A primeira caverna ocupada e as primeiras intervenções no espaço para adaptar o meio ambiente às necessidades humanas são o embrião do que chamamos de arquitetura. Pode-se entendê-la, portanto, como o espaço transformado para que os seres humanos possam realizar as suas atividades.
Um novo atributo, no entanto, tem sido agregado a este conceito com a “sociedade do automóvel”. Somos sete bilhões de pessoas em todo o mundo, dividindo espaço com um bilhão de veículos automotores.
Se um extraterrestre sobrevoasse a Terra iria imaginar que a forma de vida predominante em nosso planeta seria o carro e que nós seríamos a sua bateria. Quando entramos, ele anda, ele para e nós saímos, diz a metáfora de Heathcote Williams.
A consolidação espacial das cidades sem planejamento e o crescimento da demanda de espaço para guardar os carros proporcionaram a gênese da arquitetura para os carros. Em Maceió, por exemplo, a frota ocupa mais de 53 mil m² de espaço público.
Os famigerados edifícios-garagem ganham cada vez mais espaço em nossas cidades, sendo muitas vezes defendidos como um investimento em mobilidade urbana e desenvolvimento.
Para fortalecer este argumento falacioso, os construtores têm investido em design e adoção de princípios da sustentabilidade na arquitetura. Assim, podemos ver edifícios-garagem sendo construídos por ícones da arquitetura mundial, contemplando elementos como estrutura de captação de água pluvial, equipamentos de geração de energia eólica e tetos verdes, dentre outras soluções.
A nova roupagem incorporada a estes edifícios não anula o fato de que eles fortalecem a indústria automobilística, a cultura do automóvel e a priorização do transporte individual sobre o coletivo.
A arquitetura que abriga carros contraria a função social do solo urbano e o direito universal à moradia, considerando a lamentável prática da especulação imobiliária, o déficit habitacional e periferização das cidades.
A metáfora de Heathcote começa a ganhar status de profecia.
Mais um edifício-garagem em Miami, com projeto de Frank Gehry
Ainda Miami: o Lincoln Road, desenhado por Herzog de Meuron