"A bicicleta foi minha porta de entrada para a mobilidade"

Leia a entrevista com o cicloativista Magrão, um dos personagens do filme Ciclos, que estreia nas salas de cinema de São Paulo na próxima quinta-feira (26)

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa / Mobilize Brasil  |  Postado em: 24 de janeiro de 2017

Magrão, que vive, milita e trabalha na zona leste

Magrão, que vive, milita e trabalha na zona leste de SP

créditos: Divulgação

 

Com sala cheia, aconteceu ontem em São Paulo a pré-estreia da série de filmes Ciclos, que discute, a partir da bicicleta, a delicada relação entre pessoas e suas cidades. O filme destaca três personagens - uma advogada, um professor e uma publicitária - que renovam suas vidas a partir da simples decisão de usar bicicletas em seus deslocamentos diários.


Das três histórias, escolhemos a de Eduardo Magrão (na verdade, José Eduardo dos Santos), que vive e trabalha em Cidade A.E. Carvalho, na zona leste de São Paulo. Líder de movimentos por habitação, professor de História em uma escola pública, cicloativista e membro do Conselho Municipal de Transporte e Tráfego, Magrão fala nesta entrevista não apenas sobre sua relação com a bicicleta, mas de segurança de trânsito, educação e políticas públicas.

 

Quando você começou a pedalar na cidade?

É recente, foi há quatro anos, mais por opção de lazer. Eu presenteei minha filha com uma bicicleta e daí comprei uma bike também para mim, para passearmos juntos. Durante os passeios, fui percebendo que a bicicleta poderia me conduzir para mais longe do que as redondezas da minha casa. No começo, levava a bicicleta no carro, mas pedalando comecei a notar a malha de ciclovias sendo instalada na cidade. Saíamos, eu e minha filha, e fomos ampliando gradativamente nossas rotas. Foi assim que notei que as ciclovias não chegavam aos bairros mais periféricos.

 

O que é que atrai na bicicleta?

As sensações que ela me proporciona. Quando estou pedalando muda completamente a minha percepção dos lugares, das cores, do cheiro, da proximidade com as pessoas. No carro, a gente está numa bolha isolada do mundo. Claro que aí o conforto é maior, sobretudo quando chove, mas a sensação de liberdade, a percepção do meio é uma experiência que quanto mais você tem, mais você quer.

 

E sua entrada no movimento cicloativista, como ocorreu?

Pedalando pela região eu vi que existem milhares de pessoas que já usam suas bikes para circular pelos bairros e se arriscam no meio do trânsito simplesmente porque não há ciclovias. A região onde eu vivo tem uma série de serviços públicos, o que atrai muita gente para fazer compras, cuidar da saúde, ir à escola, praticar esportes, enfim, uma série de atividades. Mas o trânsito é pesado e não há condições de circulação segura para os ciclistas e pedestres. Foi a partir dessa percepção que passei a participar de manifestações e audiências públicas para a criação de mais ciclovias na cidade. Alguns amigos, que já tinham mais experiência nessa militância, sugeriram que eu desenvolvesse uma proposta para minha região e levasse à prefeitura.

 

E essa iniciativa teve sucesso?

Não. Até hoje a zona leste não tem uma ligação cicloviária com o centro da cidade. Durante as discussões do Plano de Mobilidade Urbana de São Paulo eu apresentei uma proposta para a implantação de uma ciclovia na avenida Aguia de Haia, que é uma via larga e plana, naturalmente adequada para se usar bicicletas. Seria uma ligação interessante porque conecta vários bairros da região. A resposta foi negativa, porque a prefeitura considerou que o custo seria muito alto; então o projeto foi incluído numa programação para 2030, quando seria construído um corredor de ônibus na região. O fato é que algumas ciclovias foram construídas dos bairros em direção ao centro, mas faltam rotas que liguem essas ciclovias entre si. 

 

Seu trabalho, então, foi inútil?

A bicicleta foi uma porta de entrada para que eu tivesse conhecimento da discussão sobre mobilidade urbana que vinha acontecendo. E nesse processo eu descobri que existem vários outros pontos que merecem atenção, como a conservação das calçadas, a necessidade de sinalização para pedestres e ciclistas, a redução de velocidade do trânsito... No ano passado participei das eleições do CMTT [Conselho Municipal de Trânsito e Transporte] e fui eleito como membro suplente aqui da zona leste, o que me deu oportunidade de atuar mais diretamente para influenciar o poder público.

 

Você acha que a prefeitura continua a privilegiar as áreas mais centrais?

Não tenho dúvida que há um desequilíbrio. São Paulo é dividida em 96 distritos, mas 90% dos recursos gastos em ciclovias foram para apenas sete distritos, dentro do centro expandido. São justamente os bairros onde estão as pessoas mais ricas, que têm carros, onde existe metrô. E os sistemas de bikes compartilhadas  - que são mantidos pelos bancos Bradesco e Itaú  - também estão concentrados no centro, desconectados dos demais sistemas de transportes. Eu acho que as bicicletas compartilhadas têm mesmo que ser um sistema público, gerenciado e mantido pelo poder público e integrado aos demais meios de transporte. O simples fato de que o sistema atual exija um cartão de crédito já exclui boa parte da população.

 

Como os alunos veem um professor que vai para as aulas de bicicleta?
Para a maioria dos jovens que vivem nas periferias a bike é um brinquedo e todos querem ter uma moto, ou um carro como forma de afirmação social. Quanto mais potente a moto, quanto mais novo o carro, maior o status. Procuro discutir assuntos da mobilidade urbana com meus alunos, mostrar os problemas que são gerados pelo uso irracional do carro, mas já conclui que recolocar a bicicleta como meio de transporte nesta sociedade consumista demanda certo tempo, não é uma tarefa imediata. Meus alunos também me seguem nas redes sociais e eu procuro passar a eles essa visão sobre a mobilidade ativa. Mas o que faço é uma gota de água em um oceano. 

 

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