Ônibus urbanos e alternativas tecnológicas para um transporte mais limpo

Na semana que vem, quando ocorre a Virada da Mobilidade, um workshop em SP reunirá especialistas para aprofundar o debate sobre soluções sustentáveis para o transporte

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: *Olimpio Alvares  |  Postado em: 16 de setembro de 2016

Workshop discutirá alternativas de ônibus limpos n

Workshop discutirá alternativas de ônibus limpos no Brasil

créditos: Divulgação

 

O Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), em parceria com o comitê executivo da Virada da Mobilidade Urbana 2016, está organizando para a próxima terça-feira (20) um workshop sobre alternativas tecnológicas sustentáveis para ônibus urbanos. O evento trará luz sobre as tecnologias de baixo impacto poluidor para estes veículos, com vistas a oferecer subsídios essenciais para uma necessária revisão do polêmico artigo 50 da Lei 14.933/2009 que estabelece a Política Municipal de Mudança do Clima do Município de São Paulo.

 

O artigo 50 -  não cumprido, como já era esperado - impôs 'de cima para baixo' a substituição integral da frota de ônibus a diesel até 2018 por alternativas energéticas renováveis – uma ambiciosa intervenção ambiental. Apesar de sua inadequação conjuntural e da carência de refinamento, seu objetivo é muito desejável do ponto de vista climático e do menor impacto poluidor local, especialmente no que concerne às emissões de material particulado fino cancerígeno (MP 2.5), óxidos de nitrogênio (NOx) e ruído interno e externo ao veículo.

 

Caberá agora à Prefeitura de São Paulo e à Câmara Municipal arcarem com o ônus político e jurídico do não atendimento à lei; ou reformularem o artigo 50 em bases técnicas adequadas e realísticas, especialmente do ponto de vista do arranjo institucional e financeiro necessário à substituição gradual organizada dos lotes de ônibus que se aposentam (quando atingem a idade máxima permitida no contrato de operação), por alternativas mais limpas.

 

Altenativa sustentável

O transporte coletivo urbano convencional por ônibus (com média e alta capacidade de transporte - articulados e biarticulados) está longe de ser um vilão do meio ambiente. Pelo contrário, ele já é, por si só, uma alternativa com certo grau de sustentabilidade do ponto de vista das emissões de gases do efeito estufa (dióxido de carbono - CO2) e poluentes locais tóxicos, se consideradas as baixas emissões por passageiro transportado - principalmente se o sistema opera com ônibus mais novos, bem mantidos e de modo eficiente, em corredores com prioridade; também é sustentável em relação ao uso do solo no sistema viário, quando comparado ao “espaçoso” e perdulário transporte motorizado individual, que carrega em média apenas 1,4 passageiros, e no entanto, recebe o maior quinhão dos investimentos públicos.

 

A esse respeito, cabe lembrar que a nova Lei 12.587, publicada em 2012, da Política Nacional de Mobilidade Urbana, estabelece uma espetacular e disruptiva “virada” na cultura brasileira tradicional do privilégio do automóvel, estabelecendo requisitos muito claros e definitivos de priorização obrigatória dos deslocamentos urbanos de pedestres, bicicletas e do transporte público, em flagrante detrimento do transporte individual motorizado.

 

Na perspectiva ambiental, o transporte coletivo pode ficar ainda melhor com a renovação da frota de ônibus urbanos por veículos movidos a tecnologias e formas de energia mais limpas. Daí, caberá aos especialistas trazer à mesa de discussão seus respectivos aportes atualizados sobre cada uma das alternativas que desfilam no cenário de um futuro próximo possível mais limpo.

 

A completude das informações e sua absoluta transparência, neste momento ímpar, são essenciais para que tomadores de decisão possam se preparar adequadamente para atender os compromissos nacionais e internacionais de redução de emissões locais e globais pelos transportes, como, por exemplo, o “Clean Bus Declaration”, firmado recentemente na Conferência do Clima de Paris – COP21 por municípios que fazem parte do seleto grupo de cidades sustentáveis do C40, do qual São Paulo e Rio de Janeiro são protagonistas. 

