A faixa de motos na av. 23 de Maio, em SP: uma vacina contra acidentes?

O respeitado especialista Eduardo Alcântara Vasconcellos discute a segurança para motocicletas e traz algumas reflexões sobre o projeto-piloto da "faixa azul"

Notícias
 

Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Eduardo Alcântara Vasconcellos*  |  Postado em: 28 de janeiro de 2022

Faixa Azul na avenida 23 de Maio, em São Paulo: em

Faixa Azul na avenida 23 de Maio, em São Paulo: em avaliação

créditos: CET/SP

 

Em artigo, Eduardo Alcântara Vasconcellos faz algumas reflexões sobre o projeto-piloto da "faixa azul" para motocicletas, que está processo de avaliação na Avenida 23 de Maio, em São Paulo. Não é um texto conclusivo, porque a experiência está em curso, mas joga boas luzes sobre esse desafio urgente no trânsito brasileiro 


A proposta da Prefeitura de São Paulo de implantar uma faixa na avenida 23 de Maio para uso das motocicletas - felizmente sem prejudicar a circulação dos ônibus - faz parte de um conjunto de medidas que procuram reduzir a quantidade e a gravidade de acidentes com motocicletas na cidade. Embora algumas ações anteriormente aplicadas não tenham atingido seu objetivo, esta nova iniciativa é pertinente, pois será implementada em uma via de grande importância na cidade, que permite um controle permanente do trânsito, podendo abrir o caminho para intervenções semelhantes em outras vias da cidade e talvez em outras localidades do país. 

 

É necessário reduzir com urgência o enorme impacto negativo causado pela entrada em massa da motocicleta nas ruas, avenidas e rodovias brasileiras. Apoiada por uma política fiscal generosa do governo federal, a frota de motocicletas no Brasil aumentou de 1,5 milhão em 1990 para 17 milhões em 2012, sem a preparação necessária dos motociclistas e da sociedade em geral. Como consequência, entre 2000 e 2014 foram pagas 222.580 indenizações por mortes de motociclistas e 1,6 milhão de indenizações de motociclistas por invalidez.


Demoramos a impor limites aos abusos dos sistemas de entrega de pequenas cargas, que aumentaram em todo o país; demoramos a fiscalizar o limite de passageiros na moto e o excesso de velocidade, especialmente nas grandes vias urbanas e nas rodovias. Também não houve fiscalização rigorosa do uso de capacete, de roupas adequadas e do consumo de álcool pelos motociclistas.


Em todas as sociedades, sejam pobres ou ricas, a motocicleta é o veículo mais perigoso e frágil, estando associada a maiores cifras de mortes por número de veículos circulando ou por quilômetros rodados. Apesar do esforço feito em várias sociedades, poucas lograram reduzir os acidentes em grande escala. O problema central é que a motocicleta não tem um equipamento eficaz que possa proteger o condutor e seus passageiros; em caso de acidente, o veículo em si, e o corpo do motociclista e de outros passageiros recebem a energia cinética produzida pelo choque; ademais, os motociclistas têm dificuldade em ver os veículos que circulam por perto e não são vistos com facilidade pelos motoristas, sendo este o principal risco da nova faixa, que não é exclusiva e em vários momentos será cruzada pelos automóveis.


Assim, os usuários da motocicleta estão sempre em situação perigosa quando circulam em vias com veículos de grande porte, cujos condutores não conseguem ver o motociclista de forma adequada. Uma ação bem sucedida a este respeito foi a redução da velocidade de circulação nas Marginais Tietê e Pinheiros entre 2014 e 2015, por onde passam muitos caminhões de grande porte, e que levou à redução de 35,1% dos acidentes com vítimas e de 32,8% de todas as mortes (CET-nota técnica 247/2016).


Guardadas as proporções e as naturezas de dois fenômenos atuais, podemos fazer uma comparação com a pandemia em que vivemos há mais de dois anos: até janeiro de 2022 ocorreram 630.000 mortes pela Covid 19, e um número grande, ainda não calculado, de pessoas com sequelas. Todavia, enquanto o enfrentamento da Covid 19 passou a contar com a vacinação, que salvou um grande número de pessoas e reduziu as ocorrências mais graves, as condições dos motociclistas continuam precárias. Talvez, pensando de forma otimista, a "faixa azul" possa ser uma vacina para reduzir o morticínio de motociclistas.

 



*Eduardo Alcântara Vasconcellos é engenheiro, sociólogo, doutor em Ciência Política (políticas públicas) pela USP e pós-doutor em Planejamento de Transportes pela Cornell University. É autor de vários artigos, pesquisa e livros sobre o tema, com destaque para "Risco no trânsito, omissão e calamidade - Impactos do incentivo à motocicleta no Brasil (Editora Annablume, 2016).

 

Leia também: 
Faixa Azul para motos: o teste continua em SP
Faixa para motos começa a funcionar na Av. 23 de Maio, em SP
Brasil, 3º do mundo em mortes no trânsito. Como pacificar essa guerra?
Sinistros com motos batem recorde no país, revela pesquisa
Uber Moto não pode operar no Recife
Afinal, motocicleta é um veículo seguro?


  • Compartilhe:
  • Share on Google+

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário