Em Natal, carro ainda é o protagonista

Automóveis e motos respondem por 40% das viagens na capital do RN. Ônibus prevalece no transporte público, apesar de investimentos no VLT. Pedestres estão no fim da fila

Notícias
 

Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Du Dias/Mobilize Brasil*  |  Postado em: 30 de junho de 2022

Fiscalização de trânsito em Natal. Carros e motos

Fiscalização de trânsito em Natal. Carros e motos são 40%

créditos: STTU


 

Em maio passado, os quatro municípios que integram a região metropolitana de Natal (RN) comemoraram a inauguração da estação Cajupiranga do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), no município de Parnamirim. Com essa implantação, o sistema de transportes completou 57,9 km de trilhos e 24 estações.


A obra de expansão foi feita com recursos federais, por meio da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), e reutiliza parte do leito da antiga Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, ferrovia construída no final do século 19. Graças a esse investimento centenário, hoje o VLT de Natal pode transportar 14,9 mil passageiros por dia, em média.


Esse volume é bem menor do que os 300 mil usuários diários que circulam de ônibus pela capital do Rio Grande do Norte. (Fontes: CBTU e STTU). Mas, ainda assim, as viagens por transporte público em Natal - que correspondem a 25% na divisão modal - são bem inferiores àquelas percorridas pelo transporte individual motorizado (carros e motos), responsável por 40% do total dos deslocamentos, conforme dados que a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU) enviou para o Estudo Mobilize 2022.


Os dados revelam um problema crônico de cidades que, ao longo de sua história, privilegiaram o carro no planejamento urbano, gerando grandes congestionamentos, poluição atmosférica e sonora, além de altos custos financeiros e ambientais, com impacto negativo na qualidade de vida da população.

 

De costas para o rio
Natal se desenvolveu às margens do rio Potengi, no ponto em que o curso d'água se encontra com o mar. E se no passado o município aproveitou esta proximidade com a água, seja para a pesca, a agricultura, pecuária ou mesmo o abastecimento das casas, nos dias atuais a capital potiguar virou as costas para o Potengi, que se transformou numa barreira a ser transposta. 

 

A zona norte, por exemplo, só começou a ser ocupada 300 anos após a fundação da cidade, por volta de 1917, com a construção da Ponte de Ferro. O desenvolvimento da região, no entanto, se consolidou apenas após a inauguração de uma segunda ponte, a Ulisses de Góis, na década de 1970.

 

Ainda que o Potengi seja o principal veio d'água do Rio Grande do Norte, percorrendo 176 km desde sua nascente no município de Cerro Corá, até a foz, em Natal, a capital não possui um sistema de transporte hidroviário integrado ao transporte público municipal. 

 

Atualmente os 890.480 habitantes (IBGE 2020) estão concentrados em uma área urbana pouco maior que 118 km2 (Embrapa), o que faz de Natal a sexta capital mais densamente povoada do Brasil. Apesar do porte demográfico, a capital potiguar ainda é refém do transporte sobre pneus - como aliás boa parte das médias e grandes cidades brasileiras. Segundo dados encaminhados pela STTU ao Estudo Mobilize, o município conta com 400 ônibus circulando durante a semana, e 49 km de faixas e corredores exclusivos.

 

 Este serviço de transporte, no entanto, está muito aquém de atender às necessidades da população, conforme as avaliações da arquiteta e urbanista Sarah Souza (foto ao lado), parceira do Mobilize Brasil em Natal. Sarah , que é graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), coordenou as avaliações do Estudo Mobilize na capital do estado.

“A tarifa [de ônibus] fica em R$ 3,90 para quem usa o cartão de passagem, e R$ 4,00 com o pagamento em dinheiro. É uma tarifa abusiva, levando em conta não apenas a renda da população mas também a falta de qualidade do serviço prestado”, declara a arquiteta.


Pior na pandemia
A coordenadora do Estudo em Natal reclama ainda sobre a baixa oferta de transportes públicos na cidade: “A oferta de transportes, que já não era adequada antes da pandemia de Covid-19, teve em seguida uma grande piora. Vários ônibus deixaram de rodar, a frota diminuiu e muitas linhas ainda não voltaram em 2022. Vivemos uma realidade em que temos veículos precarizados e superlotados, uma quantidade de linhas e trajetos que não atendem às necessidades da população e uma frota que segue reduzida.”
Além das críticas ao transporte público, Sarah também questiona a infraestrutura para quem caminha ou pedala: “Os pedestres dividem cotidianamente as ruas com os carros, porque muitas vezes não há calçadas, e quando há, estão em condições precárias ou com obstáculos. Não temos qualidade de vida urbana para o pedestre, como não temos para os ciclistas", lamenta, acrescentando que até existem trechos de ciclofaixas e ciclovias na cidade, mas "de modo restrito e pouco integrado, em locais específicos da cidade", diz. 

