Os prós e contras à Tarifa Zero

Ouvimos ativistas, empresários e técnicos sobre a proposta de gratuidade no transporte público. O subsídio é consenso, mas a forma de gestão dos ônibus ainda é polêmica

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Du Dias / Mobilize Brasil  |  Postado em: 28 de janeiro de 2015

Tarifa Zero: manifestação

Manifestações seguem pedindo gratuidade no transporte

créditos: Brasil 247


Ao menos 79 munícipios brasileiros tiveram aumento na cobrança das tarifas municipais de ônibus desde julho passado. As justificativas têm sido sempre as mesmas: sobe o custo dos insumos e, como resultado, a passagem deve ficar mais cara. 


Os aumentos motivaram uma nova onda de manifestações em todo o país, em geral organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) e grupos alinhados na defesa do transporte coletivo gratuito e livre da iniciativa privada. Os atos são realizados desde 2006, mas ganham força a cada aumento na tarifa. Colocam em xeque, também, os modelos de contratos de concessão e permissão dos serviços de transporte coletivo.

O presidente da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano), Otávio Cunha, revelou em entrevista ao portal Mobilize que em geral, os reajustes já estão previstos nos contratos licitados. Anualmente ocorre o reajuste da tarifa técnica (que o governo paga para a empresa) de acordo com indicadores relativos à variação do preço dos principais insumos (combustível, óleo e salários por exemplo) e a cada 4 anos é realizada uma revisão da tarifa que leva em conta além dos insumos e outros custos, também a demanda.

 

Cunha avalia que o aumento do número de usuários poderia resultar na redução da tarifa, pelo menos no momento da revisão quadrienal, mas assim mesmo, no reajuste anual, a tarifa sempre aumenta, por conta da inflação positiva. “Em 2014, além do aumento dos insumos, estimamos que o número de passageiros sofreu uma redução de 4%, o que torna o serviço mais caro, porque será bancado por um número menor de pessoas”, completa. 

 

Como romper o ciclo vicioso


Esse ciclo vicioso é alimentado pelos aumentos das tarifas, afirma o economista Lúcio Gregori, em entrevista ao Mobilize: o aumento na tarifa contribui para a queda do número de passageiros, que por sua vez torna o serviço mais caro e assim sucessivamente. Gregori, que é um dos maiores defensores da tarifa zero, acredita que esse círculo vicioso possa ser rompido com mudanças nos modelos de contratos entre prefeituras e empresas de ônibus e também com o aumento do subsídio. “Caso se queira financiar um transporte de excelência apenas com a tarifa dos passageiros, certamente haverá um colapso. Daí a necessidade de subsídio. E quando se chega a um subsídio mais alto - nos padrões europeus, de até 70% -, com a consequente baixa da tarifa, o custo da cobrança, os controles necessários, acabam sendo antieconômicos. Nesses casos, a isenção da tarifa surge quase como uma necessidade do gestor público”, explica.

 

Além do baixo subsídio praticado no Brasil, chama atenção a falta de transparência nos contratos de concessão e permissão do transporte público, e a má qualidade do serviço prestado. A NTU justifica que as empresas prestam contas ao poder público, o qual deveria se reportar ao cidadão com toda a transparência possível. Os empresários afirmam, ainda, que o aumento na tarifa visa garantir, entre outras coisas, a melhoria na qualidade do transporte, muito criticada em todo o país.



Na visão do Movimento Passe Livre (MPL), no entanto, o transporte é um serviço público essencial, direito fundamental que garante o acesso das pessoas aos demais direitos como, por exemplo, à saúde e à educação, e por isso deve ser operado por empresas públicas e gerido por um conselho que incluiria usuários e trabalhadores do sistema. 

