Milalá

17
May
Publicado por Administrador Mobilize no dia 17 de May de 2018

Pois é, até o início deste ano, a China não fazia parte de meu short list de países desejados para conhecer. A não ser pela Muralha da China, uma das maravilhas do mundo, que desde menina tinha curiosidade de ver de perto. Os anos foram passando, a dificuldade em andar foi aumentando, e a vontade de conhecer a Muralha se afastando…

 

…De repente, a possibilidade de ir à China ganhou força com o convite da presidente do Rehabilitation International (RI), a chinesa Heidi Zhang, para participar da Reunião do Comitê Executivo desta organização mundial, da qual sou representante na América Latina. E também, para conhecer o trabalho da Federação das Pessoas com Deficiência com o apoio do governo chinês. A cidade era Hangzhou, não Pequim, e a Muralha fica longe, mas o convite recebido com esta “dobradinha” na pauta me encantou e lá fui eu pra China.

 
São muitas horas de voo. Saí de São Paulo e fui direto para Amsterdã, em onze horas e vinte minutos. Aguardei cinco horas no aeroporto Schiphol e segui para Hangzhou, com mais treze horas de voo. Depois de algum tempo, a vontade e de é falar: ‘pode parar o avião, que eu quero descer’! Cheguei em Hangzhou, fui trocar o dinheiro, e aí começaram as minhas muitas descobertas sobre a China: tive muita dificuldade para encontrar alguém dentro do aeroporto de Hangzhou que falasse inglês e, quando encontrei, a pessoa me informou que a casa de câmbio não estava aberta às 10h30 da manhã! Como havia pessoas esperando para me levar ao hotel, resolvi seguir.

 
Ufa! A garota que me acompanhou falava inglês. Eu realmente estava muito cansada, mas o caminho do aeroporto até o hotel – mais ou menos 40 minutos – me despertou. Esse primeiro contato com o solo chinês, foi marcado pelo cuidado da rodovia, onde se via um canteiro vivo ao longo de sua extensão. Era visível que se tratava de uma grande cidade, e em pleno desenvolvimento. O corpo estava bem cansado, mas os olhos estalados consumiam as primeiras informações visuais.
Chegamos ao hotel, onde fui recebida por vários voluntários que falavam inglês e, para a minha surpresa, fui apresentada à intérprete Yang, que me acompanharia durante os dias do evento. Então, quando achei que iria descansar um pouco, Yang me avisou que me acompanharia ao banco para a troca do dinheiro.

 
Problemas com a Julinha
Fomos de carro, e eu de olho na acessibilidade da cidade. Tudo ainda estava muito confuso, e não foi nada fácil ir do carro até a entrada do banco com a minha scooter, a Julinha. Quando cheguei e vi a rampa para entrar no prédio, me assustei…era muito íngreme. Deu tudo certo, mas a aventura de subir e descer não foi nada agradável. Voltamos ao hotel e quando tinha certeza de que finalmente iria descansar, não é que a roda traseira da Julinha soltou? Fiquei preocupada, não é como trocar um pneu…Trouxeram-me uma cadeira de rodas manual enquanto a Julinha seguiu sei lá para onde, mas a minha intérprete disse que iriam consertá-la. Sem muita opção, confiei.

 

A essa altura, já estava doida para ir para o meu quarto, mas antes teria que fazer o pagamento do hotel, que lá na China é feito já no check-in. Entendi que teria que ser assim e, assim o fiz. Acabei perdendo o horário do almoço e a minha intérprete se prontificou em me acompanhar. Eu mais que rapidamente aceitei. Somente pedi a ela uns minutinhos para subir e tomar um banho. Eu estava bem empoeirada, mas sabia que um banho me animaria. Logo que entrei no quarto, a Julinha chegou, linda e com suas rodas em perfeito funcionamento. Dito e feito.

