Enrique Peñalosa: "Espaço viário pertence a todos, com carro ou não"

Ex-prefeito de Bogotá vem ao Brasil em setembro participar da Cúpula de Prefeitos no RJ. Nesta entrevista, ele conta como a capital colombiana se tornou mais equitativa

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Fonte: Embarq Brasil  |  Autor: Embarq Brasil  |  Postado em: 01 de julho de 2015

Peñalosa estará no Brasil em setembro

Peñalosa estará no Brasil em setembro

créditos: Colin Hughes/ Flickr

 

Nesta entrevista para o site do Embarq Brasil, que o Mobilize reproduz a seguir, o ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa fala das lutas que enfrentou quando se dispôs a transformar a capital colombiana numa cidade mais equitativa, organizada e inclusiva. Peñalosa estará no Brasil* em setembro para participar da Cúpula de Prefeitos no Rio de Janeiro, evento que discutirá alguns dos assuntos que Peñalosa vivenciou como gestor público: a criação de uma cidade para pessoas, o desenvolvimento orientado pelo transporte e a construção de uma visão estratégica para cidades. 

 

Como prefeito, você foi responsável por inúmeras, às vezes radicais, melhorias na cidade de Bogotá. O resultado trouxe mais felicidade às pessoas? 

Nós construímos uma cidade mais para pessoas, menos para os carros. Tiramos dezenas de milhares de carros das ruas e fizemos novas calçadas. Produzimos comerciais de TV explicando que as calçadas são para conversar, para brincar, para fazer negócios e para nos beijarmos. Fizemos a revolução das calçadas. O Transmilênio, um sistema BRT, também foi um símbolo muito poderoso de equidade, porque tirou espaço dos carros e deu ao transporte público. Pela primeira vez, as pessoas que usam transporte público vão mais rápido do que aquelas que usam o carro. Isto demostra que a democracia existe, mostra que os cidadãos são iguais. Talvez a conquista que mais me orgulha é a Alameda El Porvenir, que possui uma ciclovia rápida de 15 m de largura e 24 km de extensão e que é usada por milhares de pessoas diariamente para ir ao trabalho. Além desta, a Rota Verde Juan Amarillo Green Way, que liga partes mais ricas da cidade às partes mais pobres, através de uma via verde, também me orgulha. Começamos a construir escolas de alta qualidade em bairros pobres, com bibliotecas para mostrar que o conhecimento é mais importante do que a fortuna. 

 

Quais transformações deram mais dor de cabeça a você, como prefeito? 

O mais importante é perceber que fizemos o que ninguém mais teria feito. Era um conceito completamente novo, novas ideias. Então, nós tivemos muitos conflitos. Talvez o mais difícil tenha sido tirar dezenas de milhares de carros das calçadas. Houve um processo de coleta de assinaturas para meu “impeachment”.  Para implementar um sistema de ônibus, nós travamos uma enorme guerra contra os operadores tradicionais, eles entraram em greve e a cidade ficou quente. Foi uma batalha também para criar parques, porque muitos deles foram fechados pela iniciativa privada. Travamos batalhas ao recuperar a área central que tinha sido tomada pelos traficantes de drogas – uma área localizada a apenas dois quarteirões do Palácio Presidencial e da praça central. Houve conflito também para construir espaços públicos, praças que foram completamente tomadas pelos vendedores de drogas. O clube de campo mais elitizado, que tinha as famílias mais poderosas como membros, teve uma parte de sua área expropriada para a criação de um parque público.  

 

Você disse que "sonha com uma cidade tropical, atravessada por grandes avenidas de pedestres, sombreadas por enormes árvores tropicais, como eixos de vida das cidades". Foi capaz de conquistar esta cidade? 

