"Precisamos reduzir viagens e adotar modos limpos de transporte"

Ambientalista Carlos Bocuhy analisa novo relatório da ONU, que recomenda corte radical de combustíveis fósseis, e sugere mudanças na mobilidade no Brasil

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 09 de julho de 2021

Parte da América do Norte enfrenta recorde de temp

Parte da América do Norte enfrenta recorde de temperatura

créditos: ©Darryl Dyck/The Canadian Press/AP


O planeta sofrerá um aumento de 1,5 grau celsius na temperatura em 30 anos, ou seja, meio século antes da meta perseguida pelos pesquisadores mundiais, que seria 2100, época em que muito provavelmente a humanidade deverá enfrentar o desconfortável e insustentável prognóstico de mais 3 graus.
 O dado alarmante, que frustra as melhores perspectivas do Acordo de Paris, consta de um robusto relatório de quatro mil páginas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que será divulgado oficialmente em 2022, mas que já tem uma síntese publicada (acesse aqui) para consulta.


Entre nós, o tema foi analisado em um artigo nesta semana no jornal O Estado de S. Paulo, assinado pelo renomado ambientalista Carlos Bocuhy. O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) conversou com o Mobilize e apontou uma perspectiva para o que nos aguarda no Brasil, especificamente na mobilidade urbana, caso esse cenário se confirme. Isso, diz o especialista, se nada for feito pelas autoridades, empresas e sociedade no sentido de reduzir as taxas de emissões dos veículos, e se não agirmos com urgência na execução de políticas públicas sustentáveis, como o teletrabalho e ações por um transporte público "descarbonizado" e favorável aos deslocamentos ativos, explica o especialista.  

 

 
Carlos Bocuhy alerta para a poluição no ambiente urbano. Foto: Reprodução Rede Alesp

 

Os dados trazidos pelo sr. do Painel de Mudanças Climáticas apontam para um futuro ainda pior do que se imaginava para a vida e o clima do planeta. Na mobilidade urbana, o que já poderíamos estar fazendo para tornar mais sustentável nosso dia a dia?
Em primeiro lugar, é importante destacar que a realidade da pandemia no país evidenciou, mesmo que de forma difícil para a sociedade, que nossos deslocamentos não eram tão necessários como imaginávamos... Muita gente vem conseguindo trabalhar de casa, dar conta de suas tarefas profissionais e outras, sem ter que empreender longos trajetos. E sabemos que deslocamentos pela cidade implicam mais poluição, perda de tempo, perda do convívio familiar. Então, nesse cenário, o teletrabalho surgiu como  alternativa. 

 

O teletrabalho já era uma necessidade que tentava se instituir na sociedade, mas que não recebia apoio de governos estaduais, municipais e federal.


Já nos Estados Unidos, essa modalidade de trabalho é vista como objetivo, e em alguns estados os funcionários já cumprem 20% de suas jornadas semanais de casa. Principalmente na região Norte do país, o trabalho remoto é obrigatório por lei, e tem aprovação das empresas, que recebem incentivos fiscais para isso. No Brasil, todas as tentativas de implementar o teletrabalho como meio de racionalizar e reduzir os deslocamentos não foram bem-sucedidas, em grande parte porque os governos não tiveram essa compreensão. Se posso dizer assim, esta é a lição positiva da covid - apesar do infortúnio humano e social que veio junto. Lembro ainda que temos hoje à disposição novas plataformas de trabalho, que permitem a execução melhor das tarefas à distância, o que torna tudo mais fácil. 

 

Mesmo com soluções como o trabalho remoto, claro que boa parte da população ainda precisará se deslocar diariamente, e usando veículos poluentes. Como pensar em um futuro melhor, assim? 
Este é o segundo ponto que queria destacar, o problema das emissões. Vivemos em áreas saturadas devido à poluição atmosférica, decorrente principalmente dos veículos em circulação, em grande parte compostos por caminhões e ônibus movidos a diesel. O diesel é altamente poluente, e lança na atmosfera, além do dióxido de carbono (CO2), o material particulado que é gerado pela queima incompleta desse combustível. 

 

Quais os prejuízos à saúde humana dessa poluição intensa em nossas cidades?
Essas partículas, tanto o PM 10 [tamanho entre 2,5 e 10 micrômetros] como o menor, o PM 2,5 [2,5 micrômetros], entra pelas vias respiratórias e o corpo humano não consegue se defender, de tão minúsculas; são nanopartículas. Esse descontrole precisa ser interrompido, o que significa dizer principalmente que a tecnologia tem que mudar. Hoje utilizamos no Brasil o motor padrão Euro 5, que deve mudar para uma alternativa mais limpa, o Euro 6. Nessa tecnologia mais avançada a queima nos motores é mais completa, e permite eliminar 90% da poluição hoje lançada na atmosfera. Além dos ônibus e caminhões, temos a enorme emissão dos veículos automotores, a da frota gigantesca dos veículos movidos a gasolina. Esses autos lançam na atmosfera grandes quantidades de óxidos de nitrogênio (NOx), que reagem com a luz solar e provocam ozônio de baixa altitude (O³), um agente poluidor que provoca no organismo humano problemas no trato respiratório e nos olhos, ataca a retina... 

 

... Conclusão?
É, temos aí uma série de problemas, enquanto o Brasil não fizer sua lição de casa. O que significa implementar um modal limpo para o transporte e estabelecer políticas públicas que permitam reduzir os deslocamentos. Enquanto não mudarmos a tecnologia para eliminar poluentes, algo a se fazer urgentemente no Brasil, ficamos assim atrasados em relação ao resto do mundo. É preciso haver iniciativas de parte da sociedade civil, que estimulem esses processos, não apenas pressionando por um ar mais limpo, como também para evitar os deslocamentos desnecessários. 

 

E qual parte cabe à sociedade civil e aos governos, nesse processo para mudança para salvar o meio ambiente?
Naquilo que depende do comportamento humano, a sociedade pode mudar, mas no que diz respeito à política atmosférica, temos aí um problema do qual as pessoas não conseguem se defender, não é mesmo?


Podemos até escolher o que vamos comer, qual alimento utilizar e, em alguns casos, tendo recursos para essa escolha, até a água que vamos beber. Mas não é possível escolher o ar que se respira.


Numa região metropolitana como São Paulo, nada mais "democrático" do que a poluição atmosférica: ela atinge ricos, pobres, todos... ninguém consegue escapar. E é muito grave, pois são 51 mil óbitos por ano no Brasil causados pela poluição outdoor que respiramos. Temos que mudar o nosso modus vivendi para conseguir eliminar esses problemas e ter uma vida com mais qualidade. 

 

Que soluções de mobilidade o sr. destaca para caminharmos nessa direção?
Devemos trabalhar por exemplo com modais não agressivos à condição atmosférica, como o incentivo ao uso das bicicletas, a formas de deslocamento por transporte coletivo e até a pé, no caso de pequenas distâncias. Deveríamos inclusive estabelecer áreas na cidade onde não seria permitida a entrada de veículos automotores, criando polos de ar limpo. Com isso, iríamos desenvolvendo pouco a pouco esse processo de transformação na sociedade. No futuro, tudo isso traria um benefício enorme, para a saúde pública e para as populações em geral. Essa é a grande luta que a sociedade tem que rapidamente empreender, se quiser buscar um modelo mais saudável, com maior qualidade de vida para as nossas cidades. 


Leia o artigo de Carlos Bocuhyhttps://outline.com/VqfUHE

 E ouça o Expresso #48, com Carlos Bocuhy:



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