 

Natal conta hoje com 62 km de ciclovias e ciclofaixas, informou a Prefeitura, infraestrutura tímida, se comparada às capitais que investem em bicicleta.  Em maio, a gestão municipal anunciou uma expansão na infraestrutura cicloviária e prometeu que até o final de 2024 a cidade terá mais de 115 km de extensão de vias ciclísticas. No entanto, a capital ainda não elaborou seu Plano Cicloviário, o que dificulta o acompanhamento dos projetos e obras para bicicletas.


Também o Plano de Mobilidade Urbana de Natal não foi aprovado ainda. O documento está previsto para ser apresentado apenas 12 meses após a entrada em vigor do novo Plano Diretor, sancionado em março deste ano. Segundo este texto ratificado, o Plano de Mobilidade deverá nortear medidas para acessibilidade; ampliar e aprimorar os sistemas de transporte público; contemplar estacionamentos e o incentivo ao uso de modais ativos, como as bicicletas. O Plano Diretor também prevê para Natal, por exemplo, a implantação do sistema cicloviário integrado ao sistema de transporte público coletivo (já existente em algumas avenidas da capital).

 

 Ciclovias avançam lentamente e entre as que existem, falta integração. Foto: Joana Lima/Secom

 

 

Mobilidade a pé
Quanto à elaboração de um plano para o pedestre (Plano de Deslocamento Urbano de Pedestres), o prazo previsto no Plano Diretor é de 24 meses, incluindo a realização de audiências públicas. Enquanto isso, a cidade segue adotando a política "mais do mesmo", com medidas como o redesenho das linhas de ônibus, implantação de estacionamento rotativo em bairros comerciais e (sic) a ampliação de faixas de circulação para os carros.

 

Esse caminho, questiona a urbanista Sarah, não tem trazido melhoria alguma à mobilidade urbana de Natal nos últimos dez anos: “A cidade vive um momento difícil no que diz respeito à mobilidade, o que torna complicado identificar quaisquer aspectos positivos; porque é com os pontos negativos que se convive no dia a dia. São questões que passam, no caso do transporte público, por linhas e itinerários que não atendem à população, frota reduzida, limitação dos horários (algumas linhas param de rodar na cidade após as 20 horas, outras ainda mais cedo), veículos precarizados e superlotados e a falta de integração entre modais". E conclui a urbanista: "Infelizmente o que a gente observa da cidade é que tem sido privilegiado o transporte individual, e o poder público alinhado com o empresariado e não com sua população.” 

 

Observação do Mobilize Brasil
Para realizar o Estudo Mobilize 2022, além da coleta de dados locais, com o suporte de coordenadores e colaboradores em cada uma das 26 capitais e no Distrito Federal, o Mobilize encaminhou formulários aos gestores públicos com perguntas objetivas sobre as condições de mobilidade, além de pedir entrevistas com porta-vozes da área. Na ausência de respostas, recorreu-se à Lei de Acesso à Informação (LAI), último recurso para obter estas solicitações. A prefeitura de Natal, por meio da assessoria de imprensa da STTU, respondeu ao formulário com os dados da mobilidade, mas até o fechamento desta matéria não atendeu ao pedido de entrevista para comentar os desafios da mobilidade urbana no município. (*) Edição: Regina Rocha


 



Esta matéria integra o trabalho de preparação do Estudo Mobilize 2022, um levantamento da mobilidade urbana nas 27 capitais brasileiras que está sendo realizado pelo Mobilize Brasil.

 

Leia também:
Prefeitura de Natal anuncia 115 km de ciclovias e ciclofaixas até 2024
Em Teresina, prefeitura ignora a mobilidade sustentável
Boa Vista pode se tornar um bom exemplo de mobilidade
Mobilidade urbana melhora no Recife... mas ainda falta muito
Fortaleza adota cartilha da mobilidade sustentável
Estudo Mobilize 2011: Mobilidade urbana sustentável em capitais brasileiras


  • Compartilhe:
  • Share on Google+

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário