Pé de Igualdade

28
October
Publicado por admin no dia 28 de October de 2015

Tenho certeza de que todas as pessoas que moram em São Paulo já passaram pela experiência de sofrer pelo menos uma queda nas nossas terríveis calçadas. Eu mesmo já cansei de presenciar várias delas e de tão repetidamente ver isso acabei criando uma fantasia maluca de que sob as calçadas habita um insaciável gênio do mal, o “Gênio do Buraco”, que somente sacia seu voraz apetite após contar centenas de tombos diários.

Eu achava, ingenuamente, que já havia contribuído com minha dose de sacrifício a esse gênio excêntrico que testemunhou o rompimento de todos os ligamentos do meu tornozelo direito em sucessivas caídas. Mas como nunca se sabe, me obriguei a adquirir o hábito de andar sempre olhando o chão para prevenir futuros sacrifícios. Também criei o hábito de protestar contra o descuido dos responsáveis pelo aparecimento desses buracos ligando para o 156 da prefeitura ou tentando conversar com os proprietários ou responsáveis pelas calçadas e alertá-los sobre a existência do terrível Gênio do Buraco, mas sempre em vão –  nunca acreditaram em mim.

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Tombo na calçada flagrado pelo Street View em Belo Horizonte

E o tal gênio queria mais: produziu uma saliência tão disfarçada que mesmo olhando o chão não a percebi. Dessa vez o sacrifício foi maior: uma torção de pé tão violenta que me causou uma fratura no tornozelo e me obrigou a permanecer pelo menos por 6 semanas fechada em casa com a perna esquerda imobilizada. Isso não foi nada bom, além da dor e do desconforto da imobilização este retiro obrigatório me afastou de minhas atividades cotidianas e programadas e causou grandes prejuízos de ordem moral e econômica.

E as demais vítimas do Gênio do Buraco? Quais seriam os reflexos para o sistema produtivo e para a sociedade? Curiosa e com tempo de sobra fui pesquisar informações sobre o impacto de seu insaciável apetite e descobri que, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os custos com o atendimento e a perda de produtividade causados com acidentes em quedas nas calçadas estão na ordem de 2 a 3% do PIB brasileiro.

Também notei que os acidentes com pedestres causados por quedas na calçada não são contabilizados em nenhum sistema de registro de acidentes de trânsito, apesar da calçada ser considerada parte da via pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Por último verifiquei que ocorrências nas calçadas são o maior motivo de atendimento de emergência do maior hospital do país, o Hospital das Clínicas de São Paulo. De acordo com os dados coletados pela Dra. Julia D’Andrea Greve, responsável pelo setor, em 2010 o número de atendimentos diários causados por quedas nas calçadas (1.792) e os custos hospitalares e sociais envolvidos superaram o número de atendimentos decorrente de acidentes de trânsito (1284)1 .

Conclusão: o estrago provocado pelo insaciável apetite do Gênio do Buraco é grande e pelo jeito vai continuar sendo alimentado por um bom tempo pela morosidade de abordagem por parte do poder público e o irresponsável descaso da sociedade..

 

1 Dados anotados em apresentação realizada pela Dra. Julia D’Andrea Greve do HC no Instituto de Engenharia de SP em 2013

 



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Pe-de-igualdade Meli Malatesta (Maria Ermelina Brosch Malatesta), arquiteta e urbanista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e com mestrado e doutorado pela FAU USP. Com 35 anos de serviços prestados à CET – Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, sua atividade profissional foi totalmente dedicada à mobilidade não motorizada, a pé e de bicicleta. Atualmente, ministra palestras e cursos de especialização em Mobilidade Não Motorizada além de atuar como consultora em políticas, planos e projetos voltados a pedestres e ciclistas.
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