O velho bonde, bem mais do que um detalhe

Descartado no séc.20, trilhos urbanos voltam como alternativa sustentável para o transporte na cidade. Leia texto de Leão Serva publicado domingo (8) na Folha de S.Paulo

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Fonte: Folha de S.Paulo  |  Autor: Leão Serva | Edição Marcos de Sousa  |  Postado em: 11 de outubro de 2017

VLT moderno e bonde antigo circulam nos mesmo tril

VLT e bonde antigo circulam nos mesmo trilhos em Milão

créditos: Reprodução


Já há algum tempo, temos publicado aqui no Mobilize informações sobre os sistemas de bondes elétricos que existiam em capitais e várias cidades de porte médio no Brasil. São Paulo, em 1900, tinha cerca de 100 km de trilhos e essa extensão dobrou em apenas 15 anos anos. Por volta de 1950, a cidade chegou a ter mais de 350 km de trilhos urbanos, com bondes abertos, fechados, alguns destinados a cargas e serviços. Com o surgimento do automóvel (e do ônibus) essas redes de transportes foram sendo abandonadas e extintas e não foi somente no Brasil.


Mapa do sistema de bondes de São Paulo por volta de 1946 

 

Porém, algumas cidades, como Roma e Milão, na Itália, entre muitas outras pelo mundo, mantiveram seus trilhos e apenas modernizaram um sistema que já estava consolidado. Em Milão, circulam pelos mesmos trilhos bondes moderníssimos, os chamados VLTs, e aqueles carros dos anos 1950 e 1960, idênticos aos que serviam os paulistanos. 

 

Reproduzimos a seguir texto de Leão Serva publicado dia 9 de outubro pelo jornal Folha de S. Paulo, que toma Melbourne, na Austrália, como exemplo  e sugere uma linha circular de bondes para estimular a renovação urbana no centro da capital paulista. Sugerimos também a leitura da entrevista publicada em 2016 pelo Mobilize com o ex-secretário Jilmar Tatto, que cita os bondes como uma possibilidade futura para substituir os corredores de ônibus.

 

"Parece detalhe, mas um modo de transporte socialmente integrador mexe com o coração da cidade


O projeto Centro Novo, anunciado há poucos dias pela Prefeitura de São Paulo, tem várias coisas velhas: a primeira delas é que todos os prefeitos que tomam posse na cidade, desde os anos 1980, anunciam planos para a revitalização da área. Cada um cria uma marca que dura quatro anos, mas mesmo assim o processo em si avança a passos de tartaruga, mais pela fé dos indivíduos que do poder público.


Centro Novo, Arco do Futuro, Nova Luz são apenas os mais recentes nomes dos programas municipais para o centro velho. Então, preservo o ceticismo até ver a inauguração das novidades propostas pelo prefeito Doria, por Jaime Lerner e pela entidade do mercado imobiliário, o Secovi.


Um ponto frágil do projeto é que ele está baseado apenas na potência do mercado imobiliário. E este, por maior que seja sua lucratividade em certos momentos, é muito suscetível às crises que abalam o país. O sucesso consistente da construção civil depende de financiamentos por prazos maiores que 20 anos. No Brasil, as crises ocorrem regularmente em ciclos menores que isso.


Como mostra Raul Juste Lores no livro "São Paulo nas Alturas", o boom imobiliário dos anos 1950/60 foi interrompido pela crise inflacionária do início dos anos 1960: as empresas tinham muito a receber, mas o dinheiro entrava valendo menos do que a alta do custo real da construção. As construtoras quebraram. Ciclos semelhantes de crescimento e crise ocorreram nos anos 1970, 1990 e 2010.


O que se vê olhando o passado é que as fases de sucesso no mercado imobiliário brasileiro são mais curtas do que o prazo necessário para o financiamento habitacional criar um ambiente sustentável de longo prazo. Então, de tempos em tempos, os consumidores e as empresas se retraem –para não dizer que ocorrem "quebradeiras".


É ingênuo, portanto, acreditar só na capacidade de alavancagem do mercado imobiliário para um projeto que, por baixo, vai custar dezenas de bilhões e demorar mais que oito ou 12 anos para amadurecer. Falta, na equação, alguém com dinheiro capaz de esperar 20, 30 anos pelo retorno. Nos outros países do mundo, essas entidades geralmente são fundos de pensão. Mas a cauda longa do governo federal também limita o desenvolvimento dos nossos. Enfim, falta uma parte importante da lição de casa do projeto Centro Novo.


Um aspecto interessante do projeto é a tal linha circular de transporte coletivo. Ela é importante para as pessoas se moverem sem carro em uma área de trânsito caótico; para integrar outros sistemas de transporte público e para o encontro das diferentes classes sociais movendo-se pela área central. 


Melbourne, uma das cidades mais confortáveis do hemisfério Sul, tem uma linha circular em torno do centro e todos os transportes públicos gratuitos dentro do perímetro. E isso é apontado como uma razão importante para a qualidade de vida local. 

 

Bondes elétricos no centro de Melbourne nos anos 1980. Mudaram os bondes, mas os trilhos são os mesmos


Parece um detalhe, mas um modo de transporte integrador como esse pode mudar a percepção da cidade. Sugiro o nome "Bonde Novo", em memória do tempo em que a cidade tinha um transporte coletivo eficiente, que era usado igualmente pelo prefeito, por empresários e trabalhadores, em seus deslocamentos pela cidade."


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