BRT de Salvador é criticado por maioria em audiência pública

Grupos contra e a favor do BRT se encontraram ontem (22) em reunião no MP-BA. Especialistas destacaram os impactos ambientais e a falta de estudos e dados de mobilidade

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Fonte: Mobilize Brasil/ A Tarde  |  Autor: Mobilize Brasil (edição)/ A Tarde  |  Postado em: 23 de maio de 2018

Perspectiva do projeto de estação do BRT na Avenid

Perspectiva do projeto de estação do BRT na Avenida ACM

créditos: Reprodução

 

Discussões acirradas agitaram ontem (22) palco e plateia da audiência pública no Ministério Público da Bahia (MP-BA), convocada para esclarecer e avaliar as consequências do projeto do Bus Rapid Transit (BRT) na cidade de Salvador. 

 

De um lado, não faltaram críticos da proposta, como os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), grupos ambientalistas e outros movimentos sociais. Do outro, na defesa do projeto, o procurador-geral do município, Francisco Bertino, e o gerente de projetos estratégicos da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob), Roberto Mussalem. Este último fez a apresentação e enumerou as vantagens do BRT: “Flexibilidade operacional, limites expandidos, facilidade de implantação, evolução tecnológica, custo de investimento e tecnologia 100% nacional”.

 

Seus argumentos no entanto não convenceram os opositores, que denunciaram a ausência de estudos técnicos sobre passivos ambientais, sobretudo a falta de licenças que deveriam ter sido emitidas pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).

 

As consequências ambientais da obra - como a retirada de árvores e cobertura (ou tamponamento) de cursos d’água - foram apontadas como principais fatores de negação ao projeto do BRT por aqueles que são contrários à sua continuidade. 

 

Também foi criticado o custo alto da obra, cujo valor total da linha Lapa/Rodoviária pode chegar ao limite de cerca de R$ 700 milhões. Grande parte desses recursos serão gastos na construção de viadutos e elevados, o que também foi alvo de críticas de grupos que vem realizando seguidos protestos na capital baiana, e de muitos arquitetos e urbanistas.

 

Faltam dados e documentos técnicos

Outro forte questionamento levantado na reunião foi a não apresentação, por parte da prefeitura, de dados e documentos operacionais técnicos que possam embasar o projeto de corredores e linhas do BRT. Na visão da promotora de Justiça Hortênsia Gomes Pinho, faltou apontar com objetividade quais os pontos de conexão e, principalmente, a real demanda para o sistema.

 

Segundo a promotora, o estudo técnico da prefeitura, disponibilizado em 2014, estabelece que, no trecho entre o Dique do Tororó e a Estação da Lapa, passam “apenas” seis mil passageiros fora dos horários de pico. E, ainda de acordo com Hortênsia, para uma demanda de BRT, são necessários de 12 a 30 mil. 

 

“Então, eu gostaria que o senhor explicasse, com dados técnicos, pois se já está executando, é porque têm todas essas respostas”, solicitou ela ao representante da Semob.

 

Já a vereadora Marcelle Moraes (PV) e representantes dos ambientalistas informaram que os estudos para desenvolvimento do projeto foram realizados antes do início do advento do metrô na capital, o que modificou dados referentes à cidade, e não foram considerados para a continuidade do projeto, além dos princípios de mobilidade sustentável.

 

De acordo com Maria Lúcia Araújo Mendes, professora do programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba), outro fator não previsto pelo projeto refere-se à não realização de estudos da mobilidade das pessoas dos bairros que circundam as linhas. 

 

“Origem e destino de fluxos sociais não foram avaliados. Se houvesse um estudo de necessidade real para estas pessoas ainda poder-se-ia aceitar alguns argumentos para a execução deste projeto. Mas diversas lacunas continuam não sendo preenchidas, e várias indagações importantes seguem sem respostas técnicas e coerentes”, avaliou a professora.

 

Para a vereadora do PV, o projeto de BRT, no caso de Salvador, traz consequências ainda piores do que em outras cidades, pois "enquanto o BRT em outras situações diminui a circulação de automóveis, na capital baiana deverá ocorrer o contrário, devido à criação de duas faixas para carros e da construção de elevados e viadutos no trajeto dos corredores", lembrou Moraes.

 

Em outro momento, a obra do BRT com tais estruturas já havia sido questionada pelo professor da pós-graduação de engenharia civil da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e vice-chefe do Departamento de Engenharia de Transportes e Geodésia, Juan Pedro Moreno Delgado, que também denunciou a sua destinação mais ao transporte individual do que ao coletivo.

 

Numa comparação com o projeto de BRT de Curitiba, a primeira cidade a implantar o sistema, ele declarou: "Nosso BRT não tem nada a ver com o de lá, onde o BRT foi feito sem elevados, com semáforos sincronizados, com faixas exclusivas para ônibus". E denunciou também os problemas ambientais gerados: "O projeto em Salvador está impermeabilizando uma região grande da cidade. Temos que ter pavimentos permeáveis, com árvores e jardins". 

 

Impactos ambientais 

O rompimento de continuidade do verde urbano foi outro aspecto destacado pela professora da Ufba na audiência pública. “No caso, uma via de ônibus é uma barreira física”, explicou. Barreira que, segundo ela, deve impactar também a vida animal existente na região. 

 

“Conectividade ecológica versus conectividade de humanos. Este é um ponto importante, visto que a vida selvagem dentro da cidade fica restrita a algumas áreas remanescentes da mata ou do ecossistema que existia anteriormente, refúgio de animais silvestres. São animais que quase não se vê, como as corujas e morcegos, que se alimentam das árvores e plantas”, diz a professora.

 

Outro aspecto, para ela “ainda mais grave” do ponto de vida ecológico, consiste na transformação climática: “Uma área devastada com a passagem de uma via sofre, pois o local passa a sentir os fluxos térmicos: ônibus e carros queimam combustíveis fósseis e aquecem o ar que circula. As vias concentram fluxos térmicos, enérgicos, que têm como subproduto o aquecimento do ar urbano”. 

 

Conforme a especialista, viadutos funcionam como instrumentos para a estocagem de calor. “Ou seja, efeitos térmicos e concentração de poluentes transformam o clima do local”, advertiu. Isso sem contar o aspecto estético, que sairá prejudicado, advertiu Mendes.

 

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