A onda saudável da Tarifa Zero pelo país

Artigo de Roberto Andrés na revista Piauí, que reproduzimos aqui, mostra que a gratuidade no transporte fortalece a economia, reduz emissões e melhora a vida urbana

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Fonte: Revista Piauí/ Mobilize Brasil (edit.)  |  Autor: Roberto Andrés  |  Postado em: 03 de julho de 2025

Tarifa Zero na cidade de Governador Celso Ramos (S

Tarifa Zero na cidade de Governador Celso Ramos (SC)

créditos: Reprodução

O Brasil vive um surto de tarifa zero. No momento em que este artigo é escrito, são 136 cidades no país com transporte público gratuito todos os dias do ano para a população. Nelas, vivem cerca de 8 milhões de pessoas. Além disso, seis capitais, como São Paulo e Brasília, adotam a medida em finais de semana ou feriados. Tudo isso era inimaginável há cinco anos, quando havia no país menos de quarenta cidades com a política, a maior parte de pequeno porte.

 

O crescimento da tarifa zero se dá por dois fatores: contágio e cálculo. O contágio ocorre quando um político ou gestor público conhece a experiência de outra cidade e avalia os resultados, que têm sido bastante positivos. Em geral, o número de passageiros nos ônibus cresce de três a quatro vezes. Com mais gente circulando, a economia se movimenta, e o dinheiro que ia para a passagem vai para comércio e serviços, gerando aumento de vendas e arrecadação dos municípios. Ocorre também a redução de trânsito e congestionamentos, menos gente faltando a consultas do SUS, maior frequência a cursos noturnos etc.

 

O cálculo ocorre quando um político ou gestor público se depara com a demanda de subsídio ao transporte. Desde a pandemia, o número de passageiros caiu muito – e nunca se recuperou. A conta dos sistemas de transporte no Brasil, que fechava a duras penas (com tarifas altas e ofertas precárias), passou a não fechar. Com a queda de receita da tarifa, as concessionárias de ônibus passaram a demandar expressivos subsídios das prefeituras. Nessa hora vem o cálculo: ao invés de financiar grande parte da operação para mantê-la no estado atual, muitos prefeitos perceberam que seria melhor financiar a operação inteira e extinguir a tarifa.

 

Há, ainda, um segundo cálculo nessa operação – o cálculo político. A medida é popular e costuma ser bem avaliada nas cidades em que é implantada. Um estudo do impacto eleitoral da tarifa zero foi apresentado em artigo que assinei com os pesquisadores Daniel Santini e Letícia Birchal Domingues. Em resumo, a boa avaliação da política parece ter tido efeito no último pleito. Os gestores municipais que implementaram tarifa zero e tentaram reeleição em 2024 tiveram 89,1% de taxa de vitória, contra 81,25% da média nacional.

 

Crescimento da Tarifa Zero

Alguns casos são emblemáticos. Em Luziania, cidade de cerca de 200 mil habitantes em Goiás, o prefeito Diego Sorgatto (União) implementou tarifa zero em 2023. No ano seguinte, foi reeleito com mais de 75% dos votos, a maior votação da história da cidade. Perguntado sobre a razão do recorde eleitoral, o mandatário disse ser devido às políticas que implementou, “em especial a gratuidade dos ônibus”. 

 

O crescimento da tarifa zero, no entanto, se dá à despeito do quadro institucional, que é desfavorável à medida e desincentiva a redução da tarifa. Um dos principais pilares de financiamento do transporte público no país é a contribuição dos empregados e empregadores, com o Vale Transporte. Mas a Lei do Vale Transporte vincula a contribuição ao valor da tarifa, o que gera um contrassenso – quanto mais as prefeituras cumprirem a Lei Nacional de Mobilidade Urbana (e praticarem uma tarifa módica) menos seus sistemas de transporte arrecadam.

 

Quando a tarifa é zerada, a lei brasileira faz com que o valor do Vale Transporte seja também zerado. Ou seja, as empresas deixam de contribuir, embora se beneficiem dos impactos positivos da política. É evidente que o desenho de financiamento atual representa um obstáculo para a implementação da tarifa zero, já que retira a contribuição empresarial e faz com que as prefeituras tenham que arcar com todo o custo. Ainda assim, a cada uma ou duas semanas desponta uma nova cidade com tarifa zero no país.

 

O Brasil está hoje na vanguarda de uma tendência global. Temos o maior número de cidades com gratuidade do transporte no mundo, seguido de Estados Unidos, Polônia e França, segundo levantamento do professor Wojciech Keblowski, da Universidade Livre de Bruxelas. A maior cidade no mundo com a política é Belgrado, capital da Sérvia, com 1,2 milhão de habitantes. Nas prévias do Partido Democrata para a prefeitura de Nova York, o candidato vencedor, Zohran Mamdani, apresentou como uma de suas principais propostas a tarifa zero no transporte. Se a medida for implementada, será a primeira vez que chegará a uma megalópole.

 

Artigo originalmente publicado na revista Piauí com o título: "Como Avança a Tarifa Zero". Na sequência, Andrés cita casos de cidades que adotaram a Tarifa Zero com impactos positivos, trata de estudo que vincula a gratuidade no transporte a bons resultados na economia e no meio ambiente, e apresenta iniciativas em curso que buscam ampliar sua abrangência no país e reduzir os entraves que ainda cerceiam sua aplicação.

Leia o texto completo na revista Piauí. 

 

*Roberto Andrés é urbanista e professor da UFMG, diretor da Rede Nossas Cidades e autor do livro "A razão dos centavos" (Zahar). 

 

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