Porto Alegre e Região Metropolitana: planejamento ou caos

Essas evidências sugerem uma redução da desvantagem da população não branca em sua inserção no mercado de trabalho do Município, no período em análise

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 |  Autor: Vermelho Ricardo Brinco  |  Postado em: 10 de novembro de 2011

Porto Alegre

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créditos: Divulgação

As mudanças sociais e econômicas que ocorrem em Porto Alegre não são isoladas do que ocorre no seu entorno; ao contrário, são processos ou movimentos que se articulam no âmbito tanto intraurbano — em Porto Alegre — quanto intrarregional — na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA).

Esse complexo urbano, industrial e de serviços vem sofrendo transformações na sua composição econômica, demográfica e territorial, tanto em decorrência de suas necessidades intrínsecas quanto por conta dos efeitos da reestruturação produtiva. Do ponto de vista econômico, deve--se destacar a emergência dos investimentos pesados realizados no ramo petroquímico, no campo automotivo, na ampliação do refino e na produção dos derivados do petróleo, além da expansão significativa de outros segmentos da indústria, por exemplo: a metal-mecânica, a de bebidas e a de fumo. Todavia, nem todas as transformações foram pela via da expansão: registre-se o encolhimento inexorável da renda e do emprego na cadeia de couro e calçados. Do ponto de vista demográfico, repetiu-se a tendência de baixo crescimento no Estado (4,98%), entre 2000 e 2010, enquanto a RMPA aumentou 6,47% no mesmo período, uma taxa elevada para os padrões atuais. Mais relevante, ainda, é observar como se distribuíram esses 6,47% no território metropolitano. Enquanto Porto Alegre crescia apenas 3,63%, confirmando a tendência das últimas décadas, outros centros da aglomeração metropolitana registraram taxas bem mais elevadas, como São Leopoldo (10,68%), Cachoeirinha (9,98%) e Gravataí (9,94%).


Com tantas mudanças estruturais na produção, no emprego e na demografia metropolitana, seriam inevitáveis, também, modificações no padrão de ocupação territorial intrametropolitano. Nesse sentido, verificou-se uma perda relativa da primazia industrial exercida por Porto Alegre no contexto do Estado, na medida em que os blocos de investimentos industriais mais pesados realizaram, nas últimas décadas, suas localizações nos centros industriais emergentes na RMPA (Canoas, Triunfo, Gravataí, Esteio e Cachoeirinha). O mesmo destino tiveram algumas plantas industriais oriundas de Porto Alegre, que, ao planejarem a expansão das suas escalas, acabaram mudando de endereço. Isso representou uma queda relativa na participação da Capital no produto industrial do RS, de 10,54% em 1999 para 8,82% em 2008, tendência verificada desde os anos 70. A mesma tendência foi observada no caso do setor serviços de Porto Alegre, cuja oferta, no contexto do Estado, recuou relativamente, de 27,46% em 1999 para 24,00% em 2008. Isso não significa que a Capital esteja perdendo hegemonia no contexto estadual ou metropolitano.


Trata-se, simplesmente, das transformações naturais das formações metropolitanas sob o capitalismo. Na verdade, Porto Alegre continuará desenvolvendo um parque industrial organizado basicamente por plantas que demandem pouco espaço, que possam, eventualmente, ser verticalizadas, que movimentem pouco volume de matérias-primas e produtos e que utilizem mais trabalho inteligente. A queda relativa verificada nos serviços insere-se no mesmo movimento da indústria. A expansão dos serviços a taxas maiores fora da Capital deve-se ao fato de que algumas atividades terciárias, em geral as mais simples, tendem a acompanhar os capitais industriais e as populações em suas mudanças de endereço. A causa principal são os crescentes custos urbanos verificados na sede metropolitana. Nesse caso, Porto Alegre consolida a sua posição no topo da hierarquia urbana, baseada muito mais no conjunto de serviços organizados em bases tipicamente capitalistas, isto é, em atividades que operam com alta tecnologia, trabalho mais qualificado, como é o caso dos intermediários financeiros, das consultorias de apoio ao setor produtivo, da informática, das comunicações, do grande comércio varejista e da hotelaria, entre outros.


Do ponto de vista metropolitano, isso tudo aconteceu da forma mais espontânea possível, dado que, nos últimos 30 anos, praticamente não houve planejamento metropolitano no Rio Grande do Sul. O pouco que havia sido acumulado nesse campo pelo Grupo Executivo da Região Metropolitana (GERM), que originou a Metroplan, foi abandonado. Durante todo esse tempo, o único regramento em vigor foram os Planos Diretores das principais cidades da RMPA, os Comitês de Bacias e os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), além da Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (Granpal), instituições importantes, mas insuficientes para dar conta da complexa globalidade da RMPA.