 

Lembre-se, o Congresso Nacional está neste momento prestes a ratificar os compromissos fixados pelo Brasil na COP21. Pode-se prever assim – e não devemos perder a esperança - que muita ação concreta de governo, finalmente venha a materializar-se na prática.

 

Subsídios 

Mas, é imprescindível para deflagração de uma política consequente de renovação ambiental da frota de ônibus urbanos, que se considere a necessidade de subsídios incrementais ao sistema e incentivos especiais provenientes de fundos nacionais e internacionais de desenvolvimento de baixo carbono para países emergentes – eles existem e são ricos, mas hoje ainda não são muito visíveis para nós, por falta de interesse de gestores municipais. 

 

Falta também, um projeto sério e de longo prazo do Poder Público Municipal de financiamento dessa política inovadora. A atração desses recursos requer necessariamente mecanismos legais claros de amarração e garantias que perpassam gestões de governos, mas ainda não foram colocados em pauta.

 

Alternativas ao diesel convencional

Sobre a alternativa gás, sabe-se que é atualmente uma das principais figurantes do mercado que apresentam viabilidade técnica plena, apesar dos graves erros e danos materiais de um passado recente, causados aos operadores do transporte público. 

 

A opção gás natural, hoje tecnicamente madura, tem natureza extremamente limpa em termos tóxicos locais. Embora de origem fóssil, pode ser considerada como uma alternativa de transição conveniente para o biogás renovável, cujo desenvolvimento, tanto do ponto de vista técnico-comercial, como do regulatório, vem avançando nos últimos anos - há notícias de frotas em operação normal abastecidas exclusivamente com biometano produzido a partir do biogás de rejeitos orgânicos (lixo, esgoto, resíduos agropastoris etc).

 

As análises técnicas, logísticas, operacionais, ambientais e financeiras comparativas entre as alternativas, no que se refere ao gás, demandam informações específicas fundamentais de profissionais comercialmente isentos, que tenham amplo conhecimento da prática do dia-a-dia do uso do gás em ônibus. 

 

Esse valioso conhecimento refere-se à cultura de garagem, custos de peças de reposição, equipamento de compressão, do próprio gás natural, da energia elétrica para a compressão e abastecimento, da manutenção dos ônibus e das instalações de gás. Também cabe avaliar os valores a serem auferidos na venda do ônibus usado por operadores de transporte ao aposentar os veículos. Tudo isso é indispensável para fazer uma análise comparativa consistente dos custos da alternativa gás versus os novos ônibus convencionais a diesel de tecnologia mais avançada.

 

Entre as opções, também se apresenta o próprio ônibus a diesel convencional de última geração – por enquanto, o Euro5** - operando com misturas de biodiesel em diversos teores, ou mesmo com o biodiesel puro, cujas emissões de material particulado fino cancerígeno podem ser ainda diminuídas em mais de 90%, pela aplicação de filtros adaptados de custo reduzido, os chamados “retrofit”.

 

Sobre a possibilidade de uso do biodiesel para redução de emissões de particulados e gases do efeito estufa - assim como para todos os outros combustíveis e insumos energéticos disponíveis - cabe uma cuidadosa análise do ciclo de vida, relativamente à quantidade de emissões ao longo da cadeia de produção e distribuição do combustível, dito “renovável”. 

 

Há espécies de biodiesel que podem não representar uma alternativa muito vantajosa em relação aos combustíveis fósseis tradicionais - o que não se aplica, por exemplo, ao etanol de cana de açúcar, que segundo a ciência, demonstra ter uma porção reduzida de emissões fósseis em todo ciclo de vida - da ordem de 10 a 15% da energia total envolvida no ciclo. 

 

O biodiesel, se utilizado em grandes quantidades na mistura com o diesel convencional, ou mesmo puro, também pode implicar relevantes aumentos das emissões de NOx, diretamente proporcionais ao teor de biodiesel na mistura. Tudo isso deve ser honestamente avaliado nas análises financeiras e nos estudos de viabilidade técnica e ambiental que antecedem as decisões de renovação e intervenção ambiental na frota, longe dos modismos e pressões políticas e comerciais.

