Pascal, o inventor do transporte coletivo

Matemático, filósofo e inventor, Blaise Pascal criou o primeiro sistema público de transportes, em Paris, em 1672. No Brasil, a novidade chegou em 1808

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Fonte: BBC News Brasil  |  Autor: Marcus Lopes BBC News Brasil  |  Postado em: 24 de setembro de 2018

Ilustração sugere como seriam as Carrosses a Cinqu

Ilustração sugere como seriam as "Carrosses a Cinque Sols"

créditos: Mary Evans Picture Library

Matemático, inventor, físico, filósofo, autor e sábio geral , Blaise Pascal também se tornou conhecido por criar o primeiro sistema de transporte coletivo conhecido no mundo moderno. Para facilitar a vida dos cidadãos, Pascal imaginou um sistema de transporte urbano de carruagens com itinerários fixos, tarifa e horários regulares. O filósofo sugeriu ao duque de Roaunez pedir permissão ao rei Luis 14 para explorar o serviço, no que foi atendido.

A passagem do sistema pioneiro custava cinco "sols", oriunda de "sou", moeda que circulava na França na época de Luis 14. Eram três linhas iniciais. A primeira servia entre a porte Saint-Antoine e o Luxembourg e começou a operar em 18 de março de 1662.  Em 11 de abril foi inaugurada a segunda linha, que ia da Rue de Saint-Antoine até a Rue Saint Honoré. A terceira e última rota foi aberta em maio daquele ano e ligava o bairro de Montmartre ao Luxembourg.

O sistema começou em 1672 com sete veículos puxados por cavalos percorrendo rotas regulares. Cada um  poderia transportar seis ou oito passageiros. Algumas fontes especificam que a iniciativa atendia a três linhas; outras indicam que eram seis e que uma delas era uma rota circular, mas todas em Paris. O Carosses à Cinq Sous foi um sucesso entre a população parisiense, conforme depoimento da própria irmã de Pascal, Gilberte Pérrier, presente ao evento de inauguração: "O 'estabelecimento' iniciou sábado às sete horas da manhã, mas com um brilho e pompa maravilhosos. Distribuíram-se as sete carruagens que ocuparam esta primeira rota", registrou Gilberte. 

 


Placa, em Paris, homenageia Blaise Pascal e lembra sua criação de 1662


Lotação inesperada
Mas na viagem inaugural já começaram os conhecidos problemas de mobilidade urbana e transporte enfrentados pela população até hoje. "A coisa obteve tanto sucesso que, desde a primeira manhã, havia uma quantidade de carruagens cheias; mas, depois do almoço, havia uma multidão tão grande que não se podia se aproximar delas, e os outros dias foram iguais. De modo que o maior inconveniente delas é aquele temido: a multidão nas ruas esperando uma carruagem, mas quando ela chega está cheia."


"Alguns (passageiros) diziam que o sistema ele foi perfeitamente bem concebido, mas que era uma grande falha só haver sete carruagens na rota, e que elas não davam nem para a metade das pessoas que dela necessitavam", completou a irmã de Pascal. Na época, Paris já era uma grande cidade, com mais de 500 mil moradores, mas a França ainda era uma sociedade feudal, com o Rei Sol no comando absoluto. Por isso, apenas os nobres foram autorizados a usar esses avôs dos ônibus,  mas não os soldados e camponeses, oque limitou o crescimento do sistema. Os serviços regulares de ônibus somente voltaram a Paris no início do século 19, quase ao mesmo tempo em que surgiram em Londres e Nova York.


"Imaginamos que os grandes filósofos estão sempre no mundo das ideias e longe do cotidiano das pessoas, o que não é verdade", explica o filósofo Luis César Oliva, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). "Quando estudamos a vida deles a fundo, descobrimos o quanto eles eram humanos e tinham um cotidiano como nós, o que é incrível", completa Oliva, que fez o seu mestrado e doutorado sobre a obra de Blaise Pascal.

 

"Pascal era um grande pensador. Ele conseguiu enxergar, já naquela época, que para uma cidade progredir é necessário resolver o problema de mobilidade urbana", diz o pesquisador em história do transporte público Eurico Galhardi, autor do livro Conduzindo o Progresso - A História do Transporte.


No Brasil, em 1808
Segundo Galhardi, após o encerramento do projeto de Pascal, o transporte público sobre rodas renasceria muito longe da França, mais precisamente no Brasil. "Criamos o segundo projeto de transporte coletivo no mundo", diz Galhardi, que é presidente do conselho diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).


A chegada Família Real ao Brasil, em 1808, instituiu a cerimônia do "beija-mão", em que os súditos iam até a Corte para agradar o rei chegado de Portugal. O problema era a distância a ser percorrida pelo povo para chegar à cerimônia no palácio e tentar alguns favores, perdões ou mesmo benefícios reais.


Para resolver isso, em 18 de agosto de 1817 o rei D. João 6º assinou um decreto que autorizava um dos empregados da Corte, Sebastião Surigué, a explorar um serviço de carruagens entre o Paço Imperial, no centro do Rio de Janeiro, e a Fazenda Santa Cruz, a cerca de 50 km e uma das residências oficiais da Família Real. "Esse decreto é uma verdadeira certidão de nascimento do transporte coletivo no Brasil", diz Galhardi. Os veículos eram puxados por quatro animais, os lugares eram numerados e as passagens custavam oito réis. Uma segunda linha de carruagens para facilitar o "beija-mão" ligava o Paço Imperial à Quinta da Boa Vista, outra residência oficial da Família Real e que abrigava até recentemente o Museu Nacional, destruído por um incêndio em setembro deste ano.


BRT em Curitiba
"Há muito tempo sabemos a necessidade de criar formas de deslocamento coletivos para as pessoas se movimentarem", diz o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha. A entidade desenvolve diversos estudos e projetos de mobilidade urbana no país. Cunha lembra que o Brasil é pioneiro também em outra modalidade de transporte que posteriormente se espalhou pelo mundo: o Bus Rapid Transport (BRT), criado em Curitiba (PR) na década de 1970 pelo então prefeito Jaimer Lerner. Na época, a ideia era desenvolver um sistema de transporte sobre rodas rápido e eficiente como o metrô, mas a custos menores do que o transporte subterrâneo. "Apesar do nosso pioneirismo em criar sistemas, pagamos um alto preço por não ter políticas públicas eficientes de transporte coletivo para facilitar a mobilidade urbana em nossas cidades. Com isso, deixamos de fazer o que o resto do mundo fez nesse sentido, como ocorreu na Europa", diz Cunha.

 

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