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Maurício Villar é formado em engenharia mecatrônica pela Escola Politécnica da USP, com dupla formação em engenharia pela "Ecole Centrale Marseille", na França

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa  |  Postado em: 27 de fevereiro de 2012

O engenheiro Maurício Villar, criador do sistema P

O engenheiro Maurício Villar, criador do sistema

créditos: Cecília Bastos

Lá na Europa, Villar conheceu o modelo de bicicletas públicas e decidiu trazer a novidade para o Brasil, mais especificamente para o campus da USP, onde criou o sistema Pedalusp. Nesta entrevista, o jovem engenheiro fala sobre mobilidade urbana sustentável e explica, em detalhes, a evolução dos sistemas de compartilhamento de bikes desde os anos 1960, na Holanda.

 

Por que bicicleta e que papel esse veículo pode desempenhar no transporte urbano, especialmente nas grandes cidades? Bicicleta pode "conversar" com o tráfego pesado?

Minha relação com a bicicleta, como meio de transporte começou bem tarde, justamente no período em que estudei na França e tive contato com os sistemas de bicicletas compartilhadas de lá. Antes disso, não tinha a visão da bicicleta como tranporte. Acredito tanto no benefício desse tipo de sistema, que além de fornecer um meio de transporte alternativo, comprova na prática as vantagens de utilizar a bicicleta.

A bicicleta é uma das melhores invenções feita pelo homem. Com pouco esforço, podemos nos locomover com uma velocidade razoável e sem agredir o meio ambiente. Para os dias atuais, em grandes e médias cidades, a bicicleta é uma ótima solução de mobilidade, principalmente quando vista como um meio de integração entre os demais modais. Com sua integração a outros modos de transporte podemos aumentar a eficiencia das viagens, desafogar as vias e aumentar a mobilidade geral das pessoas. A "conversa" com o tráfego pesado pode sim ser feita, mas para isso, precisamos de um trabalho intenso de educação e conscientização. Os usuários de todos os modos de transporte devem respeitar os espaços dos outros e isso só poderá ser alcançado se todos entenderem a importância de cada um e também se colocarem na posição dos outros.

 

Como você conheceu o sistema de bicicletas compartilhadas e porque você decidiu trabalhar com isso no Brasil?

 Cheguei na Europa no meio de 2005, exatamente quando os primeiros sistemas, em cidade médias e grandes, começaram a aparecer. Como usuário, tive uma relação muito boa e agradável com as bicicletas compartilhadas e pude ver, na prática, os benefícios do sistema e também os desafios para torná-lo eficiente. Ao retornar ao Brasil, no final de minha graduação, notei que a implantação desse sistema na Cidade Universitária seria uma excelente alternativa de mobilidade porque a USP sofre problemas de transporte semelhantes aos das grandes cidades brasileiras. Com o apoio da universidade, pudemos evoluir na ideia e no sistema.

 

Qual foi o primeiro sistema de bicicletas públicas implantado no mundo?  

 Na realidade, os sistemas de bicicletas públicas nasceram em Amsterdã, na Holanda, com o "White Bicycle Plan" no final dos anos 1960. Tratou-se de um sistema de bicicletas livres. Algumas dezenas de bicicletas foram pintadas de branco e deixadas no centro de Amsterdã para que as pessoas pudessem utilizá-las como meio de transporte livre e gratuito. Em poucas semanas o sistema deixou de existir, visto que se tratava de uma iniciativa da contracultura e a própria polícia da cidade recolheu as bikes. E após algumas tentativas, outros problemas, como manutenção das bicicletas e mesmo a dificuldade de encontrar uma bicicleta livre, tornaram o sistema inviável. Depois disso, algumas outras cidade também tentaram este formato, como La Rochelle, na França, e Cambridge, na Inglaterra. 



E Copenhague?

 O sistema de Copenhague, na Dinamarca, foi lançado nos 1990 e ficou bastante conhecido, pois foi o primeiro que encontrou uma maneira de se tornar viável e durar. E esta maneira foi, justamente, a solução para um maior controle sobre o uso das bicicletas. Neste sistema, as pessoas precisavam inserir algumas moedas para poder retirar a bicicleta. Agora, os sistemas só se espalharam realmente pelas cidades européias quando a tecnologia da informação evoluiu e começou a ser usada para cadastrar os usuários, controlar o tempo de uso da bicicleta e saber onde as bicicletas se encontram. Isso se deu apenas no inicio dos anos 2000, na França.

 

Em Paris?

