Passos e Espaços

15
setembro
Publicado por Irene Quintáns no dia 15 de setembro de 2015

Falemos de referências e percepções! “A criança começa a perceber que ela ocupa um lugar no espaço dentro de outros espaços e, dia a dia, vai aumentando o seu conhecimento dos espaços vividos”.(1)
O jeito de ela ocupar seu lugar no espaço urbano vai determinar sua percepção da cidade e seu sentir como cidadã. Duas crianças desenharam o trajeto casa-escola: a primeira vai de carro, a segunda caminha.
 
Irene Quintans_desde o carro
Irene Quintans
 
A sensação de lugar e a habilidade de se locomover espacialmente são fundamentais para nossa existência. É fundamental vivenciar a cidade a pé desde a infância, para poder elaborar mapas mentais do bairro e da cidade. As lembranças permanecem e a cidade é construída com as sensações e vivências. Na seguinte imagem podemos ver um desenho do trajeto feito a pé de casa até a escola, de uma criança de 13 anos (Escola Estadual Etelvina de Goes, oficinas para o Caminho Escolar de Paraisópolis, SEHAB 2012) e outro da lembrança de criança de uma professora (Escola Estadual Rodrigues Alves, oficinas para o projeto Passagens Jardim Ângela, IVM 2015). Diferentes bairros, diferentes idades, referências espaciais que permanecem.
 
Irene Quintans_Caminho escolar SEHAB e IVM
 
Os ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina 2014, o cientista John O’Keefe e o casal May-Britt e Edvard I. Moser, mostraram como o cérebro se referencia espacialmente, com pontos de referência. Os neurônios chamados de “células de grade” guardam pontos que representam o ambiente em uma malha hexagonal, permitindo a navegação espacial.
As crianças explicam com outras palavras esta malha urbana, os lugares que ficam seus: “As ruas chegam a todos os lugares da cidade, assim as pessoas podem decidir aonde ir. Pessoas saem, depois eles entram em outra parte e depois eles entram novamente em outro lugar”. Criança italiana (2)
Caminhar a cidade, usar “as ruas que chegam a todos os lugares” a faz mais segura: o uso ativo do espaço público aumenta a interação social, segurança e cultura de paz.
 
Irene Quintans_Pedibus
 
Os projetos integrais de caminho escolar são iniciativas que são desenvolvidas em países de todo o mundo, como EUA, Canadá, Austrália, países da Europa e parcialmente em algumas cidades de América Latina, porém ainda não foram plenamente implantados no Brasil. Eles são dirigidos para que as crianças possam se mover com segurança e autonomia pelas ruas e recuperem seu uso, desfrutando do espaço público através da mobilidade urbana ativa (a pé ou de bicicleta).
Dedicaremos outros post para aprofundar nos caminhos escolares, neste vamos olhar para uma ação que forma parte deles, para possibilitar que crianças pequenas possam caminhar de casa até sua escola.
 
Irene Quintans_Pedibus Bogota 2011Os programas “Walking Bus” são adultos acompanhando turmas de crianças (dois adultos para cada 20-25 crianças), caminhando por uma rota pré-estabelecida. Os pontos de parada ficam perto da casa das crianças participantes, que “pegam carona” caminhando até o ponto final, a escola. Este tipo de programas são muito bem sucedidos, envolvendo neles a escola, família dos escolares e vizinhos e comerciários das rotas. Como exemplos de sucesso próximos à realidade de São Paulo temos os “Walking Bus ou Pedibus” da Colômbia. Realizei uma visita técnica em junho de 2015 para conhecer de perto o projeto desenvolvido pela Fundación Nueva Ciudad em parceria com as prefeituras de Bogotá (2011) e Barranquilla (2014-15). Com muita amabilidade explicaram o projeto e realizamos visitas em campo.
 
Durante o ano 2010, em parceria com a Secretaria de Mobilidade de Bogotá Distrito Capital, a Fundación Nueva Ciudad assina o acordo para implantar o projeto denominado Pedibus em áreas sensíveis urbanas da cidade de Bogotá, envolvendo a 40 de suas Instituições Educativas, nos distritos de Suba e Cidade Bolívar, com o propósito de mitigar os índices altos e consequências da acidentalidade nos entornos das escolas e ao longo das rotas casa-escola, como também outras “interferências perigosas” por meio do trabalho articulado com as famílias, comerciantes legais e cidadania que habita os bairros próximos.
 
Pedibus Bogota_Fund Nueva Ciudad
Pedibus_Fund Nueva Ciudad
 
No ano 2014 começa outro projeto da Fundación na cidade de Barranquilla (Colômbia), com 22 centros escolares com alunos de idades entre seis e dez anos, nos distritos Norte Centro Histórico, Metropolitana, Sur Occidente e Sur Oriente. Estes centros escolares estão próximos ao novo eixo do BRT (Bus Rapid Transit) -ver foto superior, estação de BRT e faixa exclusiva na esquerda da foto-, pelo que o acompanhamento dos escolares nas suas rotas à escola é muito importante para sua segurança viária, além de ser uma estratégia integral com formação pedagógica em educação, segurança, coexistência e cultura cívica.
 
Irene Quintans_Barranquilla 2
 
Toda a comunidade escolar e as famílias estão envolvidas: os alunos de Ensino Médio usam suas horas obrigatórias para o Serviço Social para participar nos Pedibus. Eles aprendem sobre o projeto e são capacitados para ser parte ativa da sociedade, sendo auxiliares dos percursos das rotas do Pedibus.
 
