"Caminhar em Florianópolis pode ser uma atividade arriscada"

Conclusão é dos avaliadores da Campanha Calçadas do Brasil, que percorreram trechos da capital catarinense, cidade bela mas com passeios estreitos e mal mantidos

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 25 de julho de 2019

Poste aperta pedestre em calçada da Secretaria d

Poste "aperta" pedestre em calçada da Secretaria da Educação

créditos: Rafael Rodan

Durante duas semanas, os arquitetos urbanistas Rafael Rodan e Jackson Magalhães circularam pela cidade de Florianópolis, continente e ilha, para realizar o levantamento da Campanha Calçadas do Brasil 2019 e checar a qualidade dos caminhos da mobilidade a pé. Na capital conhecida pela beleza natural da paisagem, a constatação pode surpreender.

Na avaliação final, o estado das calçadas na capital catarinense, exceção de trechos de construção recente na área central, foi considerado "ruim". Falta manutenção e nas muitas vias de servidão - uma característica histórica da ocupação da cidade - quando há passeios, eles são estreitos e obrigam o pedestre a sair para a rua, dizem os avaliadores. 

Leia a entrevista de Rafael Rodan, que estuda urbanismo, história e arquitetura da cidade na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ainda se dedica ao ativismo urbano, com atuação em grupos de ciclomobilidade. 

 

Como está Florianópolis quanto à possibilidade de uma pessoa caminhar ou circular em uma cadeira de rodas?

De maneira geral, o estado das calçadas da cidade é ruim, seja pela má conservação do piso, ou porque a largura da faixa livre é insuficiente. Foram poucos os trechos que identificamos durante as avaliações que têm características ideais para o deslocamento confortável das pessoas, ainda mais aquelas em cadeira de rodas ou conduzindo carrinho de bebê, por exemplo. 

Nossa conclusão é que os frequentes buracos e imperfeições no pavimento, mobiliário instalado de forma inapropriada e ausência de piso tátil podem fazer do ato de caminhar pelas calçadas em Florianópolis uma atividade perigosa, especialmente para a população idosa e deficientes visuais. Em alguns pontos do nosso trajeto a largura das calçadas simplesmente não comportava o fluxo de pedestres, e isso obviamente leva as pessoas a desviarem pela rua.

 

Que solução urbanística ajudaria a melhorar a caminhabilidade nessas áreas?

É perceptível que melhorar as condições de caminhabilidade não é uma prioridade por parte do poder público, em todas as esferas. Em vários locais avaliados as condições do passeio não são satisfatórias - falta regularidade do piso, há ausência ou má instalação de piso tátil e locais com muitas obstruções à passagem do pedestre. Seriam necessárias obras de infraestrutura, como alargamento, regularização do piso e instalação placas de orientação para os pedestres, que são escassas ou ausentes em praticamente todos os pontos avaliados, além de sinais sonoros nos semáforos, que também observamos ser uma condição deficitária. 

 

Calçada de acesso ao Hopital Governador Celso Ramos Foto: Jackson Magalhães


Há algum programa de melhoria das calçadas, da sinalização e equipamentos de apoio para a mobilidade a pé?

Em 2018, a prefeitura de Florianópolis publicou uma revisão do manual de calçadas da cidade, o Calçada Certa. Trata-se de um guia de projeto e execução que, além de instruir a população sobre a importância da correta construção e manutenção das calçadas, também revisa as orientações quanto aos itens de acessibilidade. A nova edição faz referência, por exemplo, às alterações de cor e disposição dos pisos táteis, de modo que aprimora a qualidade das recomendações e permite tornar o ambiente urbano mais acessível e seguro. Mas, como disse, só a cartilha não é suficiente; o poder público deve fazer obras de melhoria da infraestrutura.

 

Como foram selecionados os locais a serem avaliados na Campanha?

Para começar, utilizamos o critério de densidade, quer dizer, escolhemos regiões da cidade com maiores índices demográficos. Consideramos também locais com o maior destino de viagens, aqueles que recebiam mais pessoas, principalmente a trabalho. Passamos por exemplo por terminais de transporte público, hospitais e postos de saúde, instituições de educação, áreas de lazer e outros espaços públicos. Tivemos a preocupação de realizar avaliações em todas as regiões da cidade - centro, norte, sul, leste e continente -, para garantir a democratização dos resultados, levando em consideração o número de edifícios públicos situados em cada um desses pontos. Houve o cuidado de selecionar apenas trechos que fossem de responsabilidade de órgãos públicos, para nos mantermos dentro dos critérios desta edição da Campanha.  

 

Calçada na região do Mercado, Centro Histórico de Florianópolis Foto: Rafael Roldan

 

Como avalia a adequação na sua cidade aos critérios adotados para a Campanha?

É essencial considerar o aspecto histórico da ocupação de Florianópolis, que foi baseada em pequenas vilas e colônias de pescadores, e apresenta até hoje inúmeras vias demasiadamente estreitas, com calçadas praticamente ausentes, as chamadas servidões. Associadas à topografia acidentada da ilha, com ruas de inclinação acentuada, a mobilidade do pedestre  fica bastante prejudicada, principalmente se forem áreas de ocupação residencial.

A maioria dos locais avaliados - trechos com edifícios públicos - estavam nas áreas baixas da cidade, áreas de topografia plana e de acesso facilitado pelo transporte público na região central. Mas, ainda que esses locais estejam em centralidades de Florianópolis, com melhor infraestrutura e condições de deslocamento, foi possível observar que suas proximidades estão rodeadas por servidões, com pavimentação irregular e ausência de calçadas.

 

*Rafael Rodan é arquiteto urbanista formado pela Universidade da Amazônia (Unama) e mestrando em urbanismo, história e arquitetura da cidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É ativista urbano, com atuação em grupos de ciclomobilidade em Belém, e atualmente membro do Br Cidades em Santa Catarina. 


**Jackson Magalhães é arquiteto urbanista formado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e mestrando em engenharia de transportes pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui experiência como consultor em elaboração de planos de mobilidade urbana.

 

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