"Se a cidade é boa para os mais pobres, as crianças e os mais fracos, então é boa para todos!"

Quem diz é o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, que durante uma palestra em Salvador ressaltou a importância de cidades amigáveis

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Fonte: Blog Rua da Gente  |  Autor: Henrique Oliveira de Azevedo  |  Postado em: 11 de outubro de 2013

"Engarrafamento se resolve com restrição ao uso do carro"

créditos: Veja.com
 
A palestra de Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, no dia 1º de outubro, quase lotou os 1,5 mil assentos do Teatro Castro Alves, aqui em Salvador. O economista e urbanista colombiano foi aplaudido diversas vezes em suas colocações sobre como tornar a cidade mais sustentável e amável. Destacamos a seguir algumas observações anotadas durante a palestra.
 
Peñalosa destacou muito a importância de se dar mais espaço para as pessoas na cidade. Falou que precisamos caminhar para sermos felizes e que uma cidade boa é a que oferece boa qualidade para se andar. Enfatizou a necessidade de boas calçadas, com espaços amplos e agradáveis. “Pois se a cidade é boa para os mais pobres, as crianças e os mais fracos, então é boa para todos”, argumentou.
 
Para ele, as calçadas são a parte mais importante do sistema de transportes, pois a qualidade delas determina a qualidade da cidade. “Ninguém viaja para uma cidade para fazer turismo de carro. As pessoas querem andar, ver gente”. E fez uma observação a respeito de Salvador, após ter perguntado à atendente do hotel: “Onde posso ver gente?”. A moça lhe respondeu: “No shopping”. Ponderou que os shoppings são todos iguais, aqui ou na Colômbia. E fez a ressalva: “Nova Iorque e Paris não têm shoppings. As melhores cidades do mundo não têm shoppings. Mas shopping não é o problema, é a consequência dele, de uma cidade doente, que não foi feita para pessoas”.
 
Segundo Peñalosa, o recurso mais valioso de uma cidade é seu espaço viário. Mas questionou à plateia: “Como dividi-lo entre carros, ônibus, bicicletas e pedestres, se a rua pertence a todos?” Observou que em Salvador há mais espaço para carros estacionados que para pedestres e citou o desafio de retirar os estacionamentos das ruas de Bogotá. “Quase fui deposto por isso!”, relembra o ex-prefeito, que concluiu o mandato com uma popularidade bem alta. Para ele, as pessoas não têm o direito de estacionar seus carros nas ruas. E arrancou risos da plateia ao afirmar que as constituições falam em direito à igualdade, saúde a educação, mas em nenhum lugar se fala em direito a estacionamento. “Dar prioridade ao pedestre não é uma decisão técnica, mas política”, concluiu.
 
E o que pode ser feito?
Peñalosa citou algumas medidas que podem tornar a cidade mais agradável, como priorizar as bicicletas. “Uma cidade com bicicletas é mais sensual e bonita, mais agradável e segura”. Falou ainda da importância da continuidade das calçadas, para que o motorista veja que a prioridade é do pedestre e que ele precisa parar para esperar o pedestre antes de entrar em uma rua. O carro sobe a calçada sabendo que ali o espaço é do pedestre, ao invés de o pedestre esperar que o carro entre na rua.
 
Assim como Jane Jacobs já alertava, na década de 1950, para a diversidade da rua, seu uso misto e a interação entre público e privado, Peñalosa alertou que não importa a altura do prédio, se é alto ou baixo, mas a interação dele com a rua. Ou seja, se no pavimento térreo há comércio ou de alguma forma o prédio se comunica com a rua, isso dinamiza e vivifica a cidade.
 
Criticou as avenidas como a nossa Paralela: “Autopistas são como rios venenosos, os seres humanos não podem chegar perto! Hoje se faz cidade mais para os carros que para as pessoas e o pior é que achamos isso normal! Vias rápidas destroem as cidades. É anti-humano, atravessar uma via rápida é como se fosse cruzar outro país”. Por isso, ele defende a necessidade de transformar as vias rápidas e excludentes em espaços inclusivos.
 
Peñalosa exibiu uma foto de um posto de gasolina sem calçada na frente, algo muito comum aqui em Salvador, e falou da importância de haver calçadas principalmente nestes lugares, onde o carro transita muito, pois o pedestre precisa de um espaço seguro para andar. E mostrou outra foto com um posto dotado de passeio na frente, argumentando que o passeio não atrapalha o deslocamento dos carros.
 
Parques são tão necessários quanto hospitais e escolas. Para Peñalosa, é preciso dar espaço para as crianças, num bom parque onde ricos e pobres se encontram como iguais. Quando se trata as pessoas com dignidade, a criminalidade diminui. “Uma quadra de esporte iluminada e com grama sintética faz mais pela segurança do que um posto policial”, pontuou.
 
E a mobilidade urbana?
Segundo Pañalosa, enganam-se os que pensam que resolver engarrafamento é resolver a questão da mobilidade urbana. As duas coisas são distintas. Mobilidade urbana se resolve com transporte público de qualidade e engarrafamento se resolve com restrição ao uso do carro. Pensar que se resolve engarrafamento construindo vias mais largas e viadutos é como apagar fogo com gasolina. Só as limitações ao uso do automóvel, como restrição de estacionamentos nas áreas comerciais e de escritórios, e impostos tipo pedágio urbano, que sejam revertidos para subsidiar o transporte público, é que resolvem os engarrafamentos.
 
Uma pessoa da plateia perguntou a opinião dele sobre um governo que estimula a indústria automotiva, para a implantação de fábricas e a redução de impostos, e ele respondeu que o problema não são as pessoas terem carros, mas as pessoas usarem os carros nos horários de pico. “A pessoa pode ter seu carro, mas deve usá-lo de forma mais racional, nos horários de menos trânsito ou para viajar no final de semana”, sugeriu.
 
Peñalosa citou ainda o uso de faixas exclusivas de ônibus como sugestão para resolver o problema da mobilidade urbana. “Ônibus no engarrafamento é como o tempo em que mulher não podia votar, é falta de democracia”, comentou. Ou seja, quando se prioriza o transporte público, para que todos tenham acesso a ele, só fica em engarrafamento quem quiser.
 
Os críticos de Peñalosa resumem suas ideias à defesa do BRT, entretanto outros temas foram tratados na palestra. E, aqui para nós, prefiro o Transmilênio adotado em Bogotá, com todas assuas falhas, ao metrô “tobogã” e “calça-curta” de Salvador. Não sou contra termos um metrô em Salvador, mas discordo do projeto apresentado: trata-se de um investimento alto para um projeto sem uma base de dados para definir alternativas mais econômicas e ambientalmente mais viáveis com foco no cidadão. Só para se ter uma ideia, a pesquisa de mobilidade urbana na Região Metropolitana de Salvador, que mapeia as reais necessidades da população, ficou pronta depois do projeto e, mesmo assim, não se revisou o projeto original.
 
Enfim, Salvador é uma cidade com imensos problemas em sua mobilidade urbana e os governos ainda não encararam a questão com seriedade e vontade de chegar a uma solução. É imprescindível buscar um enfoque mais atual e com medidas efetivas, que volte a dar ao cidadão dignidade e um tratamento que inclua conforto, segurança e qualidade de vida. É hora de pensar em mudança de paradigma.

 

Texto originalmente publicado no Blog Rua da Gente

 

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