Palavra de Especialista

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Publicado por admin no dia 29 de julho de 2013

Gilberto Cordeiro, arquiteto urbanista e paisagista em atuação desde 1983, tem especialização em planejamento e desenvolvimento regional pela Universidade de Guarulhos (UNG), participa da Rede Social Zona Norte e do Movimento Santana Viva, que visa a melhorar as condições urbanísticas e de vida do distrito de Santana (SP)

 

 

 

Os problemas de mobilidade que vivemos hoje em São Paulo, é redundante dizer, resultam da falta de planejamento; e muito mais pela não aplicação na íntegra dos planos elaborados ao longo de décadas, para não falar em séculos de crescimento da cidade.

 

Em determinado momento, a exemplo do Anhangabaú e do Parque Dom Pedro, foram elaboradas plantas magníficas que, se tivessem sobrevivido à especulação e ao conluio do público com o privado (no que tem de pior, que são os interesses pessoais acima dos interesses coletivos), nossa realidade seria outra.

 

São Paulo é uma cidade radical e sui generis; então precisamos de soluções do mesmo gênero. Em determinado momento da história, cidades como o Rio de janeiro e Paris passaram por soluções radicais: foi no tempo de Osvaldo Cruz no Rio, e do Plano Hausemann em Paris.

 

Entre essas soluções, temos o plano hidroviário de São Paulo, do arquiteto Alexandre Delijaicov e equipe da USP, que, por incrível que pareça, foi apresentado por um grande jornal de São Paulo como “utopia” e, apesar dos sérios estudos econômicos e de viabilidade técnica elaborados pela equipe, foi colocado lado a lado com o “delírio futurista do Roberto Loeb”. Isto me assusta sobremaneira, pois a intenção do Roberto era provocar e trazer o assunto à tona, enquanto o plano do Alexandre é operacionalmente viável.

 

As estações elevatórias do rio Tietê não foram concluídas na quantidade planejada e as que aí estão não funcionam como deviam, sendo que uma delas, situada junto a uma ponte da Marginal Tietê, fica abaixo do nível de elevação do rio e se torna sem uso quando mais se precisa dela.

 

Quanto ao rodoanel, teria sido melhor o traçado que passava pelo vale do rio Mairiporã, preservando o cinturão verde de São Paulo do ruído, da poluição, e da perturbação da fauna da serra da Cantareira  – além de ser o mais econômico. A cidade cresceu e a localização atual do rodoanel causará pressão sobre as reservas florestais e será limítrofe com a periferia da cidade, o que fatalmente levará à confecção de alças viárias (negadas  no projeto) para a integração dos arredores. Serão novas avenidas e polos de geração de tráfego e ocupação irregular. Outrossim, por estar defasada no tempo, a obra mostra-se viável apenas àqueles que com ela lucrarão, pois a “segunda fase” do rodoanel virá e provavelmente ocupará a faixa ao longo do rio Mairiporã.

 

Quando se fala em mobilidade em São Paulo, devemos ter em mente que antes de tudo é preciso comprometimento das autoridades gestoras das cidades para que se faça o melhor “para a cidade”, que somos nós, e não o que só é bom para quem executa as obras. Todos podem ganhar com a aplicação do bom senso, mas que esse ganho seja proporcional e equilibrado.

 

Existem soluções mais simples e outras complexas, mas, dadas as proporções da cidade, as intervenções têm de contemplar todos os sistemas que compõem “a mobilidade humana da cidade”.

 

Precisamos de uma verdadeira saturação das soluções ora possíveis, estudando outras não tão convencionais. Algumas devem ter implantação imediata, outras poderão ser integradas ao sistema ao longo de certo tempo, mas é necessário um planejamento de curto, médo e longo prazos. E o mais importante: a criação de um mecanismo social capaz de cobrar esse planejamento, sua implantação ao longo do tempo e de quaisquer que sejam as correntes politicas ora no poder!

 

Em um debate numa lista sobre urbanismo e mobilidade urbana, o jornalista Marcos de Sousa, do Mobilize Brasil, comentou que de fato “não há rodízio que dê conta da frota paulistana” e apontou algumas alternativas, como: primeiramente, melhorar as calçadas da cidade; abrir espaço aos ônibus e VLTs (bondes modernos); integrar os transportes (carro, táxis, ônibus, ciclovias, bicicletas, metrô, trens, e no futuro barcas); Investir pesado em trens e metrô; e criar sistemas de carros elétricos  compartilhados.

