Secretário de SP conversou com Janette Sadik-Kahn. Por telefone.

Mauro Calliari conta o que a ex-secretária de transporte de Nova York disse a Sergio Avelleda, responsável pela mobilidade em SP. Está no Estadão de hoje (26)

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Fonte: Caminhadas Urbanas  |  Autor: Mauro Calliari / Edição de Mobilize Brasil  |  Postado em: 26 de maio de 2017

Ciclovias e pracinhas ocupam espaços antes usados

Nova York: bikes e pracinhas ocupam espaços nas ruas

créditos: Arquivo NYC DOT

 

Em seu blog Caminhadas Urbanas, no Estadão, Mauro Calliari contou detalhes da conversa entre a ex-secretária de transporte de Nova York, Janette Sadik-Kahn, e o secretário de mobilidade de São Paulo Sergio Avelleda.

O texto foi reproduzido hoje (26) de manhã pelo Mobilize, mas na edição cometemos dois erros:
1. Avelleda não viajou a NYC. Conversou com Janette por telefone com a mediação do jornalista Mauro Calliari;.
2. Na edição alteramos o título e por isso reproduzimos o original:

Como São Paulo pode se inspirar na experiência de Nova York para melhorar a qualidade de vida nas ruas e reduzir mortes no trânsito"

A ex-secretária de transporte de Nova York, Janette Sadik-Kahn conversou com o secretário de mobilidade de São Paulo Sergio Avelleda sobre ruas, segurança, acidentes e desenho urbano.

Janette ficou conhecida pelas ações que mexeram com Nova York durante a gestão do prefeito Michael Bloomberg: o fechamento da Times Square para carros, a implantação de mais de 60 praças, a redução de velocidade, a implantação de mais de 600 km de ciclovias, a prioridade para o transporte público e, principalmente, o redesenho das ruas para melhorar a vida do pedestre.

 

 

Tratar as ruas como espaço público
Ruas são lugares de encontro, de experimentar a cidade. Com calçadas estreitas, com carros zunindo a 60, 70, 80 km por hora, porém, nada disso acontece. É preciso pensar no lugar de permanência, não só como lugar de passagem.

 

O ponto de Janette é que as cidades globais também concorrem para atrair pessoas e negócios.  Cidades mais ativas atraem pessoas dispostas a inovar, a experimentar e fazem mover a economia. E cada vez mais essas pessoas estão valorizando a vida em cidades em que dá para trabalhar, encontrar pessoas e se divertir sem pegar um carro.

 

 


Testar e medir os resultados
A melhor maneira de promover mudanças é fazer testes e apresentar resultados convincentes. As pessoas achavam estranhíssima idéia de fechar o trânsito na Times Square. Então, Janette sugeriu um teste. Durante seis meses, mediram tudo. Se desse errado, a praça seria reaberta. Mas deu certo: o comércio aumentou, o número de visitantes e turistas aumentou, o tempo de permanência na praça aumentou e o trânsito não virou um colapso.

 

Os números ajudaram a tomar a decisão e nós precisamos muito começar a medir algumas coisas. Por exemplo, o movimento do varejo em ruas com ciclovias. Quanto caiu, quanto subiu, quais lojas perderam movimento, quais ganharam. A falta de informação atrapalha a qualidade do debate

 

A experiência concreta da vida na rua é o melhor indicador de qualidade
Um desenho urbano que atrai mais pessoas fala por si só. Basta ver pessoas sentadas numa ilha onde havia carros estacionados e se constata o poder de uma rua vital. Isso pode ser feito em qualquer região da cidade, no centro ou nas periferias, e não custa muito. Mas é preciso um bom desenho.

 

Redução de velocidade é a medida mais eficiente contra as mortes no trânsito
Nada funciona tanto quanto a redução de velocidade, pela simples razão que a letalidade do impacto entre nossos corpos frágeis e as latas de mais de uma tonelada aumenta exponencialmente. Em Nova York foram implantadas as zonas 30, ou seja, aproximadamente 45 km por hora. Em São Paulo, há a idéia de espalhar as zonas 40km/hora, que permitem que um motorista consiga frear quando vir uma criança correndo na rua e que não atormenta quem está na calçada com o ruído do motor acelerando.

