Brampton: um subúrbio canadense que redescobriu o transporte público

Cidade deixou de lado os projetos viários caros e ineficientes e concentrou recursos para atualizar o serviço de ônibus. Resultado: mais 288% de passageiros

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Fonte: Bloomberg  |  Autor: Jonathan English / Bloomberg*  |  Postado em: 29 de abril de 2025

Ônibus em Brampton, Canadá: qualidade atraiu mais

Ônibus em Brampton, Canadá: qualidade atraiu mais usuários

créditos: City of Brampton

Brampton, na província de Ontário, Canadá, tem cerca de 745 mil habitantes (2022). Ela integra a região metropolitana de Toronto e conta com ruas e avenidas bem largas, que sempre estimularam o uso de carros.
No entanto, bastou uma melhora na qualidade dos serviços de ônibus para que a cidade marcasse um recorde: o transporte público passou a transportar 226 mil passageiros por dia, um aumento de 288% entre 2004 e 2018, mostra o artigo de 
Jonathan English, da Bloomberg.


Um axioma no mundo do planejamento urbano afirma que o transporte público bem-sucedido requer o que é conhecido como "desenvolvimento orientado ao transporte" — uma combinação de alta densidade de destinos concentrados e ruas caminháveis. Mas e se eu dissesse que alguns dos maiores índices de uso de transporte público na América do Norte podem ser encontrados em um lugar sem nenhuma dessas características?


Brampton, Ontário, é um grande subúrbio industrial de Toronto, indistinguível de muitos outros na América do Norte. Ruas arteriais de seis pistas, ladeadas por shoppings, atravessam empreendimentos residenciais repletos de casas unifamiliares isoladas com garagens. A cidade também abriga muitas fábricas e centros de distribuição — enormes armazéns com paredes lisas cercados por estacionamentos. No entanto, com uma população de cerca de 750.000 habitantes, Brampton movimenta 226.500 passageiros de ônibus em um dia de semana normal.

 

Podemos comparar Brampton com o Condado de Orange, na Califórnia, com 3,2 milhões de habitantes e 112.000 passageiros de ônibus por dia. O condado também tem uma característica suburbana e sua densidade populacional em áreas centrais como Santa Ana é maior do que a de Brampton. A comparação com outras áreas dos Estados Unidos é igualmente gritante: Columbus, em Ohio, com cerca de 900 mil habitantes, movimenta apenas 34.100 passageiros de ônibus por dia. E a rede de ônibus Pace, que atende a 5,7 milhões de moradores nos subúrbios de Chicago, tem uma média de 56.900 passageiros/dia.

 

O que explica essa enorme divergência? Não tem nada a ver com as diferenças culturais entre os EUA e o Canadá. Afinal, os moradores de Brampton costumavam ser tão relutantes em usar o transporte público quanto os suburbanos americanos. Simplificando, Brampton oferece um serviço suficiente, de boa qualidade, o que torna o deslocamento por transporte público uma opção razoável mesmo para pessoas que têm outras opções - grupo que as agências de transporte público costumam chamar de "passageiros preferenciais" - bem como para pessoas sem outra opção.

 

No Condado de Orange, como em muitos subúrbios, os ônibus costumam circular uma vez por hora e raramente mais de meia hora. As últimas viagens da noite costumam ser cedo demais para serem utilizadas por alguém que trabalha no turno da noite no shopping, quanto mais por alguém voltando de uma festa ou do bar. O serviço aos fins de semana é ainda mais limitado. Em Brampton, por outro lado, as principais linhas de ônibus operam com frequência de até cinco minutos, com serviço expresso e local. As linhas secundárias costumam circular pelo menos a cada meia hora até altas horas da noite.


Isso faz uma enorme diferença. Em muitos lugares, você nem precisa se preocupar em verificar a programação antes de começar sua viagem. A alta frequência também torna as baldeações viáveis, o que significa que as pessoas podem fazer viagens de qualquer lugar para qualquer lugar, em vez de ficarem limitadas a ir para onde quer que seu ônibus local pare. Ninguém quer ficar preso por meia hora ou uma hora em um ponto de ônibus suburbano deserto esperando por uma baldeação.

 

Brampton nem sempre foi uma história de sucesso em transporte público. Vinte anos atrás, era uma cidade suburbana bastante típica, com ônibus pouco frequentes, baixo número de passageiros e o crescente problema de congestionamento à medida que sua população aumentava.

 

O governo municipal considerarav um plano dispensioso de VLT, mas a então chefe da agência local Brampton Transit, Sue Connor, teve uma ideia mais barata: qualificar o serviço de ônibus existente para uma rede de alta frequência, de forma que as pessoas pudessem contar com o serviço durante todo o dia, em toda a cidade, incluindo rotas principais com marcas separadas, ônibus e abrigos modernizados. E os planos previam que, mais tarde, quando o serviço de ônibus estivesse saturado, a cidade poderia migrar para um sistema de BRT. O resultado foi um crescimento de 288% no número de passageiros entre 2004 e 2018.

 

Ajudou muito o fato de o custo dessas melhorias ter sido gradual e na casa dos milhões de dólares, em vez dos bilhões que grandes projetos exigem. Aumentos constantes no número de passageiros (e, portanto, na receita) fizeram com que o nível de subsídio público da Brampton Transit não aumentasse significativamente, apesar do aumento expressivo na oferta do serviço. O subsídio percentual permaneceu basicamente inalterado em cerca de 50% — consideravelmente menor do que o de muitas agências.

 

O caso de Brampton mostra claramente o erro de adaptar o serviço à demanda, isso porque a demanda não é fixa. O fenômeno da demanda induzida é tão real para o transporte público quanto para as ciclovias e rodovias: se você oferecer um serviço mais atraente, mais pessoas o utilizarão. Se você piorar ou cortar o serviço, os passageiros desaparecerão.

 

Em vez de investir imediatamente em projetos caros, Brampton aumentou o número de passageiros gradualmente, melhorando a rede básica de ônibus. Agora, a cidade está prestes a iniciar a construção de uma rede de veículos leves sobre trilhos (VLT) para substituir as linhas de ônibus que já estão com alta densidade de passageiros. E a rede de ônibus locais, implantada nas últimas décadas, alimentará o futuro transporte sobre trilhos.


*Artigo publicado originalmente pela Bloomberg com o título "How Did This Suburb Figure Out Mass Transit?". Tradução e adaptação Mobilize Brasil.


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