Ônibus limpos em tempos de crise

Pensar não faz mal - sobretudo se os recursos são escassos. Neste artigo, Olimpio Alvares reflete sobre como investir de maneira mais eficaz e justa nas frotas de ônibus

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Olimpio Alvares*  |  Postado em: 10 de setembro de 2018

Recursos poderiam financiar filtros em ônibus dies

Ônibus a Gás Natural produzido no Brasil

créditos: Arquivo Mobilize Brasil

Vejamos com uma luz o caso particular de treze ônibus elétricos adquiridos pela cidade inglesa de Nottingham, generosamente auxiliados por um Green Fund local, com 1,4 milhão de libras esterlinas. Clique aqui para ver a matéria. 

Trata-se de uma pequena frota de veículos com emissões nulas de poluentes tóxicos, aportando uma certa ajuda para a qualidade do ar local e uma diminuta contribuição com a redução do efeito estufa planetário - bem, isso se a energia elétrica for, de fato, de origem renovável. 

Quase ninguém sabe, ou prefere não saber, que esse mesmo recurso financeiro poderia viabilizar a adaptação de cerca de 1.100 filtros de fluxo total (intercambiáveis, de durabilidade de dez anos e eficiência próxima de 100% na retenção de partículas ultrafinas cancerígenas) em ônibus/caminhões diesel das cidades inglesas que, lamentavelmente, ainda rodarão livremente por alguns anos sem os filtros, fazendo grandes estragos nos pulmões, corações, aparelhos reprodutivos e cérebros dos cidadãos ingleses mais expostos à fuligem diesel no meio urbano. 

É, portanto, evidente, que o emprego mais eficiente desses raros recursos disponíveis para o desenvolvimento sustentável resultaria num enorme ganho de saúde pública - bem mais relevante do que aquele que se obtém com o desnecessário financiamento de apenas treze ônibus elétricos. 

Nada contra elétricos, muito pelo contrário; eles são ótimos, limpos, silenciosos e serão em poucos anos o futuro da mobilidade urbana, especialmente no transporte público. 

Lembre-se, entretanto, que os ônibus elétricos já tem pleno potencial econômico para se autofinanciarem, dado seu tão proclamado baixíssimo custo operacional - sem, portanto, demandar ajuda financeira de Fundos Verdes. 

Aliás, já existem no livre mercado empresas prontas a explorar esse negócio, financiando a implantação dos veículos (ou financiando somente as baterias), a fim de recuperar - com segurança - o investimento realizado ao longo da vida operacional dos veículos - sem retirar um centavo sequer dos estratégicos recursos a fundo perdido de Fundos Verdes e de Desenvolvimento Sustentável.

Pensando ainda um pouco mais sobre a engenharia financeira da implantação de frotas de ônibus elétricos e sobre aumentar a atração dos investidores, esse muito bem-vindo investimento - este sim - poderia ser garantido por meio de um seguro respaldado nos recursos dos Fundos Verdes. "Fica aqui como sugestão para os cartolas do dinheiro verde."

Além dessa janela, já um tanto aberta para os ônibus elétricos, há uma clara tendência de queda drástica do preço da bateria nos próximos anos, o que fará, em breve, operadores de transporte optarem voluntariamente pelos veículos elétricos novos, sem a necessidade de imposição de obrigações regulatórias. Os gurus da energia limpa falam em 2026 ou um pouco mais adiante.

Fala-se de boca cheia em reuniões do Banco Mundial e de outros agentes financiadores de projetos de desenvolvimento sustentável na área do transporte público: "não gostamos de colocar água em balde furado" ou "temos que assegurar que os financiamentos sejam feitos de forma responsável" ... pois bem!

Daí, com todas essas possibilidades de autossustentação do negócio dos ônibus elétricos - para gestores, investidores e operadores - parece (em princípio ....) não se justificar o uso do escasso (e estratégico) dinheiro de Fundos Verdes no financiamento de ônibus elétricos; seria mais eficiente usá-lo para empurrar outras medidas que de fato tragam um retorno relevante para a melhoria da qualidade do ar nas cidades.

Mas os filtros anticâncer não estão na moda ....

Isso nos remete a recentes aberrações comandadas durante muitos anos por agentes políticos e econômicos brasileiros alheios às necessidades do País, que financiaram - com o escasso dinheiro público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - grandes empresas já plenamente consolidadas, ao invés de fomentar o desenvolvimento de outros setores carentes que acabaram minguando de vez por falta de incentivo e investimentos estratégicos.

Em nosso caso, quem mingua, além dos agentes envolvidos nas medidas antipoluição urbana, é a judiada qualidade do ar e a saúde pública.


*Olímpio Alvares escreve no blog Palavra de Especialista e convida experts em mobilidade urbana a compartilhar opiniões e comentar os assuntos em destaque no noticiário nacional e internacional. É engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da USP, diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar. Atuou por 26 anos na área de controle de emissões veiculares da Cetesb, concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos. É fundador e secretário executivo da Comissão de Meio Ambiente da ANTP; diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sobratt; assistente técnico do Proam; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina, (CAF) e outros órgãos públicos e organizações da sociedade civil, como o Mobilize Brasil.

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