 

Auditoria em São Paulo


Na cidade de São Paulo, por exemplo, a prefeitura municipal divulgou no final de 2014 o aumento de 16,67% na tarifa de ônibus e anunciou que o novo edital para concessão do sistema de transporte coletivo será publicado em março de 2015. A decisão foi tomada após o resultado de auditoria externa do sistema de transporte público da cidade, realizada pela consultoria Ernst & Young. O relatório aponta que as empresas deixaram de cumprir cerca de 10% das viagens contratadas, montante que representa um enorme prejuízo para os cofres públicos e um lucro além do previsto para as prestadoras de serviço. O maior prejudicado acaba sendo o usuário, que com menos veículos fica mais tempo no ponto para esperar um mais cheio.

A situação do sistema de ônibus em SP 

 

O mesmo documento revelou um descompasso da ordem de R$ 5,7 milhões entre os registros do setor contábil e financeiro da SPTrans; o descumprimento de itens previstos nos contratos como instalação de câmeras de segurança, sistema de comunicação do motorista com os passageiros e até mesmo triângulos de segurança; diferenças nos custos de insumos, (como se as empresas comprassem no varejo) e uma TIR (Taxa Interna de Retorno) incompatível com a realidade atual.

 

O resultado da auditoria no entanto não surpreendeu especialistas, que afirmam que o conteúdo beneficia as empresas, já que aponta que as falhas já estavam previstas no documento. Apesar das deficiências do sistema e dos modelos de contrato adotados, o texto da nova licitação que será divulgado em março ainda é desconhecido. Se as manifestações de junho de 2013 impediram aumento de R$ 0,20, agora o custo já foi repassado ao consumidor com aumento de R$ 0,50.

 

Segundo a SPTrans, empresa municipal responsável pelo transporte público, os preços estavam congelados há 4 anos e parte do reajuste se deveu à implementação da gratuidade para cerca de 505 mil estudantes da rede pública e de baixa renda. Ainda segundo a empresa, não há aumento para os usuários que utilizam o Bilhete Mensal, cuja procura aumentou consideravelmente desde o anúncio do reajuste.

 

Sem participação da população na elaboração dos contratos, os cidadãos continuam reféns das empresas, que perpetuam a lógica do lucro em um serviço de importância fundamental. 

 

Lei de Mobilidade


Algumas ferramentas defendidas por Lucio Gregori e pelo MPL para democratizar o acesso ao transporte podem parecer utópicas, mas estão previstas na Lei de Mobilidade Urbana de 2012 (Lei 12.587/2012) e ainda não foram colocadas em prática.

 

Os artigos 8º, 9º e 10º da referida lei indicam que o poder público deve deter o controle do valor da tarifa, abandonando a condição de refém da planilha de custos e das pressões e interesses dos empresários que prestam serviços de transporte. O Art. 9º também abre a possibilidade de que os transportadores possam conceder descontos nas tarifas em determinados dias e horários com o objetivo de incrementar a demanda.

As diretrizes estabelecidas pelo Art. 10º para o processo licitatório, obrigatório para a contratação de serviços de transporte público coletivo também tendem a representar um ganho na sua qualidade e desempenho. Tais diretrizes definem como objetivos a demarcação de metas e de instrumentos de controle, fiscalização, transparência, informação e de alternativas que possam contribuir para a modicidade da tarifa.

 

A maior conquista da Lei 12.587 no entanto é justamente a política que os movimentos como o MPL defendem e vêm tentando colocando em prática, embora muitas vezes oprimidos pelo estado e pela polícia: o documento destaca a garantia da participação social nos processos de gestão e planejamento do sistema.

Mas não é só, a lei determina a atribuição aos Estados de adotar incentivos financeiros e fiscais para implantação dos seus princípios estabelecidos; o incentivo à sustentabilidade nos transportes e a ênfase na priorização do transporte coletivo sobre o individual e do não motorizado sobre o motorizado. Se as prestadoras de serviço têm suas faltas legitimadas por documentos legais, então que a lei também seja aplicada para defender o usuário e suas manifestações.

 
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Comentários

Sandro - 13 de Fevereiro de 2015 às 09:59 Positivo 0 Negativo 0

E onde estão os Pros e Contras?

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