 A primeira grande cidade européia a receber o sistema foi Lyon, em 2005. Depois, Paris ganhou o Vélib e, a partir dai, a coisa se espalhou. Justamente porque ficou evidente os benefícios que as bicicletas compartilhadas traziam para as cidades. Hoje em dia, mais de 250 sistemas estão implantados pelo mundo. A maioria deles, (mais de 70%) está na Europa. Ásia e América do Norte, começaram a ter sistemas a partir de 2008, 2009. E a América do Sul começa agora a dar os primeiros passos: em Medellin, há um sistema com aproximadamente 150 bicicletas que parece funcionar bem, mas não atende à cidade inteira. Outro sistema bom é o de Santiago, no Chile, e também o implantado no Rio de Janeiro, que superou diversos desafios para poder se consolidar e agora começa a atender boa parte da cidade.

 

Quanto custa a implantação de um sistema desses e qual a densidade mínima de veículos e de estações necessária numa cidade? 

 O custo de implantação varia bastante com a dimensão do sistema e as densidade mínima de bicicletas e estações também. Cada cidade é um caso diferente, que deve ser estudado para saber a melhor maneira e os melhores locais para implantação das estações. 


No caso do Pedalusp, qual foi o investimento e quais são os números de bilkes, usuários, viagens?

 Na USP, a CompartiBike acabou de realizar um estudo de mobilidade para determinar os melhores locais, as dimensões e as fases de implantação do sistema. Hoje, contamos com duas estações que ligam a USP ao metrô Butantã e dispõem de 16 bicicletas. Após seis meses de operação do Pedalusp temos mais de 2.150 pessoas cadastradas e realizamos uma média de aproximadamente 110 viagens por dia, isso com apenas 16 bicicletas. Avaliamos que 10 estações e 100 bicicletas serão suficientes para atender à região plana da USP, onde se concentra a maior parte dos cursos e pessoas. Numa segunda etapa poderemos ter até 26 estações.

 

Em Barcelona, na Espanha, cidade que tem área urbanizada de apenas 90 km2, o sistema www.bicing.cat alcançou grande sucesso com o custo de 30 euros por ano, apenas para moradores. Curiosamente, ao final da semana, grande parte das bikes está na parte mais baixa da cidade, exigindo que a gestão do sistema as transporte para os postos da parte alta. Em São Paulo, com área urbanizada de 1.000 km2, cheia de altos e baixos, seria possível implantar um sistema que atenda à totalidade da cidade? E em Belo Horizonte, a mais montanhosa das capitais brasileiras?

 São Paulo é, sem dúvida, um grande desafio. Pela sua dimensão, sua geografia e também pela maneira que a cidade foi construída, basicamente voltada para o transporte por automóveis. É bom salientar que em todos os sistemas do mundo, a operação é bastante complexa. Manter as estações com bicicletas e também com espaços livres é uma tarefa bastante difícil para os operadores, que gastam bastante dinheiro e recursos, mas mesmo assim, muitas vezes não conseguem atender plenamente às necessidades dos usuários. Nas minhas experiências em sistemas na Europa, algumas vezes cheguei em estações para devolver a bicicleta e ela estava lotada. 
Em qualquer capital ou cidade grande - São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Recife ou Porto Alegre, o sistema tem que ser muito bem desenhando e construído. Não podemos colocar estações em qualquer lugar, sem nenhum estudo prévio e achar que estamos implantando um sistema alternativo de mobilidade. Se as estações não criam uma rede de transporte, justificando que pessoas peguem bicicletas em uma e devolvam em outra, estamos apenas criando um aluguel simples de bicicletas e não uma solução de mobilidade urbana. Algumas dezenas de cidades pelo mundo já erraram nesse ponto, e abortaram suas experiências. Não podemos achar que vamos alcançar a cidade inteira de uma só vez. Temos de começar em um região, com uma malha de estações densa o suficiente para que o sistema seja útil. A partir daí, ir expandindo, sempre com uma densidade de estações adequada, até cobrir a cidade por inteiro. Isso vale para qualquer cidade, desde uma cidade com 100 mil habitantes até uma megalópole como São Paulo. Basta estudo, planejamento e seriedade no assunto.

 

Como você vê as experiências de bikes públicas, em São Paulo, Rio de Janeiro e algumas outras cidades do país?

 Vejo com muito bons olhos. Acredito que após alguns tropeços, os sistemas de bicicletas compartilhadas no Brasil, e na América Latina em geral, começam a "dar certo". Diversas experiências falharam no planejamento. Como já expliquei, não basta colocar estações onde algumas pessoas acham que elas devem ser colocadas. Os sistemas de bicicletas compartilhadas precisam ser planejados como qualquer outro sistema de transporte. No Rio de Janeiro, por exemplo, depois da sua reestruturação, o sistema começou a atender uma grande área da cidade, mas acredito que poderia ser ainda mais denso, ter mais estações por área. As bicicletas compartilhadas funcionam bem quando as estações estão próximas uma das outras e bem localizadas. De qualquer maneira, as cidades brasileiras já estão vendo as vantagens da implantação desse tipo de solução e acredito que nos próximos dois anos teremos uma revolução nessa área, com implantação de sistemas em dezenas de cidades no Brasil.

 

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