O asfalto é mesmo a melhor solução?

É possível reverter o processo de asfaltização do mundo? A cidade de Portland começa a apontar caminhos nesse sentido

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Fonte: Cidades para Pessoas  |  Autor: Natália Garcia  |  Postado em: 28 de novembro de 2012

Está na hora de considerar as condições naturais d

Está na hora de considerar as condições naturais da cidade

créditos: Divulgação

 

Até agora eu percorri 11 destinos com o projeto Cidades para Pessoas: Copenhague, Amsterdam, Londres, Paris, Friburgo, Estrasburgo, Lyon, São Francisco, Portland, Cidade do México e Nova Iorque. Em todas elas, sem excessão, eu encontrei ruas asfaltadas. O mais curioso é que eu escrevo isso e você, lendo, nem se espanta. Mas daí eu te pergunto: por que é que todas essas cidades, com histórias, culturas, climas, topografias e cursos d’água tão distintos deveriam ser pavimentadas da mesma maneira?

 

A melhor resposta que encontrei para essa pergunta está no livro Cradle to Cradle: por causa da Revolução Industrial. Antes dessa revolução, os produtos manufaturados eram produzidos em processos artesanais e demoravam muito mais para ficar prontos. Com a invenção das máquinas, foi possível, em vez de produzir uma blusa por semana, produzir uma por hora. A princípio, é uma coisa ótima: a produtividade aumenta, os lucros também, e mais gente pode comprar blusas por preços mais acessíveis. Só que com a mecanização de processos para produzir bens de consumo, a revolução industrial inventou também odesign universal: para aumentar as possibilidades de comercialização de um produto, ele precisa servir para o maior número possível de situações. E, para que isso ocorra, ele é projetado para funcionar na pior situação possível – assim ele vai servir em todas as outras. Um exemplo citado no livro é o detergente. Ele é desenvolvido com substâncias químicas pesadas para que possa limpar o pior tipo de sujeira possível, em uma pia com o pior tipo de água possível. Pouco importa se você vai lavar louça no Haiti, no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos. Pouco importa se a água da sua pia vai um sistema de tratamento de esgoto, um rio cheio de peixes ou um sistema de esgoto filtrado por plantas. Para poder ser vendido no maior número de mercados possível, o detergente precisa funcionar no pior cenário possível.

 

É desse tipo de mentalidade, que procura criar produtos universalmente vendáveis e considera a natureza como uma inimiga, que o asfalto foi a resposta para como seria a pavimentação das cidades. Há relatos de uso de asfalto desde os primeiros séculos da era cristã na Babilônia, cidade-estado da antiga Mesopotâmia. Naquela época, esse revestimento não era extraído do petróleo, mas do piche de lagos pastosos. Ao longo da história, o asfalto foi sendo aprimorado e usado como impermeabilizante em algumas construções e como material que, junto com pedras, terra e cascalho, pavimentava estradas para cavalos e pessoas. Só que, com o advento do carro, e sua posterior fabricação em larga escala, era necessário criar, também em larga escala, um asfalto que possuísse essa característica impermeabilizante, mas removesse qualquer vestígio de natureza, como terra e lama, para que o veículo desenvolvesse velocidade. Criado para funcionar no pior cenário possível, o asfalto extraído da queima do petróleo que pavimenta as cidades hoje foi a solução para a mobilidade aplicada nos mais diversos cenários do mundo: montanhosos, planos, com enorme quantidade de rios, com invernos mais rigorosos que chegam a -50 graus ou com climas tropicais que alcançam marcas de 45 graus.

 

Só que o asfalto impermeabiliza o chão. E, em cidades onde chove muito ou onde há muitos rios, os cursos d’água são radicalmente abalados por essa impermeabilização. Em vez de infiltrar no solo e chegar mais purificada aos rios, a água cai por cima do asfalto e arrasta consigo poluentes deixados pelos carros na rua até os rios. O clima tropical, úmido e com altas temperaturas, também não é ideal para a manutenção desse tipo de material. Isso sem contar a sensação desagradável de experienciar um dia de sol intenso caminhando ou pedalando em uma superfície de asfalto.

 

Mas é possível reverter esse processo de asfaltização do mundo? A cidade de Portland começa a apontar caminhos nesse sentido.

 

Nos guias turísticos de Portland, há uma sessão dedicada só a “programas para fazer em dias chuvosos”. Logo descobrimos por que: na capital do estado de Oregon, a estação chuvosa vai de outubro a junho do mês seguinte. Toda essa água, olhada pela lógica da revolução industrial e do design universal é uma “inimiga” da cidade. Mas essas são as condições naturais de Portland. Por que, então, impermeabilizá-la com uma superfície de asfalto?

 

Em 2008, a prefeitura de Portland iniciou o programa “Grey to Green” (do cinza ao verde). A ideia é começar a adaptar a infra estrutura cinza da cidade, como as ruas asfaltadas, a opções mais verdes. Para isso, a prefeitura combinou as seguintes ações: comprar terras ocupadas por parques para garantir sua preservação, criar um programa com vantagens fiscais para construções com telhado verde, construir uma rede de ruas verdes com sarjetas e calçadas permeáveis e plantar árvores em áreas estratégicas da cidade. Sim, ainda há muitas ruas asfaltadas na cidade. Mas um projeto piloto começa a mostrar alternativas de infraestrutura que, combinadas a transportes sobre trilhos e ciclovias, podem apontar um novo caminho de pavimentação das cidades.

 

 

No Brasil, o Instituto de Pesquisa em Infraestrutura Verde e Ecologia Urbana (Inverde) também faz projetos interessantíssimos e produz pesquisas que apontam novas alternativas para a pavimentação da cidade.

 

O asfalto pode ser um tipo de material incrível por suas propriedades impermeabilizantes. Mas, aplicado como solução universal, é uma estupidez. Está na hora de considerar as condições naturais da cidade para fazer projetos locais, pilotos, experimentais e descobrir soluções que se adaptem a cada realidade.

 

Este artigo foi escrito pela jornalista Natália Garcia no Blog Cidades para Pessoas

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