Crescimentos econômico e demográfico a taxas elevadas, concentrados geograficamente e sem planejamento, geram o cenário caótico em que vivemos hoje na RMPA. Custos urbanos crescentes e queda na qualidade de vida são duas das consequências dessa combinação perversa. Pior ainda é imaginar que, com intervenções tópicas e setoriais, poderão ser alcançados resultados compensadores. As questões que envolvem a RMPA vão muito além dos problemas de circulação e transportes. O planejamento não é uma panaceia, mas poderá ajudar a encaminhar melhor as políticas públicas nessa região do Estado.


A participação de Porto Alegre na economia do RS


Há pelo menos 150 anos, com o fim do apogeu das atividades econômicas ligadas ao charque no sul do Estado, o Município de Porto Alegre passou a protagonizar a produção econômica no Rio Grande do Sul. Paulatinamente, a Capital passou a concentrar as atividades que mais geram renda e que mais empregam mão de obra qualificada dentro do Estado. Do PIB total de R$ 199,5 bilhões do RS em 2008, R$ 36,8 bilhões (18,4%) advieram exclusivamente de Porto Alegre. Pela sua abrangência e relevância, a região e seu entorno caracterizam-se, atualmente, como um importante centro econômico da Região Sul do Brasil.


Apesar da alta representatividade em termos produtivos, os dados do PIB dos Municípios gaúchos, trabalho realizado anualmente pela FEE em conjunto com o IBGE, apontam uma perda sistemática de participação da economia porto-alegrense no total do Estado. Em outras palavras, apesar de permanecer sendo o município de maior PIB no RS, a sua participação em relação à produção total de bens e serviços vem caindo ano após ano. Entre 1999 e 2008, a média do crescimento nominal foi de 9,0% em Porto Alegre, inferior aos 10,4% registrados pelo RS. Com isso, a participação do Município no total da economia do RS caiu de 21,1% em 1999 para 18,4% em 2008 (gráfico).


Diante desse cenário, a questão central é: quais são os motivos que levam Porto Alegre a perder participação econômica dentro do Estado? A resposta reside em alguns fatores importantes. O primeiro deles advém da sua própria estrutura econômica: Porto Alegre caracteriza-se por ter uma economia baseada amplamente em serviços (86,1%), ao passo que a indústria (14,7%) e, especialmente, a agropecuária (0,1%) são menos representativas na sua produção. Como o desempenho nominal médio dos últimos 10 anos foi maior na agropecuária (12,1%) do que na indústria (10,0%) e nos serviços (10,0%), os municípios cuja economia depende majoritariamente dos dois últimos setores reduziram sua participação, em média.


No que se refere à importância do Setor Terciário em Porto Alegre, destacam-se as atividades ligadas ao comércio, à intermediação financeira e à administração pública, que, juntas, correspondem a, aproximadamente, 56,4% dos serviços totais do Município. Já em relação ao total do Estado, as atividades de serviços que estão mais concentradas em Porto Alegre são saúde mercantil (46,9%), intermediação financeira (45,4%) e serviços de informação (34,5%). Do outro lado, administração pública (15,4%), demais serviços (17,0%) e atividades imobiliárias e aluguéis (18,6%) são as atividades mais desconcentradas.


Além das questões específicas à estrutura produtiva de Porto Alegre, pode-se atribuir sua desconcentração econômica ao surgimento de novos polos de crescimento, que vão além do eixo existente entre a Região Metropolitana de Porto Alegre e a Serra gaúcha. Mais recentemente, destacam-se os investimentos no polo naval de Rio Grande e o ressurgimento da Região Sul do RS no cenário do desenvolvimento econômico do Estado, o que contribui efetivamente para uma maior pulverização da riqueza gerada no RS.


Por fim, um terceiro ponto sobre a questão da concentração é que ela não é específica do RS, mas um fenômeno generalizado e recorrente em outras unidades da Federação. Em 1999, os seis municípios de maior PIB no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte e Manaus) contribuíram com 29,4% da produção total nacional. Em 2008, esses mesmos seis maiores municípios reduziram sua participação para 24,8% do PIB.


Em suma, o fenômeno da perda de participação econômica não é exclusividade de Porto Alegre, mas, sim, comum a outros importantes centros urbanos e econômicos do País.