 

 

 

 Nova York multa muito. Mas também redesenha as ruas para reduzir as velocidades
Sim, os motoristas em Nova York também são multados e também reclamam. A ex-secretária de transportes diz que multar quem comete infrações é inevitável e educativo. Mas há também outro método sendo testado cada vez mais: redesenhar as ruas para que os motoristas simplesmente não possam correr muito; principalmente nos cruzamentos, o objetivo é evitar que o motorista possa fazer curvas sem frear ou que uma faixa de pedestres não seja respeitada.

 

Sempre vai haver descontentes
Janette Sadik-Kahn conta que mesmo em Nova York, as decisões não foram fáceis de serem tomadas. Motoristas não gostam de perder espaço na rua nem para pedestres, nem ônibus, nem bicicletas. Mas, segundo ela, mais espaço para os carros significa apenas produzir um novo congestionamento.

 

Há uma métrica que pode ajudar a tomar decisões: o número de pessoas transportadas, não mais o número de veículos. Assim, fica mais fácil entender porque um ônibus tem que ter prioridade. Muitas vezes, há mais pessoas passando pelas calçadas do que trafegando na rua e mesmo assim, a área dedicada aos carros é muito maior.

 

Transporte público precisa ser bom
Não é fácil estimular alguém a trocar carro por transporte público. Mas acontece cada vez mais. Em Nova York, alguns corredores de ônibus aumentaram a velocidade média e permitiram um complemento para o metrô. Em São Paulo, precisaríamos de mais linhas de metrô, e enquanto isso, o ônibus tem que ser muito mais eficiente para que as pessoas não sejam punidas por estarem usando o transporte público, principalmente para quem mora mais longe do centro

 

Ciclovias precisam formar uma rede
No caso de Nova York, além de seguras, as ciclovias se conectam umas com as outras, oferecendo alternativas para quem trafega de bicicleta, própria ou da Citibike, as bicicletas da cidade.

 

Mudanças precisam ser negociadas com as pessoas
Janette conta que um dos principais trabalhos da prefeitura é conversar e se comunicar com as pessoas, até que haja uma concordância nos princípios das mudanças. Inicialmente, o espaço é de conversa e só depois é que se passa para os desenhos. Mudanças só serão aceitas se forem legitimadas por quem vai viver ali: moradores, comerciantes, passantes, etc. Aqui, poderíamos usar muito mais os tantos conselhos de moradores e temáticos que temos, além da Associação Comercial e tantas outras que congregam atividades que mexem com a rua. O Conselho Municipal de Trânsito, por exemplo, já tem até uma câmara temática para a mobilidade a pé.

 

É preciso que a cidade tenha uma visão comum
Em Nova York, houve um compromisso do prefeito Bloomberg de melhorar a qualidade de vida na cidade. A secretária de transportes ficou responsável por fazer com que o transporte, a vida nas ruas e os espaços públicos refletissem essa visão.

 

Esse talvez seja o nosso maior nó. Aqui, a dificuldade vai ser ter uma estratégia clara que junte todas as secretarias para melhorar a vida nas ruas, reduzir mortes e privilegiar a combinação de meios de transporte.

 

Apesar de algumas interessantes iniciativas promovidas pela Secretaria de Mobilidade, como o Maio Amarelo,  nossa discussão fica à sombra da discutibilíssima decisão do aumento da velocidade nas marginais, sem que haja uma clareza sobre o que vai ser feito no resto da cidade. Afinal, qual é o papel dos espaços públicos na construção de uma vida melhor?

 

Em Nova York, a redução das mortes e a fruição nas ruas era uma meta prioritária e veio acompanhada de uma intensa valorização dos espaços públicos. Aqui, a redução das mortes no trânsito vai provavelmente fazer parte das mais de cem metas obrigatórias que a prefeitura deve aprovar na câmara. É uma das mais importantes e deve ser cobrada, não como mais uma, mas como prioritária, apoiada explicitamente pelo prefeito. O ideal é que fosse acompanhada de uma série de outras ações para melhorar a experiência de estar na cidade.

 

Precisamos desacelerar o carro e acelerar as melhorias na cidade, para podermos andar sem medo por aí e tocar a vida que merecemos.


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