvolvimento orientado para o transporte, o conceito de corredores urbanísticos, de ocupação mista que favorece a proximidade dentre moradia e local de trabalho, a criação de novas centralidades para equilibrar a relação emprego/moradia, o adensamento seletivo próximo aos eixos de transporte, que cria densidades maiores de ocupação dos sistemas de transporte (índice de passageiros por quilômetro) e, portanto, reduzem o o impacto do custo, e trazem, ainda, medidas que também favorecem o andar a pé e o uso mais frequente e cotidiano da bicicleta. É a partir do Plano, e não contra ele, que as ações de curto prazo devem ser adotadas.

 

Por isso, tão importante quanto elaborar planos consistentes, discutidos com a sociedade, e que possam realmente modificar o modelo de desenvolvimento para cidades mais humanas, sustentáveis e de melhor qualidade de vida no futuro, é sua continua implementação ao longo das sucessivas gestões públicas, independentemente daquele que ocupa o executivo municipal. É necessário, também, que as diretrizes estabelecidas possam ser materializadas, a partir de uma nova lei do uso e ocupação do solo e de um plano de mobilidade, mas também de ações coordenadas vertical, horizontal e localmente entre os possíveis atores envolvidos.

 

Vertical, nas relações entre os três níveis de governo, já que ações destinadas à cidade e empreendidas com a participação de dois ou mais atores nem sempre estão alinhadas. Veja-se o caso do programa Minha Casa Minha Vida, que ao buscar resolver a legitima necessidade habitacional das classes de menor renda, com recursos disciplinados e disponibilizados pela União e com a localização do empreendimento definida pelo Município, vem produzindo conjuntos habitacionais que impõem aos moradores desgastes enormes no seu deslocamento diário, contrariando a Lei de mobilidade urbana e reprisando um modelo habitacional já condenado pelos urbanistas.

 

Horizontal, na relação entre aqueles municípios reunidos em aglomerados urbanos ou em regiões metropolitanas, e cujas políticas locais não são compatibilizadas entre si, sendo emergente a constituição de uma autoridade metropolitana com legitimidade e com poderes jurídicos para organizar planos urbanos e de transporte de forma conjunta e harmonizados entre si, o que inclui e não descarta a organização desses municípios em consórcios públicos já com algumas práticas bem sucedidas no Brasil.

 

Local, na coordenação integrada das políticas e planos das diversas pastas (secretárias) municipais, como o transporte, trânsito, habitação, vias públicas e calçadas. É comum verificar que esses assuntos são gerenciados sem que exista conexão entre eles. A não compatibilização de ações é observada no zelo excessivo para com a qualidade da pista de rolamento e da fluidez dos automóveis em contraponto com as péssimas condições de calçadas (quando não estreitadas para alargar ainda mais a pista para os veículos), na construção de conjuntos habitacionais a grandes distâncias do centro da cidade causando ônus exagerados ao sistema de transporte, na permissão de construção de polos geradores de tráfego em regiões totalmente inadequadas e na resistência do setor de trânsito em admitir faixas exclusivas para os ônibus ou de estabelecer espaços viários para o trânsito das bicicletas. É preciso existir uma instância politicamente forte e que execute a síntese necessária, auxiliando o Prefeito na tomada de decisão.

 

Devemos comemorar a aprovação do PDE de São Paulo, que traz dispositivos que nos permitem vislumbrar cidades menores no futuro. Mais do que isso, que o Plano ora aprovado sirva de exemplo e de estímulo àqueles municípios que ainda não fizeram os seus ou que estejam em fase de elaboração ou de revisão. Mas devemos ter o cuidado necessário de compreender que só leis e planos não são suficientes para fazer acontecer as mudanças e que muita coisa pode ser feita em prazos curtos e médios, logicamente na direção de planos diretores e de mobilidade, e que podem trazer mudanças importantes para os cidadãos, como a melhoria das calçadas, prioridade na via para os ônibus, integração intermodal, espaço adequado para a circulação de bicicletas, o respeito à faixa de pedestre, dentre muitos outros, que não requerem obrigatoriamente grandes investimentos.

 

Finalmente, para além de um plano, que é indispensável, deverá haver recursos, a qualificação dos quadros municipais e decisão política, sabendo-se que esta última não nascerá espontaneamente, sendo indispensável as pressões sociais e, melhor ainda, se forem organizadas.



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