Aspectos da pobreza e da desigualdade em Porto Alegre

Nos estudos sobre a pobreza, assume-se que ela seja um fenômeno com múltiplas dimensões, abrangendo a carência tanto em aspectos materiais como não materiais. Nesse sentido, não só questões econômicas, mas também elementos sociais, políticos, culturais, históricos, geográficos e ambientais podem ser apontados para a caracterização das situações de pobreza e de desigualdade em uma sociedade específica.

Ao se tomar a privação tendo como referência o modo de vida e os padrões de consumo de uma determinada sociedade, pode-se observar a pobreza em termos relativos, pois ela se dá em contraponto a um padrão social médio, que não é acompanhado por alguns segmentos da população. Por outro lado, tem-se a pobreza em termos absolutos, ou seja, aquela que ocorre quando inexistem os mínimos requisitos para uma vida humana digna, como acesso suficiente à água potável e a alimentos saudáveis, bem como à moradia em condições de salubridade, acarretando problemas graves, como fome endêmica, desnutrição crônica, epidemias, doenças mentais e psicológicas, baixa expectativa de vida e maior vulnerabilidade a catástrofes e a efeitos das mudanças climáticas.

Pensando nas políticas públicas para enfrentar o quadro da pobreza, mostra-se importante ter em conta essas duas noções e as formas de dimensionamento da população atingida que delas decorrem.

Assim sendo, para poder medir as faixas populacionais compreendidas nos segmentos de pobreza e de pobreza extrema, miséria ou indigência social, utilizam-se, com frequência, as linhas de pobreza. Essas, em geral, são construídas tendo como fundamentação as condições mínimas de vida, porém levando em conta as características de cada região ou país onde se levantam os dados, como hábitos de consumo prevalecentes, disponibilidade e acessibilidade aos alimentos e seus preços relativos. Em uma segunda etapa, pode-se agregar uma estimativa dos recursos que permitam satisfazer necessidades básicas não alimentares. De qualquer maneira, torna-se necessária, nessa metodologia, a fixação arbitrária de valores de renda para a definição das linhas de pobreza.

No caso brasileiro, o Governo Federal adotou, recentemente, linhas de pobreza extrema e de pobreza, considerando, respectivamente, a população sem rendimento e com rendimento mensal domiciliar per capita de R$ 1,00 a R$ 70,00 (pobreza extrema) e a população com rendimento mensal domiciliar per capita na faixa de R$ 71,00 a R$ 140,00 (pobreza).

No Rio Grande do Sul, a maior concentração absoluta dessa população ocorre na Região Metropolitana de Porto Alegre, com aproximadamente 124 mil pessoas na pobreza extrema de 189 mil na pobreza, correspondendo a quase um terço dos gaúchos nessas faixas de renda agregadas, e com uma composição majoritariamente urbana (96%). Já na Capital gaúcha, que tem população 100% urbana, existem cerca de 43 mil pessoas extremamente pobres (11% das pessoas nessa situação no Estado), e 55 mil pobres (9% do cômputo dessa faixa no RS).

Podem ser elencados alguns aspectos sobre as condições de vida e as características da população abrangida nessas faixas em Porto Alegre. No que toca à situação de moradia e de infraestrutura, uma das questões que mais chama atenção é a média de moradores por domicílio. Enquanto a média geral de ocupação no Estado é de três moradores por domicílio, no caso dos porto-alegrenses pobres e extremamente pobres, mais de 30% habitam domicílios com seis ou mais moradores. Por sua vez, no quesito de existência de rede geral de distribuição para abastecimento de água, 2% dos domicílios não contam com esse tipo de serviço, 5% não possuem banheiro de uso exclusivo do domicílio, e, dos domicílios que têm banheiro, 15% não apresentam rede geral de esgoto ou pluvial, ou mesmo fossa séptica.

Quanto à composição etária, evidencia-se que, entre a população pobre e extremamente pobre na Capital gaúcha, a proporção de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) é de apenas 6,5%, enquanto a média de idosos na população gaúcha como um todo é de 13,6%. Por outro lado, a participação de crianças de até cinco anos nesse conjunto da população de Porto Alegre chega a quase 14%. O analfabetismo também é um fator preocupante em Porto Alegre. No grupo de pessoas de cinco anos ou mais na pobreza e na extrema pobreza, há um percentual de analfabetos da ordem de 10,9%, sendo que a média gaúcha como um todo para esse indicador é de 4,5%.