 

Concordo com a forma como relacionou as necessidades, e acrescento:

 

– Calçadas decentes, conservadas e sem obstáculos e buracos;

– Planejamento do transporte de forma integrada;

– Implantação imediata dos VLTs, o que pode ser feito em parceria público-privada;

– Quanto aos ônibus, realmente são necessários, mas de fato as linhas de metrô e monotrilhos são mais limpas,e ocupam menos espaço, e portanto são mais adequadas. (Claro, se não houver cobrança de comissão das autoridades sobre as vencedoras das licitações: caso Siemens e Aston);

– Colocação de mais ônibus – sou totalmente favorável  -, mas em linhas ou vias próprias. Observação: que não sejam carrocerias montadas em chassis de caminhão, e sim em chassis projetados para serem ônibus. E que não transportem trinta pessoas sentadas e quarenta em pé! (e ainda pedem para as pessoas usarem cintos de segurança, faz sentido?). Pergunto: onde estão os ônibus a diesel limpo, elétricos e a etanol, que há décadas vêm sendo testados e nunca utilizados extensivamente (isso dará uma boa briga, com certeza, visto que os veículos atuais são muito mais baratos).

– Todos os táxis serem ou elétricos, ou veículos híbridos;

– Início imediato da implantação do projeto da USP de hidrovias (Hidroanel viário).

– Implantação de um sistema de garagens ao longo das estações de metrô e das vias de ônibus, de forma a também estarem próximas de locais de passagens de VLTs e monotrilhos. Não esquecendo dos bicicletários e ciclovias nestes pontos de intersecção.

 

Esclareço que não sou contra a criação de novas avenidas para automóveis, porque não tê-las é uma ilusão. Não temos de cercear o uso do carro por meio de tributações esdrúxulas, pedágios absurdos (já pagamos impostos em demasia e ninguém cobra a sua aplicação onde deveriam ser utilizados de fato) e rodízios, mas sim criar mecanismos que inibam o seu uso de forma positiva. É quando as pessoas percebem que, dada a qualidade do transporte público, muitas de suas atividades podem ser feitas utilizando o transporte público. A esta altura, já estarmos “brigando” pela sua implantação, e não repetindo quais as soluções.

 

Como tem sido dito, o primeiro contato do cidadão com a cidade se dá ao pisar na calçada em frente à sua residência. Diria que vai além disso… a percepção da cidade se dá também pelo bairro ou distrito onde fica a moradia  – se é bem servido de transporte e serviços públicos, se há poluição…porque antes até de pisar a calçada você está respirando; ouvindo ou não o ruído dos veículos… Enfim, ser cidadão é lutar por direitos, por algo melhor, e não se conformar com o que se apresenta por aí como sendo “normal”. Não é, e pode sim ser melhor! Não devemos esquecer de fazer nossa parte, e não deixar ao vizinho tomar a iniciativa. O debate público consta do processo de aprovação dos planos diretores estratégicos e código de obras da cidade, e vem sendo promovido pela prefeitura de São Paulo com abertura a todos os cidadãos.

 

Voltando ao transporte, defendo a seguinte ordem de prioridade:

 

Primeiro nível de mobilidade: o caminhar, com calçadas boas, parques lineares, acessos integrados, menos cercas e grades (e com segurança, já que caso contrário ninguém vai andar a pé ou de bike passando por trechos ermos);

Segundo nível: as pessoas saem de bike, então precisamos de leis específica, vias sinalizadas (bem), educação e respeito no transito (fundamental);

Terceiro nível: transporte local de baixo impacto e pequeno porte, como monotrilhos (tipo aeromóvel de Porto Alegre). E arrisco propor até teleféricos, que ligariam pequenos trechos (a topografia da cidade ajuda), em avenidas, ou de ponto a ponto, integrando estações de transporte de massa ou ligando bairro a bairro;

Quarto nível: táxis elétricos ou híbridos;

Quinto nível: VLT e ônibus elétricos ou híbridos, ou ainda utilizando combustíveis de baixo impacto poluidor;

Sexto nível: transporte de massa como metrôs, trens urbanos e metropolitanos (os trens são um caso a parte, nessa sucateada ferrovia brasileira e monotrilhos de grande porte). E barcas de passageiros integradas a estes transportes terrestres, segundo o plano hidroviário da USP.

 

 

 



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