Palavra de Especialista

30
julho
Publicado por admin no dia 30 de julho de 2018

Interior do veículo Aptis, em testes na França, híbrido de ônibus e VLT
Por Olímpio Álvares

É muito arriscado estabelecer um plano rígido de penetração de tecnologias alternativas para um programa de substituição de frota diesel de ônibus por veículos com tecnologias mais “limpas”. Embora a mudança seja necessária e urgente, a volatilidade e a gangorra dos custos das novas tecnologias de ônibus, a implacável metamorfose na conjuntura ao longo dos anos e o acelerado desenvolvimento tecnológico dificultam a definição de qualquer plano regulatório inflexível, ao longo de dez, quinze ou vinte anos de operação.

 

O cenário tecnológico, que hoje parece atender às necessidades, não será a opção mais conveniente e sustentável daqui a alguns anos. Previsões precárias podem, inclusive, levar a sucessivas decisões inadequadas e repetidas de substituição de lotes de frota velha, criando novos monopólios tecnológicos e energéticos, indesejáveis sob o prisma da segurança operacional e financeira do sistema. A otimização e a diversidade tecnológica e energética da frota devem ser encaradas, em princípio, como objetivos essenciais a serem alcançados.

 

Nesse processo, é fundamental que o plano para adoção gradual de alternativas ao ônibus diesel convencional garanta – com absoluta clareza de propósitos – os ganhos ambientais contínuos previstos na lei e no contrato do transporte urbano. Isso evitará críticas por parte dos organismos de defesa do meio ambiente e do Ministério Público, que já acompanham de perto, com sua afiada espada em punho, a constante evolução de programas de melhoria da frota em alguns municípios brasileiros.

 

Mas atenção: se o plano prever esse avanço contínuo nas reduções graduais globais de poluentes da frota, com a efetiva incorporação crescente das diferentes tecnologias alternativas existentes no mercado, e se ao mesmo tempo, não houver compromissos engessados, com metas fixas quantitativas intermediárias (p. ex.anuais) de redução de emissões, o processo de ajuste ficará mais simples – especialmente nos primeiros anos do programa, período crítico de mudança de paradigma. Assim, cada programa poderia escolher, de forma mais livre, entre as alternativas tecnológicas comprovadamente consolidadas existentes no mercado, sem possíveis atropelos, desnecessárias saias justas, e sem prováveis danos operacionais e financeiros gerador por decisões de afogadilho.

 

Este é o “caminho suave” recomendado para os gestores e operadores do transporte coletivo em qualquer localidade – e por que não dizer, para uma saudável transformação ambiental da frota urbana, convergente com os NDCs (Contribuição Nacional Determinada) brasileiros: os programas de substituição gradual de frota diesel devem ser criados mediante decisão voluntária do Poder Concedente, sem a deletéria pressão de leis e regras ambientais draconianas que estabelecem metas intermediárias fixas excessivamente ousadas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Isso só se prestaria a criar rejeição pelos programas, tanto por parte dos gestores públicos, quanto pelos operadores de transporte. Essa rigidez não permite manobras (do bem) e inocula um risco desnecessário de inviabilização da aplicação prática da lei.

 

Entretanto, parece ser esse o caso do Município de São Paulo, quando define no edital (atualmente suspenso) um obsessivo cronograma anual de metas intermediárias aleatórias de redução de emissões, simuladas em gabinete, com alcance de muitos anos (!) – metas não previstas no artigo 50 da Lei 14.933/2009, com redação dada pela Lei 16.802/2018.

 

Com o cenário tecnológico que dispomos hoje no país, a via da evolução ambiental modulada, sem metas intermediárias de redução de emissões, já nos garante ousados avanços em relação aos poluentes tóxicos – os que matam precocemente a população mais vulnerável. Além disso, esse caminho virtuoso dá ampla liberdade ao Poder Público e operadores de optarem pelas tecnologias alternativas mais competitivas disponíveis no mercado, que garantem os avanços contínuos planejados e previstos em lei, regulamento e contrato, e não lhes obrigam a decidir, sempre e obrigatoriamente, pela tecnologia com o maior potencial de redução de poluentes. Afinal, essa pode não ser aquela que corresponde às maiores vantagens operacionais e financeiras para o sistema de transporte e para o erário público. Os extremistas da militância verde podem não gostar, mas é exatamente assim que a área ambiental funciona bem e avança em todo planeta.

 

Ressalte-se, que metas futuras não muito distantes de banimento de combustíveis fósseis e gases do efeito estufa não mais constituem um grande desafio na área do transporte coletivo, pois a rápida evolução tecnológica alternativa ao diesel convencional observada atualmente já indica com clareza que em menos de dez anos, as decisões voluntárias de operadores de transporte serão, por simples conveniência econômica e operacional, invariavelmente, pelas tecnologias de emissões fósseis nulas, no uso final do insumo energético.

 

Observa-se, porém, que há muitos ambientalistas e decisores públicos que passam ao largo dos conceitos fundamentais que regem o desenvolvimento sustentável. A “sustentabilidade” de projetos de infraestrutura, consiste numa conhecida tríade: não significa apenas reduzir imediatamente o impacto ambiental global, mas – por princípio – fazê-lo de modo equilibrado dentro de parâmetros sociais e econômicos racionais.

 

Não é por acaso que a maioria dos países desenvolvidos (que embora ricos, prezam bastante seus preciosos recursos públicos), avançam de modo parcimonioso os atuais programas de tecnologias alternativas de transporte coletivo urbano de baixo impacto climático. Decidem passo a passo, primeiro por testes-piloto de algumas unidades veiculares, depois testam pequenas frotas de veículos dotados de novas tecnologias, e somente após a consolidação técnica, operacional e econômica de cada alternativa, decidem qual tecnologia, onde e quando ampliarão suas ambições de melhoria ambiental do sistema – sempre de modo responsável, consistente e otimizado.

 

No Brasil, não raro, autoridades em busca de auto-afirmação política, ou influenciadas por pressões de interesses diversos, costumam ser mais realistas que o rei. Assim, atravessando a boa prática governamental de controle ambiental, são perpetrados grandes e memoráveis erros no processo civilizatório.



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