O Instituto MDT acaba de concluir um estudo técnico com uma análise comparativa entre os sistemas de transporte público coletivo rodoviário de 12 capitais brasileiras: Belém, Brasília, Campo Grande, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Palmas, Porto Alegre, Salvador, São Paulo e Vitória. O trabalho abordou 24 indicadores sobre diversos aspectos do serviços de transporte público, como a frota, linhas, custo, subsídio, gratuidades, tarifas, demanda e infraestrutura exclusiva, entre outros aspectos.
A investigação foi realizada exclusivamente e diretamente junto aos órgãos gestores responsáveis pela área de mobilidade urbana/transporte de cada uma das cidades pesquisadas, com o encaminhamento de um formulário contendo todos os indicadores e respectivos subitens, além de um termo de referência com as orientações técnicas para o fornecimento dos dados.
Inicialmente, o objetivo era estabelecer um comparativo entre o Sistema de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal (STPC/DF) com o das demais capitais, para uma avaliação qualitativa entre eles, uma vez que o MDT está sediado em Brasília, tem acompanhado de perto os problemas do transporte local e vem produzindo conteúdo sobre o tema. No entanto, o estudo técnico conseguiu produzir um conjunto de dados e informações muito expressivo, que também ajuda a traçar um quadro atual dos sistemas das 12 cidades, podendo servir de referência para estudo, consulta e pesquisa para aqueles que se interessam e acompanham o tema.
Concluído o estudo técnico e mesmo tendo alcançado o objetivo pretendido, uma preocupação esteve presente durante todos os sete meses de realização do trabalho e ainda se mantém após a sua finalização: a percepção de que os órgãos gestores da área de mobilidade urbana e transporte não estão completamente organizados, que às vezes não possuem articulação com as outras áreas, e que também não contam com estruturas adequadas para a execução efetiva da política pública, mesmo em se tratando de casos de capitais e metrópoles, que supostamente teriam condições diferenciadas.
A previsão inicial do estudo era de se ter um universo de 16 capitais, mas quatro não atenderam a solicitação do MDT (Belo Horizonte, Manaus, Recife e Rio de Janeiro), exatamente sob a alegação de que as equipes técnicas eram reduzidas e já estavam totalmente comprometidas com as demandas existentes. Informavam também que a requisição dos dados exigiria a disponibilização de servidor para cuidar especificamente do pedido feito pelo Instituto, o que não seria viável naquele momento.
Entretanto, mesmo entre algumas das capitais que enviaram os dados notou-se um grau preocupante de vulnerabilidade, de desarticulação com outras áreas e de falta de estrutura do órgão gestor, uma vez que o atendimento da demanda levou tempo considerável, além do fato de que muitos indicadores nem chegaram a ser enviados, reforçando a ideia de que a informação ou não está sob a apropriação da Secretaria de Mobilidade/Transporte ou, mesmo que esteja, não é completamente acessível para parte da equipe técnica.
Como explicar e entender o fato de que informações básicas do sistema de transporte público, e aparentemente acessíveis, não foram respondidas por algumas cidades, como a idade média da frota de ônibus; as gratuidades e benefícios; o Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK); o quantitativo e o salário dos trabalhadores; a demanda do sistema; a existência de Índice de Qualidade do Transporte (IQT), de Fundo e de Conselho de Transporte Público?
Também preocupa o fato de que metade das capitais não conseguiu repassar dados sobre o custo total do seu sistema, que é uma premissa básica para o conhecimento da dimensão do serviço e para garantir transparência das informações à sociedade, eliminando as conhecidas desconfianças em relação ao modelo e, por consequência, criando canais de defesa do transporte público.
Os constantes atrasos na apresentação dos Planos Municipais de Mobilidade Urbana, além da sua implementação efetiva, já eram indicadores preocupantes e representativos da fragilidade dos órgãos gestores da política. Agora, quando avança o projeto de lei que institui o Marco Legal do Transporte Público, como esperar que os municípios e os órgãos gestores de mobilidade consigam assumir as atribuições necessárias defendidas no documento? No cenário atual há alguma chance de alcance dos princípios, diretrizes e objetivos expressos no texto da proposta de lei? Como aguardar que, baseado nas condições atuais, o poder concedente do serviço detenha e consiga divulgar as informações sobre o custo do sistema; os dados de gratuidades, oferta e demanda e os indicadores de eficiência, produtividade e qualidade, conforme expresso no Artigo 14 do projeto de lei?
A proposta de criação do Sistema Único de Mobilidade Urbana (SUM), que o Instituto MDT defende desde 2017, também pressupõe a existência de municípios com órgãos gestores de mobilidade estruturados para assumir novas funções dentro do processo de pactuação interfederativa inerente a esse modelo institucional, onde as secretarias municipais passarão a integrar instâncias gestoras com poder efetivo de decisão e deliberação acerca das questões da política de mobilidade urbana. Sabe-se que o SUM ainda é um projeto distante, mas considerando que o projeto possa avançar no futuro, até porque já há uma PEC com o tema em tramitação na Câmara Federal, os órgãos gestores já não deveriam estar organizados?
A proposta do Marco Legal sugere a criação de uma Agência Executiva Técnica, como forma de apoio ao desenvolvimento das atribuições de mobilidade urbana previstas no seu texto, e já há discussão em andamento. O Governo Federal precisa retomar o protagonismo que já teve no passado, na época da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) e do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (Geipot), quando conduzia o processo de capacitação dos entes federados, apoiando a formação e a qualificação continuada de quadros técnicos da área de transporte de municípios e estados, contribuindo para a consolidação de equipes preparadas para a execução da política, exatamente como precisamos fazer no atual cenário.
Antes disso, os municípios precisam, com urgência, promover esforços para garantir a estruturação dos seus órgãos gestores de mobilidade, realizando concursos públicos para a montagem de um quadro efetivo que tenha condições de cumprir a execução da política e em assumir as atribuições que já estavam expressas na Política Nacional de Mobilidade Urbana, mas também aquelas que estão sendo delineadas pelos novos normativos, mais o investimento significativo em qualificação permanente do seu corpo técnico. Sem a estruturação da gestão pública, corremos o risco de continuar a ver órgãos de mobilidade sem condições nenhuma de conduzir as suas responsabilidades, e isso não serve apenas para as pequenas cidades.
*Wesley Ferro Nogueira é economista e atualmente atua como Secretário Executivo do Instituto MDT. É membro titular do Conselho de Transporte Público Coletivo do DF e integra a Rede Urbanidade.
Leia a integra do trabalho "Análise comparativa entre sistemas de transporte público coletivo em cidades brasileiras"
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