Fui prefeito por apenas três anos e na Colômbia não há reeleição prevista na Constituição. O período agora é mais longo, de quatro anos.  As cidades que temos hoje – todas as cidades do mundo – estão muito erradas. Estamos tão acostumados com elas que achamos normal – viver com medo, de ser morto. Mas isso não pode ser normal. Para viver em cidades nós temos que criar lugares com centenas de quilômetros de vias verdes. Com pessoas e bicicletas nas ruas. Em que você possa cruzar a cidade em todas as direções sem carros. Vai levar algumas centenas de anos para corrigir isso, mas a mudança virá no momento em que percebermos que o que temos hoje é completamente maluco. Que não é o ideal para os humanos no futuro. 

 

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, está sendo criticado pela construção de centenas de quilômetros de ciclovias e ciclofaixas. Que conselho você daria a ele ou a qualquer outro prefeito que faz mudanças ousadas e enfrenta fortes oposições? 

O que o prefeito Fernando Haddad está fazendo é muito corajoso. Um dos problemas mais ideológicos e políticos de nossa era é como distribuir o espaço viário. Espaço viário é o bem mais precioso que uma cidade tem. Poderíamos encontrar petróleo ou diamantes no solo de São Paulo, mas isso não seria tão valioso quanto o espaço viário. Como podemos distribuir o espaço viário entre pedestres, ciclistas, transporte público e carros? O espaço das vias pertence igualmente a todos os membros da sociedade, independente de eles terem carro ou não. Pertence tanto a quem está numa rodovia quanto a uma criança sobre a bicicleta. É uma questão, portanto, de democracia. Quem decidiu que deveríamos dar mais espaço aos carros que às pessoas? Quem decidiu que deveríamos ceder espaço para estacionar carros? Devemos lembrar que o estacionamento não é um direito constitucional. O governo não tem obrigação de prover espaço para estacionamento; então acho que é uma discussão sobre democracia. Quando construímos nossas ciclovias na Colômbia, havia poucos ciclistas, quase ninguém utilizava bicicletas. Agora temos cerca de três mil pessoas de bicicleta todos os dias. Devemos lembrar que mesmo numa cidade gigante como São Paulo mais da metade das pessoas percorrem deslocamentos menores que 5 km; então é bem possível que, em algumas décadas, 20% da população utilize bicicletas – não será possível em um ano ou dois, mas talvez em 20 anos. Precisamos lembrar às pessoas que os carros não lhes dão mais direitos sobre o espaço da via que às pessoas sem carro.  

 

O que você aprendeu sendo prefeito? 

Quando virei prefeito foi preciso mudar completamente o modelo de cidade. Ninguém acreditava no que estávamos fazendo. Muitas das coisas que criamos agora parecem óbvias. Todos concordam em termos as calçadas amplas, ciclovias e prioridade ao ônibus. Então aprendi que precisamos encontrar mais formas de comunicação com os cidadãos, para explicar sobre o que está acontecendo e estimular sua participação. Para ser um bom prefeito você precisa ter sonhos, ter amor pelo que está fazendo. Para ser um bom prefeito é preciso ter muita preocupação com a igualdade. Ao adotar a propriedade privada e o mercado, a nossa sociedade atual compromete a maioria dos seus recursos. É inevitável a desigualdade de renda. Fazer uma cidade para pessoas é fazer uma cidade onde ninguém se sente inseguro ou explorado. Para ser um bom prefeito às vezes é preciso tomar decisões impopulares, e convencer as pessoas de que no final será o melhor para a cidade. 

 

Qual conceito desenvolvido na sua experiência com cidades você gostaria de ver espalhados pelo mundo? 

As cidades são o que de mais importante estamos fazendo na nossa época. Quando escolhemos uma cidade, escolhemos um estilo de vida. Hoje, diferente de anos atrás, as pessoas passam menos tempo em casa e mais em atividades fora. Então é ainda mais importante para a felicidade humana o modo como cidades são. A cidade deveria ser um lugar divertido. Um lugar de onde as pessoas não desejassem ir embora. Temos que construir cidades onde as pessoas sejam felizes no espaço público. Uma cidade deve promover felicidade.   

 

*Enrique Peñalosa virá ao Brasil com o apoio da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro)

 

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