Após a inauguração da "nova" Fonte Nova, uma placa de trânsito instalada no local me chamou a atenção porque proíbe a circulação de pedestres (ver abaixo). No dia 21/08/2013, retornei para fotografa-la. Estava lá, intacta, no mesmo lugar. Aproveitei para andar e registrar outros absurdos. Como uma obra desse porte, realizada após a Constituição Federal de 1988, o Estatuto das Cidades de 2001 e a Lei da Mobilidade Urbana de 2012, reduz a acessibilidade das pessoas, ao invés de aumentá-la?
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Placa de proibição de trânsito de pedestre nas proximidades da Fonte Nova |
A Constituição Federal diz "é livre a locomoção no território nacional", mais adiante aborda o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. O Estatuto das Cidades reafirma o que a constituição estabelece e fala na "justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (...), de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais" e a Política de Mobilidade Urbana traz a mobilidade não motorizada como prioridade, logo colocando em primeiro plano o respeito ao pedestre.
Mas não é nada disso que vemos nas proximidades do novo estádio de futebol soteropolitano. São poucas e estreitas as áreas de circulação para pedestres, principalmente para os que vêm pela avenida Djalma Dutra, pois as possibilidades ficaram muito reduzidas com as obras.
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Em 2007, a região tinha mais espaço para o pedestre.Em 2013, priorizam-se os carros, com o aumento das vias e acessos para os veículos. |
Na foto aérea da antiga Fonte Nova (Foto 3), há muito mais áreas com vegetação e sombreamento do que se pode ver hoje em dia, depois da construção da nova arena. Na primeira, ainda se vê o saudoso Balbininho, cuja área se transformou num enorme estacionamento, deixando os baianos carentes de um complexo poliesportivo daquele porte.
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Antes das intervenções a área era mais arborizada. |
Após as obras, aumentou-se muito a impermeabilidade do solo, com a construção de um grande estacionamento e a implantação de muitas pistas de acesso dos carros ao estádio. Mas nem sempre foi assim. Uma foto antiga, encontrada no Google Earth, mostra uma paisagem verde e arborizada, por onde os pedestres podiam andar, mesmo que precariamente. Havia espaço para que outras melhorias acontecessem no local.
Vendo hoje pela perspectiva humana, perdemos muito: diminuiu-se o verde em troca do concreto dos viadutos, que dão acesso ao estádio, e o espaço para o pedestre ficou quase nulo.
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Após as intervenções, é viaduto para todo lado. Poucas árvores e pouco espaço para os pedestres. No canteiro central é proibido pedestre, e nas laterais não é possível o trânsito de pessoas. |
Não há largura mínima adequada para a circulação de pessoas. O mínimo espaço restante (foto acima, à direta) foi utilizado para a instalação de postes. E se desobedece às claras o Código de Trânsito, que permite a "utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres."
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Placa regulamenta o caminho que o pedestre deve seguir |
Outra placa de sinalização muito comum na região é a que regulamenta a rota que o pedestre deve seguir, cerceando o direito básico de escolha do melhor e mais seguro caminho e dando, como sempre, a preferência ao veículo motorizado que, mais potente e rápido, tem prioridade e preferência nas rotas mais curtas e diretas. Veja que a placa orienta para um beco na lateral de um viaduto.
Observem na foto abaixo que a placa foi instalada erroneamente, pois teve a seta removida porque indicava ao pedestre a direção errada.
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À esquerda do viaduto, acesso estreito e pouco convidativo para o pedestre. |
Outra questão, que não foi pensada na obra da Arena Fonte Nova, foi a travessia da avenida. Nenhuma opção foi dada à população que vive nos arredores. Nem passarela, nem sinaleira, nem ao menos faixa de pedestre.
Como vimos na legenda da primeira foto, foram dadas aos carros 9 pistas de 3,5m cada, totalizando 31,5 m de asfalto. Em contrapartida, há apenas duas calçadas, que com muito boa vontade, em seus melhores trechos, tem 2m, ou seja, menos de 13% do espaço destinado aos carros foi reservado aos pedestres. Para os ciclistas, nada, mesmo sendo notável o aumento do uso de bicicletas em nossa cidade. Os ciclistas precisam transitar de forma arriscada no meio dos veículos em avenidas de alto fluxo e velocidade.
Triste Bahia! O planejamento da cidade e sua consequente implantação continuam voltados para uma ótica autoritária, desumana e elitista. Não levam em consideração os novos enfoques mundiais que valorizam mais o homem que o carro. E pensar que boa parte desses inúmeros viadutos só serão usados eventualmente em dias de jogos, enquanto a circulação das pessoas é uma necessidade diária...
Texto publicado originalmente no blog Rua da Gente
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