 

Tomei banho e fui, feliz da vida, a um restaurante próximo ao hotel. Seguindo a recomendação da Yang, pedi um noodle maravilhoso. Não foi nada fácil comer o noodle com os “kuazi” chineses, mas a fome era grande e com a ajuda de Yang tive um final feliz. A surpresa veio na hora de pagar a conta, porque eles não aceitavam cartão de crédito internacional, apenas dinheiro vivo. Aliás, essa foi uma descoberta da China: restaurantes, lojas, farmácias e comércio em geral não aceitam cartão de crédito internacional, apenas dinheiro vivo. No hotel, aceitavam o cartão, mas dólares ou euros, nem em pensamento.

 

Ciclovias para pedestres, e cadeirantes
Aproveitei para checar a acessibilidade das ruas, dos espaços urbanos, para xeretar os edifícios e entender o transporte público. Tirando os canteiros vivos, não curti o que vi e descobri. As calçadas são planas, regulares e sem buracos, mas são estreitas e quase não têm rampas. O que acaba acontecendo, com o volume intenso de pessoas pra lá e pra cá, é a utilização das ciclovias chinesas.

 

mototosMila e Julinha na ciclovia: disputa com ciclistas, pedestres e “mototos”

Estas ciclovias cortam a cidade inteira e são separadas do viário, na maioria das vezes, por canteiros vivos. Nelas tem-se que compartilhar o espaço com muitas bicicletas e “mototos”, como são chamadas as muitas motinhos que invadem o trânsito o tempo inteiro. Rodei por vária ruas no bairro de Zhejiang e não vi um banco ou um local de convivência que me convidasse a descansar. Tive que andar o tempo todo atenta e apreensiva para não ser atropelada pelas muitas pessoas, bicicletas ou mototos. Vale observar que quase todos – pedestres, ciclistas motoristas e “mototistas” – não desgrudam os olhos do celular.
Os prédios comerciais quase nunca têm acesso para pessoas com deficiência. Quando tinham, eram com as tais rampas íngremes. Só com a ajuda de outras pessoas eu e Julinha conseguimos subir e descer.

 

Ônibus sem acessibilidade
Via muitos ônibus coloridos nas ruas, mas em nenhum vi o símbolo de acessibilidade. Já a estação de metrô próxima ao hotel tinha elevador e estava funcionando. Descobri que o sistema público de transporte sobre pneus atende a toda a cidade, mas a frota quase não é acessível. Disseram-me que apenas um ou outro carro têm acessibilidade.
O sistema de trilhos é recente e ainda não tem muitas linhas e estações, mas a maioria conta com elevador e é fácil acessar o trem. Infelizmente, não tive oportunidade de conferir. Quando questionei sobre como as pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida se movimentam pela cidade, a resposta foi objetiva: eles usam carro. Pois é, outra história, outra economia, outra cultura, outro modo de vida.
Retornei ao hotel e, ainda agitada com o dia diferente, tentei muito acessar a internet com o sistema VPN que adquiri no Brasil, mas nada rolou. Pedi ajuda à minha intérprete e a funcionários do hotel, mas não tive sucesso. Estava completamente sem contato com o mundo e foi uma experiência, no início, bem estranha, mas depois, com as muitas atividades e com a certeza que seria por pouco tempo, se tornou uma experiência aceitável. Não eram 8 horas da noite e eu já dormia maravilhosamente.

 

Inclusão em empresas chinesas
Durante dois dias tivemos uma série de atividades de campo para conhecer o trabalho desenvolvido da Federação das Pessoas com Deficiência com o apoio do governo chinês, bem como o trabalho de grandes empresas chinesas. E também visitamos atrações turísticas da cidade de Hangzhou. Destacamos o Grupo Alibaba, um dos maiores do mundo no segmento de ecommerce. Conhecemos o trabalho realizado por eles, como também a sua fundação, que trabalha com pessoas com deficiência.

