'SuperVia chegou ao limite', diz presidente da empresa de trens do Rio

Empresário discute as razões do pedido de recuperação judicial feito pela companhia nesta semana como meio de poder reestruturar e manter o serviço do transporte público

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Fonte: O Globo  |  Autor: Glauce Cavalcanti  |  Postado em: 09 de junho de 2021

Supervia: Sem fôlego para manter o serviço de tren

Supervia: Sem fôlego para manter o serviço de trens no RJ

créditos: Supervia/Reprodução

Com caixa esvaziado pela queda de receita na pandemia, somado a problemas de falta de planejamento em mobilidade urbana no Rio e da própria companhia, a Supervia chegou ao limite, diz o presidente Antônio Carlos Sanches. Pedir proteção judicial foi o caminho encontrado para ter fôlego e reestruturar a operação. No curto prazo, afirma o executivo, recursos que a Supervia tem a receber do Governo do Estado são fundamentais para manter as atividades.

 

O que levou a Supervia a pedir recuperação judicial?

O transporte público no Rio de Janeiro sofre há tempos com uma série de questões não resolvidas e que vão se agravando ano a ano. O maior problema é a falta de integração dos modos de transporte e na Região Metropolitana como um todo. Deveria haver uma inteligência que olhasse isso de forma integrada, projetando para o futuro, olhando as necessidades de crescimento da metrópole. Isso não é feito. Então, cada modo (de transporte) trabalha de forma isolada. A pandemia colocou tudo isso na mesa.

 

Hoje, temos todas as empresas sofrendo com baixa demanda. Vai haver vacinação, a pandemia vai arrefecer, a economia vai melhorar com o tempo, mas não vai voltar a ser igual. É preciso trabalho de curto prazo, porque as empresas precisam de caixa para passar por esse período; de médio prazo, para, no máximo em um ano, ter estabelecido uma nova forma de trabalhar com mobilidade. O Brasil inteiro sofre com isso. Só que no Rio de Janeiro, as concessões todas dependem exclusivamente da tarifa.

 

É um problema dos contratos?

O contrato da Supervia tem mais de 20 anos. E não há modernização desse contrato que olhe, por exemplo, para uma faixa de demanda, para que se o concessionário for afetado ele tenha uma compensação e possa manter a prestação de serviço num bom nível. Seria bom para os dois lados. O reequilíbrio extraordinário, em função da pandemia, deveria ter sido resolvido rapidamente. A Agetransp [Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro] fez uma análise e recomentou que a Supervia tem direito a receber um reequilíbrio extraordinário, do período de março do ano passado até fevereiro deste ano, equivalente a R$ 216 milhões.

 

Com isso, pagaríamos nossas contas, sem incluir as dívidas. Mas você não consegue receber isso do Estado, que entrou com um embargo contra essa decisão. O governo sabe dos problemas, conhece a gravidade, há diálogo. O problema é a celeridade e a tomada de decisão. Existe caminho? Sim, tem de se construir. Mas se demorar para começar, pode ser que não se tenha o paciente vivo. Numa analogia com a covid-19, se você demorar para procurar tratamento, pode ser tarde demais.

 

Virá uma revisão de contratos?

A gente acredita que sim, porque o problema é real. Não da SuperVia, mas da mobilidade do Rio e do Brasil. Está afetando muito o setor. O PIB vem crescendo, tem uma euforia aí porque o PIB melhorou, só que está muito desequilibrado. Em alguns setores, vai bem. Em outros, muito mal. Regionalmente, por setor e na questão social também. Como comparar o PIB da Baixada Fluminense com o da Zona Sul do Rio? O nosso público é aquele mais carente, que mais sofre com a pandemia e com a economia. É impensável uma cidade como essa ficar sem a mobilidade. Essa discussão toda virá mais forte, com certeza.

 

Em paralelo, há um crédito de R$ 200 milhões junto ao Estado?

Temos dívidas de gratuidade (R$ 50 milhões), que conseguimos fechar um acordo com o Governo do Estado, faltando receber uma parcela de R$ 12,5 milhões. Mas tem os passivos que vêm de antes da privatização e não conseguimos receber esse montante (R$ 200 milhões).

 

Há negociação com o BNDES, maior credor da Supervia?

A dívida com o BNDES (R$ 840 milhões) vem de empréstimos pagos regularmente. Na pandemia, o setor metroferroviário foi beneficiado por um acordo de suspensão desses pagamentos. Deixamos de pagar R$ 200 milhões em dívida com BNDES. Ajuda? Sim, mas a empresa precisa de caixa. E, em função da situação da empresa, do comprometimento já com as dívidas, não conseguimos outros financiamentos para capital de giro. E a gente fez durante esse período todo, esforço interno, ganho de eficiência, redução de jornada e de salário, negociação com fornecedores para parcelar pagamentos.

 

Conseguimos trazer a empresa até aqui, mas chegou a um limite. Não tem mais condições de prosseguir. Por isso a entrada em recuperação, para ganhar esse fôlego, que seja aí de dois anos e pouco (de reestruturação). Nesse meio tempo, acreditamos que a demanda deve voltar, a expectativa é 2023.

 

Com a crise hídrica, o custo de energia sobe. Como será?

A gente está no mercado livre. Nosso fornecedor é a Cemig. E a Light. É nessa dinâmica que vamos continuar. Se a crise se agravar muito e tiver possibilidade de racionamento, será uma outra questão, porque o trem não tem alternativa, é energia elétrica.

 

O dinheiro do Estado do Rio reforçaria o caixa?

A participação do Estado é fundamental. Só a recuperação judicial não vai resolver o problema da Supervia. Quando eu falo de participação do Estado, além do reequilíbrio extraordinário, temos uma série de outras intercorrências que afetam muito o resultado da empresa e o serviço ao cliente. Segurança pública: o número de furtos de cabo nos primeiros quatro meses deste ano foi o dobro do ano passado inteiro. Não são apenas cabos, mas peças e partes metálicas.

 

O que estão furtando agora é um grampo que prende o trilho ao dormente. O valor número um é segurança, mas para a ferrovia, atrasa o trem, muda a grade horária. E há os tiroteios. Tudo isso, a gente vem discutindo com o governo do Estado. Tem ações que tem ajudado, sim. Mas pela questão econômica, da pandemia, aumentou muito tudo isso. E não estamos conseguindo dar conta.

 

Cogitaram devolver a concessão?

Já discutimos várias questões, como fechar o ramal menos rentável, devolver tal trecho. Isso tem a dificuldade de afetar a questão social, que tem um peso enorme. Nós colocamos isso, sim, porque afeta a nossa operação. Há trechos de extensão de ramal que dão prejuízo, mas mantemos a operação. É diferente de uma linha de ônibus. Não é uma permissão. É uma concessão, regulada. E cumprimos tudo. Discutimos com o Estado, mas não chegamos a um ponto em comum, a um consenso. A gente não pode parar a operação.

 

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