Europa estuda minitrens autônomos em ferrovias desativadas

Duas propostas, na Alemanha e Espanha, sugerem o uso de pequenos trens autônomos para circular em ferrovias desativadas, com baixa demanda de passageiros

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Fonte: El País/ Mobilize Brasil (trad. e edição)  |  Autor: Miguel Ángel Medina  |  Postado em: 01 de setembro de 2025

Simulação de veículo autônomo sobre trilhos espanh

Simulação de veículo autônomo sobre trilhos espanhol

créditos: Reprodução Mufmi

Desde a década de 1980, a Espanha abandonou mais de 4.600 km de linhas férreas convencionais, consideradas de baixa rentabilidade ou que demandariam obras caras. Quase 2.000 km de ferrovias foram desmantelados para se tornarem vias verdes para pedestres e ciclistas. O restante permanece sem manutenção, como acontece em outros países europeus (e também no Brasil). Mas, dois projetos pioneiros buscam uma solução em pequenos VLTs elétricos e autônomos, com poucos assentos, que poderiam conectar destinos com baixa demanda a um custo muito baixo e sem condutores.

 

Segundo dados da operadora ferroviária estatal Adif , a Espanha conta com 15.653 km de linhas ferroviárias, dos quais 11.672 km são administrados pela própria companhia (incluindo os 1.193 km de bitola estreita). Outros 3.981 km correspondem à Adif AV (alta velocidade).

 

A estatal estima que 4.688 km de linhas ferroviárias foram fechados, dos quais 1.893 km foram recuperados e transformados em rotas de ciclismo e caminhadas. " As vias verdes criam empregos nas áreas rurais, gerando atividade econômica e um novo tecido comercial ligado ao turismo", argumenta um porta-voz da Adif.

 

Agora, os projetos buscam inspiração na iniciativa Reakt , promovida pela Universidade de Ciências Aplicadas de Kiel, na Alemanha. A proposta busca reativar linhas desativadas com um tipo de transporte autônomo sob demanda. De acordo com o site da Reakt, "a linha e seus veículos serão interconectados e equipados com sensores. Além disso, um conceito operacional será desenvolvido utilizando ferramentas de inteligência artificial orientadas por dados". O Ministério dos Transportes alemão está financiando a iniciativa com cinco milhões de euros e ofereceu uma linha abandonada de 17 km — entre Malente e Lütjenburg, perto de Kiel — para que os protótipos possam ser testados.

 

Inspirado por este exemplo de seu país, Rainer Uphoff, morador da Andaluzia, lançou o RuRail  na Espanha , um projeto que investiga como esse modelo poderia ser aplicado aos sistemas ferroviários espanhóis, em colaboração com a Reakt. “O serviço ferroviário autônomo é mais simples do que o de carros: o trem de transporte no Terminal 4 do Aeroporto de Madri já opera sem maquinista, assim como algumas linhas de metrô em vários países. Mas isso sempre foi feito em ambientes controlados, fechando completamente o percurso — com cercas e portões — para que ninguém possa entrar”, explica Uphoff.

 

Ele tomou a iniciativa de conectar especialistas de Kiel com a Universidade de Granada, que iniciou a pesquisa. "Em abril, realizamos um workshop na cidade de Guadix com a Aliança para a Mobilidade Sustentável e Inovação Rural (Amsir), liderada pela Uphoff, onde ficou claro que a maioria das áreas rurais não metropolitanas sofre de grave pobreza de transporte público", explica Alejandro Grindlay, professor de Planejamento Urbano e Ordenamento do Território da Universidade de Granada. "Por isso, vamos investigar vários aspectos: reequilíbrio territorial, inteligência artificial, infraestrutura ferroviária e sinalização", continua.

 

 
Simulação gráfica dos minitrens do projeto alemão Reakt Imagem: Reprodução


Pequenos VLTs ou trens
Como serão esses veículos no futuro? “Não pensemos em veículos grandes, mas sim em minitrens para 15 ou 20 pessoas, controlado de forma autônoma à distância”, responde Federico Aránega, presidente do Observatório Legislativo da Aliança Europeia Corredores.eu , que promove o transporte ferroviário no continente. Ele continua: “Esses trens realizam manobras automáticas, param em obstáculos, ajustam os horários conforme a demanda e podem ser acoplados ou separados dependendo da carga”. Em outras palavras, eles serão mais semelhantes a um pequeno ônibus que se move sobre trilhos do que a um trem muito longo, embora em horários de alta demanda, vários veículos possam circular juntos.

 

"Em estradas não eletrificadas, eles poderiam funcionar com baterias elétricas e usar painéis solares", diz o especialista, que acredita que eles também poderiam ser usados para transportar mercadorias leves: "Seu potencial é enorme por três razões: baixos custos operacionais, adaptabilidade a ambientes rurais e redução de emissões." De acordo com o professor da Universidade de Granada, eles buscarão financiamento para o projeto espanhol após o verão.

 

A Reakt já está projetando veículos com essas características. "Eles estão testando alguns modelos e esperam ter resultados em menos de cinco anos", diz Uphoff. Esses veículos ainda não estão disponíveis comercialmente, mas a tecnologia já permite testes em ambientes reais. "Minitrens poderiam aproveitar ferrovias desativadas e não rentáveis para conectar pequenas cidades rurais na Espanha rural, seja com transporte sob demanda ou com frequências de serviço limitadas. Seria viável para muitas rotas", diz Aránega.


A proposta é vista com ceticismo por fontes do setor, que consideram difícil recuperar ferrovias abandonadas para esse propósito, já que a maioria foi construída há mais de um século e não atendem aos requisitos de segurança atuais. Mas Uphoff contra-argumenta: “Até agora, o transporte ferroviário só era considerado adequado para grandes volumes de tráfego, mas, quando se trata de infraestrutura ociosa, o investimento já se pagou e os custos de manutenção são muito baixos. Revitalizar essas rotas nos permitiria explorar todo o potencial do sistema ferroviário, que é de quatro a dez vezes mais eficiente e limpo do que o transporte rodoviário.”

 

Obstáculos legais
Os pesquisadores também investigarão questões operacionais e regulatórias, pois, por enquanto, as normas oferecem obstáculos, mesmo para testes. De acordo com o Regulamento de Tráfego Ferroviário, "o número mínimo de pessoas na cabine do maquinista para que o trem entre em serviço será de um maquinista", enquanto em algumas rotas seria necessário um segundo maquinista, tornando a operação desse tipo de veículo ilegal.


A Adif confirma: "A legislação atual não permite a operação comercial de trens autônomos. Não há legislação detalhada sobre trens autônomos em nível europeu." Um porta-voz do Ministério dos Transportes concorda: "Não há regulamentação para esse tipo de veículo na Espanha, nem há planos de curto prazo para desenvolver regulamentações sobre isso." Uphoff lança uma petição: "Que a futura Lei de Mobilidade Sustentável abra as portas para esses laboratórios além da legislação atual."


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