De todos os dados, contudo, o que mais se destaca é o que se refere às pessoas responsáveis pelos domicílios, ou seja, os chefes de família. No caso de Porto Alegre, ao se verificar a proporção por sexo, constata-se que a participação das mulheres na condução das famílias atinge quase 50% do total. Entre os pobres e extremamente pobres, porém, esses percentuais são ainda mais altos. Desse modo, nas famílias sem rendimento, 56,2% dos responsáveis são mulheres; entre as famílias com rendimento mensal per capita de R$ 1,00 a R$ 70,00, a participação feminina chega a 72,5%; e, nas famílias com rendimento mensal per capita de R$ 71,00 a R$ 140,00, a proporção é de 61,8%. Nesse contingente de mulheres chefes de família, entre as mais pobres, há uma concentração relativa na faixa de 20 a 24 anos.

Pode-se concluir, dessa forma, que a pobreza e a extrema pobreza em Porto Alegre mostram uma face evidentemente urbana, mas também de predominância de famílias chefiadas por mulheres jovens, com crianças pequenas.

O processo populacional e de ocupação do território nas Regiões do Orçamento - Participativo de Porto Alegre 2000-10

De acordo com o Censo Demográfico 2010, a população total do RS supera os 10,6 milhões de habitantes, o que corresponde a 5,61% do total brasileiro, mantendo a quinta posição, que ocupava no ranking nacional em 2000. Entre 2000 e 2010, a população gaúcha aumentou 5%, o equivalente a 506 mil habitantes, registrando-se uma taxa geométrica de crescimento de 0,49% a.a. contra 1,21% no período censitário anterior. Em 2010, Porto Alegre tinha uma população de 1,4 milhão de habitantes, 3,58% a mais do que em 2000 (o equivalente a 48,7 mil pessoas). Tal como o Estado, a Capital também sofreu uma redução significativa na sua taxa de crescimento: entre 2000 e 2010, foi de 0,35% a.a. e, no período anterior, entre 1991 e 2000, foi de 0,92% a.a. Se, em termos populacionais, a situação de Porto Alegre pouco se alterou em relação à do RS na última década, o mesmo não pode ser dito quando se volta o olhar para os processos intraurbanos que ocorreram na Capital.

Levando-se em conta as 17 Regiões do Orçamento Participativo (ROP), conforme consideradas pelo poder público para fins de planejamento socioterritorial, verifica-se que a população se distribui de forma desigual no território. A ROP Centro é a que reúne o maior percentual de população, seguida pela Noroeste. O menor percentual encontra-se na Cristal (1,95%), sem considerar a região das Ilhas, que tem o status peculiar de unidade de conservação de proteção integral. Na verdade, mais de 53% da população está distribuída em apenas cinco regiões, que perfazem 21% do território, um padrão de distribuição que pouco se alterou na comparação com o de 2000.

Em algumas ROPs, o aumento relativo da população foi expressivamente elevado em comparação à média da cidade: 25,93% na ROP Nordeste, 22,51% na Sul, em torno de 17% na Extremo Sul e na Lomba do Pinheiro, e mais de 10% na Restinga. Já nas regiões mais populosas ou mais densas, que formam áreas já consolidadas (Centro e Norte), essa variação ficou muito próxima à média. Outras áreas, no entanto, algumas também muito densas, apresentam nítidos sinais de estagnação, com redução populacional, como na Cristal, Cruzeiro, Glória, Leste e Partenon (Mapa 1). De modo geral, pode-se dizer que o crescimento da população em Porto Alegre, na década considerada, ocorreu de maneira regionalmente muito diferenciada, com tendência de espraiamento em direção ao que se pode denominar de periferia da cidade.

Em termos do perfil populacional, algumas características de Porto Alegre merecem destaque. A população mantém-se predominantemente feminina em 2010: em apenas uma ROP, a razão de sexo é superior a um. O percentual de população infantil de zero a seis anos de idade, que era de 10,7% em 2000, diminuiu para 7,89% em 2010. Essa redução, em proporções bem mais elevadas do que a média, ocorreu em todas as ROPs, sendo que, na Cristal, a perda foi a mais elevada (-36,39%).

Contudo a população de 60 anos e mais aumentou de forma generalizada na cidade. Em 2000, esse contingente era, em média, de 11,78%; em 2010, passou para 15,01%. O aumento foi mais intenso na ROP Nordeste (79,19%). Via de regra, observa-se que, de um lado, é nas regiões em que há grandes concentrações de vilas populares onde existem mais crianças do que idosos, e, de outro, mesmo nessas, que o aumento de idosos na década foi significativo.

