Prefeitura de BH resgata antiga calçadas de pedras. Entenda por quê

Região remanescente do Curral Del Rei, patrimônio histórico da capital mineira, está sendo recuperada. Material em pedra preservado revela desafios e polêmicas

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Fonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte  |  Autor: Du Dias/Mobilize Brasil  |  Postado em: 10 de outubro de 2025

Trabalhadores restauram calçamento na Prudente de

Trabalhadores restauram calçamento na Prudente de Morais

créditos: Rodrigo Clemente PBH

 

Em setembro a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da sua Secretaria de Obras, iniciou a reforma das calçadas com pedras portuguesas na Praça Desembargador Ayrton Maia, na região centro-sul da cidade. As intervenções fazem parte de um conjunto de obras de revitalização de um importante patrimônio histórico e cultural da capital mineira.

 

As tradicionais calçadas de pedras são extremamente duráveis, quando bem assentadas. Mas nos últimos anos têm gerado polêmicas, especialmente entre ativistas e especialistas, no que diz respeito à acessibilidade. Não por acaso, algumas cidades têm usado modelos mistos - inserindo uma faixa de concreto ou de outro material liso, ao longo do caminho de mosaicos. Mas há casos em que as administrações substituem as pedras de calcário e basalto, até mesmo em calçamentos preservados pelo patrimônio.

 

Um artigo assinado pelo jornalista Marcos de Sousa, editor do Mobilize, em 2022, faz referência à calçada da Avenida Paulista, a mais icônica de São Paulo, que em 2007 teve seu pavimento de pedras substituído por um piso de concreto. Sobre o extinto passeio de granito, ele observava: “Passados 15 anos, no entanto, notamos o envelhecimento do pavimento: rachaduras, desnivelamentos e placas podotáteis soltas já provocam acidentes em vários pontos na calçada daquela avenida, fruto dos velhos problemas: veículos pesados, choques de caçambas, impactos de skates, além de obras subterrâneas realizadas por concessionárias de energia, dados e águas, que deixam cicatrizes mal curadas.”


À época não se sabia, mas hoje, curiosamente, quem anda pela Paulista pode observar que os mesmos problemas são detectados no atual pavimento de concreto. Ao longo dos anos, as críticas tem surgido, porque o atual piso já apresenta trincas, desnivelamentos e aparência desgastada por toda a extensão da avenida. O "x" do problema, então, parece apontar para a falta de manutenção e zelo do poder público, agravada por sucessivas intervenções sem cuidado da parte das concessionárias de serviços.  

 

O caso de Belo Horizonte

Sobre as recentes obras em calçadas de Belo Horizonte, o Mobilize procurou a prefeitura para esclarecer a importância dessa preservação dos pisos em mosaicos. Por e-mail, a administração respondeu: “Os serviços de manutenção, revitalização e conservação de alguns trechos de calçadas portuguesas localizadas no hipercentro da capital foram executados com o intuito principal de preservar as calçadas portuguesas, que já fazem parte do conjunto tombado pelos órgãos de Patrimônio”. E destacou ainda os desafios logísticos encontrados, como a grande circulação de pedestres e o funcionamento intenso do comércio local.

Praça José Mendes Junior (Savassi), antes das intervençõesPraça José Mendes Junior (Savassi), depois da reforma

Antes e depois na calçada da Praça José Mendes Junior

Vale lembrar que Belo Horizonte talvez seja a cidade brasileira com a maior diversidade de modelos de mosaicos de pedras portuguesas em suas calçadas – só na região central são 159 padrões estabelecidos pela prefeitura. Não por acaso, é justamente ali que se concentram as obras. Em entrevista ao Mobilize, o arquiteto e urbanista Sergio Myssior, mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável, destaca a acessibilidade como o primeiro degrau da cidadania, sendo um tema caro a todas as pessoas.

 

Para Myssior, é por meio da mobilidade e da vitalidade urbana que o conjunto da população pode exercer os seus direitos. “Não é apenas a escolha do melhor pavimento”, destaca o urbanista, “é preciso compatibilizar com a acessibilidade”, completa. Parece uma decisão simples, mas não é. “A região onde estão sendo feitas as intervenções é contígua à antiga Fazenda do Leitão (cuja sede é a única construção do século XIX ainda rpeservada no municipio), remanescente histórico do Curral Del Rei, datado de um período anterior ao planejamento da cidade”, lembrou o urbanista. Ou seja, a substituição das pedras portuguesas certamente implicaria em um apagamento histórico.

 

“Quando vamos a Lisboa (de onde importamos a técnica de calcetagem das pedras portuguesas) a mão de obra é extremamente qualificada e capaz de fazer o pavimento com este material garantindo boa acessibilidade, desde que com a manutenção adequada.”

 

A medida é a mesma defendida pelo editor do Mobilize no artigo já mencionado, de outubro de 2022: “Assim como qualquer outra calçada, as vias com pedras portuguesas necessitam de manutenção, sem a qual se tornam um desafio para pessoas com mobilidade reduzida. Nenhuma calçada suportará tantos desaforos sem a manutenção e limpeza permanentes. De nada serve imputar os pecados aos materiais quando os buracos começam a surgir. E as pedras não têm culpa: já foram extraídas, transportadas, trabalhadas, cuidadosamente organizadas por calceteiros de outros tempos. Elas são a cidade.”


As intervenções na capital mineira

Segundo a Secretaria de Obras, cinco trechos de calçadas já foram concluídos: a sequência das ruas Guaicurus, Aarão Reis e Avenida dos Andradas (entorno do Centro de Referência das Juventudes); a Rua dos Aimorés com Rua da Bahia (entorno do Centro de Educação Infantil Imaculada); Avenida Afonso Pena (entre a Rua Espírito Santo e a Praça Sete); Afonso Pena (entre as ruas Tupis e Espírito Santo); e Avenida Amazonas (entre a Afonso Pena e a Espírito Santo).

 Avenida Afonso Pena 735 (antes)

Avenida Afonso Pena 735 depois

Antes e depois na avenida Afonso Pena

Também foram feitas intervenções na Praça José Mendes Júnior, em frente à Biblioteca Pública da Savassi, e na Avenida Afonso Pena, no entorno da Praça Sete, entre a Avenida Amazonas e a Rua São Paulo, no Centro.


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