Irene Quintans_Barranquilla 1
 
Pedibus Barraquilla_Fund Nueva CiudadNo total, no ano 2014 foram beneficiados pelo programa 713 alunos, 131 pais e mães participaram ativamente e 10.7km de vias públicas se tornaram mais seguras para todos.
Complementando os Pedibus, um trabalho intenso foi desenvolvido com a comunidade nos espaços limítrofes ao eixo do BRT: vinte conselhos de ação comunitária e oitenta e dois grafiteiros e cinco artistas plásticos participando das ações de urbanização e melhoramento da cidade. Passos e espaços!
 
Irene Quintans_Barranquilla 3
 
Sarando a cidade e cuidando a saúde dos pequenos: estudos neurocientíficos recentes mostram a relação entre a atividade física infantil moderada (caminhar ou pedalar) e o desenvolvimento cognitivo, melhorando o desenvolvimento integral da criança:
— Um estudo dinamarquês(3) realizado com 20.000 escolares (5-19 anos de idade) mostrou que caminhar ou pedalar aumenta a concentração das crianças até o fim do período de aulas, na execução de tarefas complexas, comparado com as que vão à escola em veiculo motorizado.
— Muito importantes são os dados que mostram que existem alternativas ou, no mínimo, complementos não medicamentosos para o tratamento de doenças como o Distúrbio de Déficit de Atenção (TDHA). Um estudo(4) realizado pelo Departamento de Kinesiologia de Michigan mostrou que com um programa de exercício físico durante doze semanas as crianças envolvidas melhoravam nas provas de matemática e leitura. Isso aconteceu em todos as crianças do estudo, mas especialmente naqueles com sinais de TDHA.
 
Desde os anos 90, nos EUA e na Grã Bretanha o dia 7 de outubro é o Dia Nacional do Caminhar à escola (Walk to School Day). Porque, sem dúvida, caminhar pela cidade faz bem. Caminhar com os amigos ainda é melhor. Nada como ter olhares cuidando de nós: nas casas, nas ruas, nas lojas.
 
Red OCARA_Pracinha Oscar Freire
 
“Os habitantes estendem fios entre as arestas das casas: teias de aranha intrincadas à procura de uma forma para estabelecer as ligações que orientam a vida da cidade” CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis

 

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Créditos
 
Cita bibliográfica 1: OLIVEIRA, Claudia. O ambiente urbano e a criança. Ed. Aleph, São Paulo. (2004)
Cita bibliográfica 2: TONUCCI, Francesco. Cuando los niños dicen basta! Ed. Losada. Buenos Aires (2010)
Foto montagem 1:
_____Foto 1.1 http://kennesawattorney.net/wp-content/uploads/2014/08/child-locked-in-car.jpg
_____Foto 1.2: HART, Roger. Children’s experiences of places. John Wiley & Sons Inc (1979) (1979)
Foto montagem 2:
_____Foto 2.1: autoria de Irene Quintáns
_____Foto 2.2: HART, Roger. Children’s experiences of places. John Wiley & Sons Inc (1979) (1979)
Foto montagem 3:
_____Foto 3.1: Desenho de aluno da Escola Estadual Etelvina de Goes, oficinas para o Caminho Escolar de Paraisópolis, SEHAB 2012
_____Foto 3.2: Desenho de professora da Escola Estadual Rodrigues Alves, oficinas para o projeto Passagens Jardim Ângela, IVM 2015
Foto montagem 4:
_____Foto 4.1: autor desconhecido
_____Foto 4.2: Devon School Crossing Patrol. Image
_____Foto 4.3: Caminhos Escolares em Zaragoza
Foto 5: autoria de Danilsa Cortés
Foto montagens 6 e 7: imagens do Pedibus da Fundación Nueva Ciudad (Colômbia)
Foto montagens 8 e 9: Visita técnica da Red OCARA a Barranquilla. Autoria de Irene Quintáns
Foto 10: imagem do Pedibus da Fundación Nueva Ciudad (Colômbia)
Foto montagem 11: Visita técnica da Red OCARA a Barranquilla. Autoria de Irene Quintáns
Cita bibliográfica 3: Danish Science Week. Centre for Strategic Education Research at Aarhus University “The Mass experimente”.
Cita bibliográfica 4: HOZA, Betsy et al. “A Randomized Trial Examining the Effects of Aerobic Physical Activity on Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder Symptoms in Young Children” (2014).
Foto 12: Oficina da Red OCARA na Pracinha Oscar Freire (São Paulo)



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Irene Irene Quintáns é arquiteta urbanista com pós-graduação em Estudos Territoriais, Políticas Sociais, Mobilidade, Habitação e Gestão Urbanística. Trabalhou nas Prefeituras de Barcelona e São Paulo (SEHAB, Obra de Urbanização de Paraisópolis). Fundadora e diretora da Rede OCARA (www.redocara.com), rede latino-americana de experiências e projetos sobre cidade, arte, arquitetura, mobilidade urbana e espaço público nos quais participam crianças. Através da Rede amplifica experiências, articula projetos em rede e organiza oficinas e palestras para dinamizar o pensamento crítico infantil e adulto sobre temas urbanos. Afiliada a IPA Brasil, Associação Brasileira pelo Direito de Brincar e à Cultura (ipabrasil.org).
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