Desapropriações podem gerar onda de ações contra governo de SP

Governo alega que medida irá acelerar a desapropriação para construir obras importantes, como do metrô

Notícias
 

Fonte: Terra  |  Autor: Marina Novaes  |  Postado em: 13 de abril de 2012

Governo alega que medida irá acelerar a desapropri

Governo alega que irá acelerar a desapropriação

créditos: Aloisio Maurício/Terra

Uma ação do governo de São Paulo no Supremo Tribunal Federal (STF) tem causado polêmica no meio judiciário. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) pede na Justiça o direito de pagar o valor venal para obter a posse dos imóveis desapropriados a fim de realizar obras públicas. Entretanto, no Estado, uma súmula do Tribunal de Justiça (TJ-SP) garante que os proprietários recebam o equivalente ao valor de mercado do imóvel, determinado após uma perícia realizada antes da desapropriação. O problema é que, geralmente, o valor de mercado é bem maior que o venal, pois é influenciado pela valorização imobiliária da região, enquanto o venal é basicamente a somatória do preço do terreno e dos gastos com a construção.

 

De acordo com o governo, um dos objetivos da medida é evitar atrasos de projetos importantes, os quais dependem de desapropriações. Um exemplo seria a Linha 17-Ouro do Metrô (monotrilho), obra autorizada pelo governador no fim de março, e cujo projeto prevê desapropriar 41 terrenos, 35 imóveis comerciais e 85 residências na região do Morumbi, na zona sul da capital paulista - cerca de R$ 238 milhões serão gastos com indenizações.

 

Por lei, qualquer propriedade pode ser desapropriada no Brasil, desde que o governo declare a utilidade pública do local - que pode ser desde a construção de um monumento ou um estádio, até para fins de segurança, por exemplo. A desapropriação independe da aceitação do proprietário, que tem o direito de receber uma indenização "justa e prévia" pelo imóvel.

 

Para tanto, o governo recorreu ao STF para exigir que o Tribunal paulista respeite um artigo de um decreto lei de 1941, que dá ao poder público o direito de depositar o valor venal do imóvel sem a avaliação prévia do local por um perito da Justiça. No argumento do governo, o entendimento atual do TJ - que se embasa na Constituição de 1988 - é "frontalmente contrário" àquela legislação, e tem causado uma "batalha judicial" todas as vezes em que é preciso fazer desapropriações de utilidade pública.

 

"Boom" de precatórios

 

Embora o governo argumente que a ação só valerá para casos em que a desapropriação é urgente, e para imóveis comerciais e terrenos, especialistas ouvidos pelo Terra alegam que medida vai causar uma onda de precatórios. Isso porque, caso o STF aceite o argumento do Estado, a diferença entre o valor venal e o de mercado viraria um precatório, que é um documento que garante que o credor receba o pagamento da dívida da autoridade pública.

 

Teoricamente, o precatório deveria ser pago dentro de um ano, mas, na prática, acaba se tornando uma "dívida a perder de vista", como explica o advogado Marco Antonio Innocenti, vice-presidente da Comissão de Dívida Pública da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP). "Hoje a dívida pública do Estado de São Paulo com desapropriações é praticamente zero, mas se o STF acatar esse pedido, isso irá desorganizar completamente as contas do governo", avalia o advogado. Atualmente, São Paulo deve cerca de R$ 19 bilhões em precatórios.

 

De acordo com o desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez, da 10ª Câmara do Direito Público de São Paulo, "houve uma moralização dos precatórios graças a essa jurisprudência", ameaçada com essa possível mudança. "A Constituição garante que a indenização seja 'justa e prévia'. Graças a esse entendimento adotado pelo TJ há muitos anos é que conseguimos diminuir muito a quantidade de precatórios (referentes a desapropriações)", explica.

 

Polêmica à vista

 

Segundo o governo, o objetivo da ação é dar agilidade à desapropriação dos imóveis, para acelerar o início de obras importantes, e não "baratear" os custos das desapropriações, uma vez que os valores serão pagos no futuro. O governo paulista também descarta que a medida causará grande impacto sobre a fila dos precatórios, pois a regra seria aplicada em pouquíssimos casos.

 

"A questão da diferença entre o valor venal do imóvel e seu valor de mercado não é decisiva, mesmo porque, ao final da ação, será pago ao expropriado o valor real do bem e não o venal. O foco está em definir um valor para depósito inicial, por ocasião da propositura da ação de desapropriação. Além disso, há a questão, que infelizmente não é rara, da demora na avaliação inicial do imóvel; não por outro motivo, o legislador elegeu o valor venal como adequado para as situações de urgência, para imóveis não residenciais", esclareceu a Procuradoria Geral do Estado, em nota. Para justificar a ação, a PGE destaca que, há mais de um ano e meio, o governo aguarda a avaliação de um terreno que deverá ser usado para a construção de um presídio no interior do Estado.

 

Os especialistas, porém, não entendem dessa forma, e veem na manobra uma tentativa de economizar às custas dos proprietários. Isso porque, enquanto o valor venal varia pouco (pois o cálculo considera apenas dados como a inflação), o valor de mercado é influenciado por uma série de outros fatores, como a chegada de uma nova estação de metrô à região, por exemplo. De acordo com o mais recente levantamento do Ibope Inteligência sobre o setor, o valor dos imóveis na capital paulista tem aumentado até 28% ao ano, desde 2009.

 

"(A ação do governo) É uma violência muito grande em quem já está sendo expropriado", opina o desembargador. "O governo está interessado na gestão dele e na próxima eleição. Porque assim ele deposita o valor venal, desembolsa menos, desapropria mais e com mais rapidez, e deixa a dívida para o próximo gestor", completa o desembargador, que diz que, em alguns casos, a diferença entre o valor de mercado e o venal chega a 100%.

 

Para o presidente da Associação de Advogados de São Paulo (Aasp) - que se manifestou no STF contrário ao pedido -, Arystóbulo de Oliveira, a ação é "um tapa na cara de toda a sociedade" e "todo o cidadão é uma vítima em potencial", já que qualquer pessoa pode ter seu bem desapropriado e, consequentemente, se ver na fila de recebimento dos precatórios. "E se o STF acolher esse argumento, a regra valerá para todo o Brasil. Será um verdadeiro desastre jurídico", disse.

 

O caso agora está nas mãos do ministro Celso de Mello, relator do processo, mas a batalha judicial não tem prazo para ser concluída.

 

Leia também:

 

Linha 6-Laranja poupa áreas nobres de São Paulo 

Mogi terá embrião de ciclovia metropolitana 

Ciclovia de 6,3 km na saída para São Paulo fica pronta em quatro meses 

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário