Palavra de Especialista

18
setembro
Publicado por admin no dia 18 de setembro de 2013

 

 

Uirá Melo é servidor público federal, graduado em Relações Internacionais pela UnB e aluno do Curso de Pós-Graduação em Políticas Públicas pela UFG.

 

 

 

Há esperança! Inauguremos novamente os espaços públicos, tomemos as associações de bairro para destituir os seguidores da “Lei de Gérson” que têm determinado nossos interesses em vez de nos representar. Sejamos nós mesmos os protagonistas da mudança!

 

As cidades foram construídas para permitir o encontro das almas, antes mesmo do Paraíso. Na Idade Média, o refúgio seguro sob a tutela do príncipe. Na Era Moderna, a expressão da hiper suficiência do homem sobre a natureza. Na Contemporaneidade, como poderíamos defini-la?

 

A construção de Goiânia, apesar da tenra idade, explicita a adesão à modernidade. Fruto do destino manifesto tupiniquim de origem varguista e da astúcia de políticos regionais, a nova capital de Goiás rompia de certa forma os laços com o atraso semifeudal, as almas aqui se juntariam a fim de construir futuro mais igualitário e livre.

 

Mais que de repente, o adesismo moderno foi arrebatado pela contemporaneidade, a égide do Pós, pós-industrial, pós-Segunda Guerra, pós-moderno, pós-Brasília. Em 80 anos, cerca de 1,5 milhão de pessoas decidiram se aproximar no que se convencionou chamar a Região Metropolitana de Goiânia (RMG). A ocupação antes planejada, logo em seus primeiros anos foi impedida pela desordem caótica promovida por empreendedores locais. Os círculos concêntricos que exprimiam a forma radial foram substituídos pela especulação pura e simples que de certa forma transfiguraram a cidade em uma instalação artística de várias subjetividades, poderíamos dizer, pós-moderna em que alguns de maior imaginação ainda conseguem identificar na sua expressão geográfica mantos de Maria ou a Capa do Batman.

 

Nos anos 80, quando o filme Wall Street: o dinheiro nunca dorme eternizou a frase: greed is good (a ganância é positiva) e passávamos pela crise da dívida, a estética americana de Manhattan erigia os mais poderosos desejos nos países latino-americanos, principalmente entre a elite e a classe média. Muitos foram os que deixaram Pasárgada e diplomas para se aventurar na “selva de pedra” nova-iorquina como garçons e contractors (terceirizados) na limpeza. “Chic” – essa palavra tão anos 80 – era acordar  na fuligem da “Big Apple” ao som das buzinas dos carros!

 

Essa realidade foi transportada para Goiânia de forma acrítica, copiou-se até o fetiche por coisas altas e eretas ou o desejo etéreo de arranhar o céu. Para ser respeitado era e, por incrível que pareça, ainda é ter um edifício que se possa comparar com o do outro e dizer: “o meu é maior que o seu”! Surgiram Rizzos Plazas, Excaliburs (a espada mitológica em riste) e congêneres! Com eles, engarrafamentos em garagens no setor Nova Suíça e brevemente também no Jardim Goiás.

 

Não, não estávamos sozinhos, a Cidade do México (esses pobres diabos tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos da América), Hong-Kong, Taiwan, Singapura, Tóquio e, mais tardiamente Dubai emularam Nova Iorque. Todos esses últimos têm uma característica singular, são constrangidos pela natureza, principalmente pela combinação de peculiaridades de relevo, mares e oceanos, assim como a ilha de Manhattan.

 

Nós goianienses, todavia, resolvemos nos autoinfringir o insulamento. Da combinação de grandes edifícios e insegurança adveio a concepção de que estaríamos mais seguros atrás das grades dos condomínios. Percepção que foi alastrada para os condomínios horizontais, esses invariavelmente com nomes franceses, ingleses, ou com referências locais etéreas como, Portal do Sol ou Aldeia do Vale. Criamos a ideia de autossuficiência intramuros, construímos piscinas privadas, áreas de esporte restritas e, principalmente nas ilhas horizontais, transformamos o ambiente amigável aos humanos. Esse último movimento é interessante, os condomínios foram moldados a uma expectativa de segurança plena, usufruto de todo o potencial do urbanismo – ciclovias, calçadas transitáveis, coleta seletiva e individualismo contumaz: áreas comuns, mas com o compartilhamento restrito à taxa de condomínio.

 

E a cidade de Goiânia? Essa passou a ser uma coadjuvante no ir e vir para o trabalho. Os que resistiram em casas, munidos de portões eletrônicos, seguranças particulares legais ou ilegais e cercas elétricas, esses heróis que se arriscam diuturnamente na roleta russa da insegurança pública de Goiás, comum a todo o Brasil. Nesse ambiente, até bares e restaurantes se refugiaram em condomínios, vulgarmente conhecidos como Shoppings. Tornamos a ficção em realidade, materializamos aos poucos a paisagem do filme A fuga de Nova Iorque de dentro para fora, mas não há Kurt Russel que nos salvará. Só existimos nós mesmos e o espaço da política!

 

Em curto prazo, teremos que nos voltar para a cidade e seus espaços de convivência.  Seremos obrigados, pois a violência urbana diária não respeitará fronteiras, como deixou claro o assalto à Celine Joalheira no Flamboyant, no dia 9 de setembro de 2013.

 

Se acrescentarmos mais fileiras de tijolos em nossos muros ou instalarmos mais uma grade, mais uma câmera de vigilância privada, estaremos nos aproximando da acepção da Grécia antiga para aqueles que se isolam dos assuntos públicos, naquele tempo, conhecidos como idiotas.

 

Há esperança! Inauguremos novamente os espaços públicos, tomemos as associações de bairro para destituirmos os seguidores da Lei de Gerson que têm determinado nossos interesses ao invés de nos representar. Sejamos nós mesmos os protagonistas da mudança!



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