 

Além dos ônibus a diesel convencionais, figuram ainda os ônibus com motor diesel dedicado à queima de etanol hidratado, aditivado em 5% com agente detonante conhecido por Beraid – esta alternativa, apesar de cara, principalmente pelo alto consumo, tem emissões muito baixas de poluentes locais tóxicos e gases do efeito estufa.

 

O híbrido diesel-elétrico, por sua vez, pode ter suas emissões de MP 2.5 - que já são muito mais baixas que o diesel convencional - ainda mais reduzidas com uso de biodiesel. A esse respeito, seria muito oportuno que os dados de performance operacional e ambiental relacionados com as experiências de Curitiba com híbridos operando com biodiesel a 100% (B100) viessem a público.

 

Elétricos

Já o elétrico a bateria vem demonstrando ser uma opção tecnicamente competente em muitos países, onde milhares de veículos operam com sucesso. Entretanto, seus custos de investimento, leasing de bateria, manutenção e consumo real de energia ainda são pouco conhecidos no Brasil. Por outro lado, os trólebus, já consolidados no mercado brasileiro, têm ainda algumas novidades tecnológicas a serem testadas, apresentadas e discutidas. 

 

Os veículos de tração elétrica têm emissões locais nulas – o que é fundamental em áreas ambientalmente sensíveis e congestionadas. Entretanto, os elétricos carregam consigo questões complexas - raramente abordadas na bibliografia e nas decisões políticas – que devem ser cuidadosamente ponderadas nos estudos de impacto ambiental, relacionadas ao ciclo de vida, à natureza das fontes de geração de energia elétrica no Brasil e às perspectivas nacionais de crescimento do parque eólico, fotovoltaico e da geração distribuída. 

 

Aqui no Brasil, por exemplo, dado o esgotamento do potencial de crescimento da geração hidrelétrica, se não houver um rápido aumento das fontes renováveis, eólicas e fotovoltaicas, cada ônibus elétrico que entrar em circulação representará um incremento da geração de energia por usinas termoelétricas a gás natural fóssil. Esse tipo de análise prévia de alternativas é absolutamente indispensável a bem da verdade climática.

 

Mas, a complexidade das análises não para por aí. Essas devem incluir os benefícios subjetivos e objetivos para a saúde pública e o meio ambiente, da operação de ônibus que emitem menos MP fino, NOx (tóxico e também precursor da formação do ozônio) e menos ruído externo e interno do que os concorrentes a diesel mais modernos. 

 

As avaliações comparativas devem levar em consideração que os diesel convencionais atuais – principalmente quando bem mantidos e acompanhados por programas de autofiscalização e inspeção veicular - podem melhorar ainda mais sua performance ambiental com a instalação de filtros adaptados (retrofits), que têm baixíssimo custo diluído no ciclo de vida econômico da operação, podendo ficar com emissões tão baixas quanto os ônibus a gás ou etanol. 

 

Cidades no mundo todo como Santiago, Bogotá, México e muitas outras adotaram os filtros como solução ótima intermediária para os diesel mais velhos que não saíram de fábrica equipados com os filtros. Tudo isso considerado, espera-se que os participantes deste Workshop da Virada da Mobilidade apresentem seus argumentos e aportes de informação sólida e atualizada sobre os pontos críticos ora levantados e contribuam com um efetivo enriquecimento dessa discussão, que está atingindo um grau de maturidade muito bom para o favorecimento da construção gradual de uma matriz diversificada de tecnologias alternativas de transporte coletivo de baixo impacto poluidor para as cidades brasileiras.

 

**Nota: O Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama tarda demasiadamente em regulamentar o Euro-6 no Brasil – fase P8 do Programa Nacional de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores – Proconve. O Euro 6 vigora na Europa desde 2013 e desde 2010 nos Estados Unidos. É um desalento ouvir especialistas em regulação brasileiros estimarem o provável início de P8 no Brasil somente para depois de 2020. Isso significa um injustificado delay brasileiro - uma defasagem - de, no mínimo, 10 anos em relação aos EUA e de 7 anos em relação aos europeus.

 

*Olimpio Alvares é diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares; é membro fundador da comissão de meio ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP, diretor de meio ambiente e sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades - Sobratt e ex-gerente da área de controle de emissões de veículos em uso da Cetesb; participa da equipe de coordenação da Semana da Virada da Mobilidade

 

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