Em termos gerais, portanto, tem-se o seguinte quadro em Porto Alegre: há uma distribuição concentrada da população no território, ela é predominantemente feminina, e está em curso um processo de envelhecimento por efeitos da baixa fecundidade e da consequente redução de crianças na faixa etária mais baixa. Esses são aspectos e dimensões mais sujeitos à intervenção das políticas públicas.

Estabelecendo-se uma relação entre a dinâmica populacional e a territorial, os dados do Censo apontam um movimento díspar: ao mesmo tempo em que a população cresceu de modo muito desigual entre as ROPs no período 2000-10, com grande aumento em algumas e perda em outras, os domicílios aumentaram em proporções bem mais elevadas e em todas as regiões. No entanto, quando se tomam os dados de domicílios e se faz a comparação com os populacionais, alguns fenômenos interessantes são observados. Em primeiro lugar, o padrão de distribuição das unidades domiciliares na Capital segue o mesmo padrão de distribuição da população, porém em maiores proporções. Em 2010, quase um quarto dos domicílios estava localizado na ROP Centro, a área com menor densidade de moradores por domicílio: 2,2 contra 2,8 na cidade, uma situação que não difere muito da encontrada em 2000.

O número de domicílios na cidade aumentou quase 68 mil unidades na década (variação de 41%). Esse incremento, contrariamente ao que ocorreu com a população, deu-se generalizadamente pela cidade, embora de forma desigual, afetando todas as regiões. Isso, de alguma maneira, mostra que o mercado imobiliário se manteve ativo na década, mas com maior intensidade em algumas áreas, onde a variação relativa de domicílios superou o dobro da média da cidade (na Sul e na Nordeste). Na Lomba do Pinheiro, na Extremo Sul e na Restinga, o aumento relativo de unidades domiciliares também não foi nada desprezível, superando os 20%. Cristal, Cruzeiro, Glória, Leste e Partenon foram as únicas regiões onde o aumento de domicílios foi inferior a 10% (Mapa 2), ou seja, são justamente aquelas que, do ponto de vista do incremento populacional, apresentaram sinais de estagnação.

A partir da análise acima, algumas questões merecem ser pontuadas. A perda significativa de população em algumas regiões pode estar ocorrendo por conta de uma série de razões, que vão do deslocamento interno voluntário à intervenção do poder público em ações de reassentamentos de população de vilas irregulares. A intervenção do poder público pode ser a explicação, por exemplo, de as ROPs Glória, Cruzeiro, Cristal e Partenon terem tido um incremento populacional negativo e/ou baixo e, ao mesmo tempo, um aumento relativo do número de unidades domiciliares? Essa pode ser uma hipótese.

Mas há situações em que a expansão do mercado imobiliário, em áreas tradicionalmente consideradas de periferia, como a Sul e a Extremo Sul, parece ser evidente. Nesses casos, tanto a população quanto os domicílios aumentaram em proporções muito elevadas. Essas são regiões onde houve forte atuação do mercado na construção de condomínios fechados. Ao que tudo indica, portanto, está-se consolidando um novo desenho no processo de urbanização da cidade em direção à chamada “Zona Sul”, que, até a década passada, ainda se conformava dentro de um padrão com características rurais.

Desconcentração do emprego formal perde fôlego na década

Na última década, o mercado de trabalho recobrou, no País, um dinamismo por longo tempo perdido. No Rio Grande do Sul, o número de postos formais de trabalho cresceu 41,5%. Na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), esse impulso foi mais brando, e a expansão situou-se em 35,4%. Com isso, a participação da RMPA no mercado formal do Estado decresceu de 48,7% em 2001 para 46,6% em 2010. Em 1985, esse percentual chegava a 55,8% — dado que não é diretamente comparável, já que a delimitação da RMPA era, então, mais restrita, mas que evidencia a tendência à desconcentração do emprego, movimento que, na última década, não deu sinais de reversão, mas atenuou-se.

Quando se trata do comportamento do emprego em Porto Alegre, em relação ao conjunto da RMPA, os movimentos observados são semelhantes: de uma participação de 63,1% em 1985, o Município viu sua parcela descender para 58,1% em 2001 e, ao longo da última década, recuar para 55,6%. Ainda assim, o emprego formal na Capital teve crescimento de 29,5% no decênio. O setor com a maior variação percentual foi a construção civil (65,7%), seguindo-se o comércio (51,5%), os serviços (42,4%) e a indústria de transformação (30,5%). Em números absolutos, cerca de 165 mil postos de trabalho foram criados na Capital, dos quais mais da metade se concentrou em serviços, que incorporou 92,3 mil trabalhadores. O comércio, com uma expansão de quase 40 mil postos, ficou em segundo lugar.