Mila4Visita a Jiaxing: referência em tecnologias para pessoas com deficiência

 

Visitamos o município de Jiaxing, que é referência na China no desenvolvimento de tecnologias assistivas às pessoas com deficiência. Na ocasião, a delegação do Rehabilitation Internacional foi apresentada a algumas delas, conhecendo profundamente o seu desenvolvimento, recursos e utilização. Tivemos uma tarde bastante agradável em Jiaxing, possibilitando um rico aprendizado e troca de informações. Terminamos o dia com um jantar oferecido pelo governo de Jiaxing, quando pudemos apreciar uma belíssima exposição de trabalhos desenvolvidos pelas pessoas com deficiência daquele município.

Mila 2West Lake, o principal parque de Hangzhou

 

Conhecemos o Centro de Reabilitação da cidade de Hangzhou, onde há destaque para o importante trabalho realizado com as pessoas com deficiência intelectual, principalmente crianças. Fomos apresentados ao local onde foi realizado o G20 Hangzhou Summit 2016. Tivemos oportunidade de conhecer o West Lake, o mais famoso ponto turístico da cidade de Hangzhou, um passeio maravilhoso. Concluímos com um jantar de boas-vindas oferecido pelo governo de Zhejiang.

 

 

Mila 1Abertura da Reunião do Comitê Executivo da Rehabilitation International (RI)

 

A cerimônia de abertura da reunião do Comitê Executivo do Rehabilitation International contou com a presença de lideranças de pessoas com deficiência de vários países do mundo. A reunião se estendeu por todo o dia e continuou no dia seguinte até o horário do almoço. Foi imensamente importante e produtivo participar desse encontro, com demandas desafiadoras para a assembleia que ocorrerá em novembro na Alemanha e a para a próxima reunião do Comitê Executivo, que possivelmente será no Brasil, em 2019.

 

Fui convidada a almoçar com a Secretária Geral do RI, Venus Ilagan, para avançarmos na discussão de possível realização da reunião no Brasil. O resultado desta reunião foi bem positivo e estou animada e empenhada a trazer estes líderes mundiais que promovem a inclusão das pessoas com deficiência para o nosso país.

 

A tarde era livre, mas chovia muito e apenas rodei perto do hotel acompanhada da intérprete. Quando voltei, mas precisamente quando entrei no meu quarto, a Julinha não quis mais funcionar. Parecia um problema elétrico. Ela ligava, chegava a acender a luz e em seguida apagava. Nem preciso dizer que meu coração acelerou, né mesmo? Mas, para quem tinha a Yang por perto, foi mais leve esperar socorro. Imediatamente a garota disse que iria chamar o técnico do hotel e também lembrou que quando chegava ao hotel pela manhã viu uma loja que consertava mototos e iria lá chamar algum funcionário para nos ajudar.
O técnico do hotel disse que não tinha conserto. O dono da pequena loja de mototos apareceu quase às 9 horas da noite, mas resolveu o problema. Ele trocou o sistema de ignição, que simplesmente havia pifado.

 

Meu voo para Amsterdã sairia no dia seguinte às 10 horas da manhã. Nem preciso dizer, também, que esta foi a melhor noite de sono que tive durante minha estada na China.
Yang e vários outros voluntários me acompanharam no café da manhã. Viajei no mesmo voo que um dos representantes da Alemanha. Yang nos acompanhou até a entrada da sala de embarque no aeroporto. E assim deixei a China, muito feliz e com vontade de quero mais!

 



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Milala Vamos conhecer o Milalá?
Mila Guedes, 45 anos, é publicitária e idealizadora do Milalá, projeto que estimula quem tem mobilidade reduzida a passear, viajar e curtir a vida. Acompanhe suas aventuras e as experiências incríveis que viabilizou em 22 anos como portadora de esclerose múltipla. Mila acredita que quanto mais informação, mais fácil será enfrentar os obstáculos que aparecerão pelo caminho. Sem medo, sem limite. Conheça este trabalho aqui no portal Mobilize, na página do Facebook e também no site www.milala.com.br
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