Até poucos dias atrás, a cadeirante Iracema Cristina da Silva, de 38 anos, moradora da zona leste de São Paulo, vinha levando sua vida normalmente, com a autonomia por ela conquistada para poder trabalhar, sair às compras, passear... Tudo graças ao ônibus com acessibilidade que utilizava, que permitia a ela ir a um ponto perto de sua casa e ser conduzida em segurança até as ruas comerciais da região, ou até a estação Tatuapé do metrô, de onde a integração facilitava seus deslocamentos.
Agora, de uma hora para outra, tudo mudou, e para pior, lamenta-se Cristina. É que a linha 3760/42, Jardim Nossa Senhora do Camos/Metrô Tatuapé, que servia a cadeirante, não existe mais. Desde o dia 26 de outubro foi substituída por outra, a 4010/10, que não vai mais até o metrô e nem segue o trajeto mais utilizado pelas pessoas de seu bairro. O itinerário foi alterado pela Prefeitura de São Paulo, dentro do plano de reorganização dos transportes recentemente anunciado e implantado na zona leste da capital. A linha agora é a 4010/10 - Jardim Nossa Senhora do Carmo/ Terminal Vila Carrão, que vai só até esse terminal de ônibus e passa por outras ruas; de lá, se o passageiro quiser chegar no metrô ou às ruas principais do antigo itinerário, terá de fazer baldeações. (Veja acima, na ilustração da reportagem, os dois itinerários, o novo (em azul) e o velho (vermelho).
É uma dificuldade a mais para alguém com mobilidade reduzida como Cristina, que há trinta anos mora na rua Dr. Francisco Munhoz Filho, onde tem uma bombonière. Para repor as mercadorias de sua loja, conta, a rotina sempre foi contar com pessoas que trabalham nas proximidades, que a conduzem na cadeira de rodas até o ponto de ônibus, de onde ela é transportada para ruas como a Av. Rio das Pedras e a Conselheiro Carrão. "Vivo isto há 15 anos. Em todos estes trajetos, o ônibus me deixava na porta, porque passava pelas avenidas principais, onde há grandes redes de supermercados, lojas de doces e bancos. Com a nova linha, tenho que pegar quatro ônibus; fora a dificuldade de não saber se o veículo está com elevador funcionando, ou se os operadores sabem ou não manusear o equipamento. Enfim, antes, eu tinha com certeza a solidariedade dos operadores".
Além de ter de pegar mais conduções, Cristina diz que agora leva quase duas horas mais na viagem: "Acredita? Saí de casa às 14h, e entrei em casa às 18h50, ou seja, quase às 7 da noite! Antes, saindo a essa mesma hora (14h), voltava sempre às 16h40! Esse o motivo do meu desespero...", desabafa a moça.
Ela diz que já procurou a área de planejamento da SPTrans, mas nenhuma solução foi apontada. E que, desde a mudança, está praticamente "confinada" em casa, sem poder trabalhar. Por isso, escreveu ao Mobilize denunciando a situação e pedindo "socorro". Ela explica: "Sou cadeirante, tenho 38 anos e sofro de distrofia muscular. Sou tetraplégica. Há quinze anos foi criada pela SPTrans aquela linha que atendia às minhas necessidades como cadeirante e às demais pessoas, no trabalho e lazer. A acessibilidade era total e as empresas sempre me apoiaram totalmente, com operadores qualificados e carros adaptados em ótimas condições. Mas hoje, com essa 'reorganização de linhas', o ônibus teve seu intinerário trocado, e dificultou minha vida até mesmo para ir a um simples supermecado! Não tenho mais como trabalhar", desespera-se a leitora.
A única resposta do responsável pela área de planejamento da SPTrans foi que "há outros ônibus que ela poderá estar utilizando". Para Cristina, este procedimento só reforça a ideia de que o cadeirante é alguém que "tem que ficar em casa". Ela lamenta ainda que não houve por parte da SPTrans discussão ou comunicação efetiva com os moradores. Disso resultou um abaixo-assinado, diz a cadeirante, com 2 mil assinaturas de moradores do bairro para que a linha permaneça.
Resposta da SPTrans
Procurada pelo Mobilize, a SPTrans respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que a empresa "desenvolveu nos últimos meses estudos técnicos para melhorar o desempenho operacional do sistema de transporte público". E que, a partir dos resultados, uma série de medidas começou a ser implantada: "A reorganização de linhas é uma delas e tem como objetivo diminuir sobreposição, corrigir itinerários e oferecer aos passageiros viagens mais rápidas e confortáveis", diz a nota. Informa ainda que "os usuários que desejam seguir até o metrô Tatuapé terão a opção de embarcar na linha 407J/10 (Jardim Soares - Metrô Tatuapé) na av. Dezenove de Janeiro".
Para alguém com baixa mobilidade como Cristina, essa troca de condução proposta, no meio do trajeto, é uma dificuldade a mais. E por isso, ainda se sente sem resposta ou alternativa. Com a mudança, diz a moça, "terá que trocar de ônibus duas, ou até quatro vezes", e que essa dificuldade toda constrange o seu direito de ir e vir. "É uma resposta fria e objetiva da SPTrans, que é dada a todos. Sou uma formiguinha perto desses leões", critica a leitora.
Justificativas
Ainda na resposta da SPTrans, a empresa fornece alguns números envolvidos na medida: "Com a reestruturação do sistema neste trecho da zona leste, aproximadamente 60 mil pessoas estão se adaptando às alterações realizadas". E, após afirmar que "as pessoas com baixa mobilidade física fazem parte deste universo", conclui que "a SPTrans acompanha suas demandas com atenção ainda maior". O órgão lembra ainda que "todas as linhas de ônibus da cidade têm veículos adaptados".
E prossegue, na nota endereçada também à leitora: "A legislação determina que haja, pelo menos, um [ônibus acessível] em cada linha e os contratos de operação do sistema prevêem o atendimento desta população. Na frota de 15 mil ônibus, 9.447 são acessíveis a pessoas com deficiência, o que equivale a quase dois terços dos coletivos em operação. Do total de veículos acessíveis, 3.870 têm entrada em nível".
No final, a solução ao caso em particular é esboçada pela prefeitura, que afirma: "técnicos da empresa irão verificar a necessidade de colocar mais ônibus acessíveis nas linhas questionadas. A SPTrans lembra que as mudanças na Área 4, em distritos como Cidade Tiradentes, São Mateus e Vila Carrão, estão em sua primeira semana de vigência e que, portanto, ajustes estão sendo avaliados para melhor atender a comunidade".
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