No cotejo com a RMPA, a década marcou perdas de participação do emprego da Capital em todos os setores de atividade, com a única exceção da indústria de transformação. Na construção civil, a participação de Porto Alegre variou pouco (de 56,3% para 56,0%). No comércio, a parcela de Porto Alegre caiu quase cinco pontos percentuais, de 55,9% em 2001 para 51,2% em 2010. Também nos setores em que a Capital ostenta patamares mais elevados de concentração do emprego metropolitano, houve retração relativa: na administração pública, a parcela de Porto Alegre recuou de 82,5% para 79,2%; em serviços, de 67,4% para 65,5%.

A indústria de transformação da Capital, por sua vez, tendo gerado aproximadamente 12 mil postos, viu sua participação aumentar moderadamente. O ganho de um ponto percentual não teve o poder de contra-arrestar as retrações relativas anteriores. Em 1985, Porto Alegre sediava 22,8% do emprego industrial da RMPA; em 1990, essa parcela havia-se elevado para 25,8%, sofrendo, a partir de então, um descenso, que a situou em 18,5% no início da década passada. Desse momento em diante, as oscilações foram suaves, chegando-se, em 2010, a 19,5%. De qualquer modo, há que se ter presente que a indústria de transformação respondia, no último ano, por apenas 7,1% do emprego porto-alegrense.

Tomando-se os 12 subsetores industriais, Porto Alegre teve evolução positiva do emprego em nove deles, na última década. As maiores expansões absolutas foram verificadas em produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (4.213 postos adicionais), material de transporte (3.394) e material elétrico e comunicações (1.848). Os ganhos relativos mais notáveis, considerados os subsetores com maior peso na estrutura do emprego municipal, ocorreram na indústria de produtos alimentícios (51,3%) e na mecânica (39,0%). Química e produtos farmacêuticos, veterinários e perfumaria, mesmo tendo crescido menos do que o agregado setorial, obteve expansão apreciável de 22,2%; papel, papelão, editorial e gráfica, por sua vez, limitou-se a 8,2%.

A Capital ostentou avanço relativo no emprego industrial metropolitano em quatro dos subsetores nos quais possui maiores estoques de trabalhadores, a saber, material de transporte, produtos alimentícios, material elétrico e química. Menção à parte merece o segmento de papel e papelão, editorial e gráfica. Embora a geração de empregos tenha sido modesta, e sua participação no conjunto da Região não tenha crescido na última década, esse subsetor possuía, em 2010, a segunda maior força de trabalho industrial da Capital (14,1%). Em 1985, Porto Alegre detinha 32,5% do subsetor na RMPA; já em 2001, esse percentual havia saltado para 50%, mantendo-se em 49,0% em 2010.

Os dados reafirmam o bom desempenho do emprego nos diferentes recortes territoriais enfocados ao longo da última década. Por outro lado, matizam a percepção de um movimento de desconcentração. No mercado formal de trabalho, ainda ocorreram perdas de participação tanto da RMPA no conjunto do Estado quanto da Capital no contexto metropolitano, mas diminuiu a intensidade dessas alterações relativas. No caso da indústria de transformação, setor de especial relevância analítica, percebe-se uma estabilidade da Capital no conjunto da Região, bem como uma retração menos acentuada da RMPA no total do Estado.

Desemprego em Porto Alegre, na primeira década do século XXI

A trajetória da taxa de desemprego total em Porto Alegre, na primeira década do século XXI, de acordo com os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), foi de declínio em 2001, quando se situou em 13,9%, e de elevação no período 2002-05, tendo, logo após, ingressado em um processo de redução, atingindo 7,7% em 2010. Para a queda da incidência do desemprego, concorreu a melhor performance da economia brasileira em termos de taxas de crescimento do produto, no período de 2004 ao terceiro trimestre de 2008, assim como em 2010.

Constata-se que tanto a taxa de desemprego aberto quanto a taxa de desemprego oculto evidenciaram retração em Porte Alegre, na comparação de 2001 com 2010. Todavia o ritmo de queda do componente oculto foi mais acelerado, o que fez com que ocorresse uma grande mudança na composição do estoque de desempregados, no sentido de que se reduziu a parcela relativa de trabalhadores em desemprego oculto, em comparação à daqueles em desemprego aberto. A interpretação proposta dessa mudança está associada ao ritmo de criação de oportunidades ocupacionais no Município, principalmente de empregos com carteira de trabalho assinada, o que favoreceu uma melhor estruturação do mercado de trabalho.

Em tal ambiente, é provável que maior proporção de desempregados reúna as condições de acesso ao Seguro-Desemprego, podendo passar a conviver, pelo menos durante certo tempo, com a situação de desemprego aberto. A isso, adicione- se que melhores perspectivas ocupacionais exercem efeitos positivos sobre os indivíduos em atividades precárias ou em desemprego oculto pelo desalento, contribuindo para afastá-los dessas situações no mercado de trabalho.

Conceitos de desemprego da Pesquisa de Emprego e Desemprego

Desemprego aberto - pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos últimos sete dias.

Desemprego oculto pelo trabalho precário - compreende as pessoas que procuraram efetivamente trabalho nos 30 dias anteriores ao dia da Pesquisa, ou nos últimos 12 meses, e que realizam, de forma irregular, algum trabalho remunerado, realizam algum trabalho não remunerado de ajuda em negócios de parentes, ou realizam algum trabalho recebendo exclusivamente em espécie ou benefício.

Desemprego oculto pelo desalento - pessoas sem trabalho e que não o procuraram nos últimos 30 dias por desestímulo do mercado de trabalho, ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva nos últimos 12 meses.

De acordo com o recorte por sexo, a trajetória do desemprego em Porto Alegre foi mais favorável às mulheres, com uma queda mais acelerada da sua incidência, o que contribuiu para a redução da parcela relativa de mulheres no estoque total de desempregados, na comparação de 2001 com 2010.

Conforme a idade, o ritmo de retração da incidência do desemprego foi mais intenso para os trabalhadores maduros de 40 anos e mais; os adultos de 25 a 39 anos foram os que evidenciaram menor ritmo de redução na taxa de desemprego, o que é o principal fator explicativo para o aumento da sua proporção no estoque total de desempregados; quanto aos jovens de 16 a 24 anos, estes apresentaram ritmo de queda na incidência do desemprego inferior à média do mercado de trabalho; nesse caso, a diminuição da sua parcela relativa no estoque total de desempregados está associada a fatores que operaram pelo lado da oferta de trabalho, como o seu peso na População em Idade Ativa (PIA) do Município — que corresponde aos indivíduos com 10 anos e mais —, que se contraiu no período.

Por raça/cor, a evolução do desemprego foi mais satisfatória para a população não branca, devido ao ritmo mais acelerado de retração da taxa de desemprego nesse grupo, assim como pela diminuição do seu peso relativo no estoque total de desempregados. Essas evidências sugerem uma redução da desvantagem da população não branca em sua inserção no mercado de trabalho do Município, no período em análise.

Sob o recorte escolaridade, a análise revela que a incidência do desemprego reduziu-se de forma mais intensa para os indivíduos com fundamental incompleto, em aparente paradoxo, assumindo-se que se está diante de um mercado de trabalho mais seletivo em termos de requisitos de educação formal.

A par desse aspecto, ocorreu uma contração do seu peso relativo no estoque total de desempregados de Porto Alegre, ao se comparar 2001 com 2010. Para essa última mudança, também incidiu um fator que operou pelo lado da oferta de trabalho, pois houve retração do peso relativo desse segmento com menos escolaridade na PIA do Município. Já a faixa de escolaridade médio completo a superior incompleto foi aquela que se tornou majoritária no estoque total de desempregados. Isso se deveu tanto à redução menos acelerada da incidência do desemprego sobre esse segmento quanto à expansão de sua proporção na PIA de Porto Alegre.

O metrô de Porto Alegre

É chegada a hora de rediscutir os privilégios do automóvel e de adotar medidas que favoreçam o transporte público. São várias as maneiras possíveis de promover a reabilitação deste último, sendo o metrô uma das opções a considerar.

Dentre as muitas razões justificadoras da construção de um metrô, as mais recorrentes reportam-se à qualidade de seus serviços, marcados por fortes atributos de regularidade, confiabilidade, rapidez e conforto. Sua implantação costuma ser vista como uma panaceia para enfrentar o caos nas condições de mobilidade urbana. Há, todavia, uma condição problemática inerente aos metrôs, a saber, a do montante desmedido de recursos financeiros comprometidos em suas obras, o que força a examinar os custos de oportunidade do empreendimento, ou seja, aquilo que se deixa de ganhar ao não considerar soluções alternativas. Uma monopolização de tal ordem dos investimentos compromete os orçamentos públicos, com impactos danosos nos demais modos de transporte coletivo e nas intervenções urbanas em geral.

O certo é que as despesas com a implantação de um metrô são gigantescas, especialmente nas linhas subterrâneas. Veja-se que, no caso do metrô de São Paulo, o custo médio de construção por km foi de US$ 130 milhões, sendo que a linha 3 (a mais cara) custou US$ 159 milhões por km, e a linha 5 (a mais barata, com a maior parte do trajeto em via elevada) ficou em US$ 58 milhões. Além disso, via de regra, há uma ampla e sistemática subestimação das estimativas de custos nos orçamentos iniciais. Da mesma forma, subestimam-se os longos prazos temporais de execução das obras, que podem levar de cinco a oito anos para uma única linha. No metrô paulistano, é de 1,8km a média histórica anual de construção (desde 1969), indicando que, nesse ritmo, seriam precisos 61 anos para expandir a atual rede dos 74,3km para os 184,2km previstos. Assim, a ideia de Porto Alegre construir 3,5km por ano, com a primeira linha sendo implantada em pouco mais de quatro anos, parece muito otimista.

A cidade fez, de fato, a opção política de implantar um sistema de metrô. As notícias a respeito são pouco detalhadas, o que é compreensível, dada a ausência de um plano de obras. A linha 1 terá 14,88km, 70% a serem construídos em subterrâneo, e o restante, ao nível do solo. Deverá ser um metrô leve, o que deve corresponder a uma tecnologia do tipo veículo leve sobre trilhos (VLT), circulando em via totalmente cativa, na faixa de transporte dos 40 mil passageiros/hora//sentido (contra 40 mil a 80 mil para um metrô tradicional). O VLT moderno é o herdeiro bem-sucedido do antigo bonde e afirma-se como um modal que se distingue por sua originalidade e estética apuradas, por seus excelentes atributos técnicos, seu rodar silencioso, seu conforto e uma notável capacidade de inserção no meio urbano.

Apesar de poder ser usado como um bonde tradicional veloz, imerso no tráfego automobilístico, é nas condições de circulação em via de superfície própria, integral ou não, ou em via elevada que seus méritos resultam mais flagrantes. Exige, nessas condições, muito menos investimentos em infraestrutura. Caso se opte, todavia, por fazer o VLT transitar em via subterrânea, os custos aproximam-se dos de um metrô tradicional. Ainda que os túneis construídos possam ser de menor dimensão, adequados a um material rodante mais leve, e que sejam mais curtas as plataformas das estações, aptas a receberem composições com menos vagões (de quatro a seis na atual proposta), mantém-se o fato de que perfurar túneis sempre é uma atividade onerosa (mesmo com o método da trincheira coberta). Da mesma forma, não é possível escapar das significativas despesas com as obras civis associadas e com as estações e seus equipamentos.

O problema dos altos custos com as vias ferroviárias subterrâneas é perceptível nessa proposta da linha 1, estimada em US$ 93 milhões por km, mesmo em se tratando de um metrô leve e havendo 4,70km a serem construídos em via de superfície, ou em via elevada. Ora, como os trilhos dessa linha vão passar sob longos trechos dos atuais corredores de ônibus, seria perfeitamente cabível considerar a implantação da via a nível do solo nessas áreas, mantendo-se os trechos subterrâneos apenas onde fosse imprescindível.

Haveria, nessas condições, uma significativa redução dos custos da obra, atualmente orçada em R$ 2,488 bilhões. Mesmo com 40,2% desse valor provindo de recursos a fundo perdido (PAC 2), o fato é que a Prefeitura tem o pesado compromisso de aplicar R$ 600 milhões no empreendimento (metade dos quais sob forma de empréstimo), com o Governo do Estado também assumindo um empréstimo para repassar outros R$ 300 milhões. Parte desses recursos, hoje canalizados inteiramente para a linha 1, poderiam atender outras necessidades. Poderiam servir à prometida modernização do sistema de ônibus, padrão BRT, circulando em uma rede ampliada de corredores exclusivos e disponibilizando serviços de alta qualidade a custos muito inferiores. Ainda nesse sentido, é preciso ter presente que um sistema de metrô eficiente, capaz de garantir funcionalidade e coerência na exploração dos serviços (em termos comerciais e de cobertura do território), pressupõe a realização da rede básica prevista, a qual, no projeto de Porto Alegre, inclui uma segunda e uma terceira linha, que formariam um anel circular em torno da região mais central. Aos atuais preços de construção da linha 1 do metrô de Porto Alegre, essa parece ser, no entanto, uma proposição relegada a um futuro bem distante.

 

Ricardo Brinco
Economista, Pesquisador da FEE

 


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