Um manifesto pela mobilidade urbana em Manaus

Como fazer poder público e sociedade participarem mais da elaboração do Plano de Mobilidade? Atento à questão, parceiro do Mobilize em Manaus redigiu até um manifesto

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Keyce Jhones / Mobilize Brasil  |  Postado em: 04 de março de 2015

Plano de Mobilidade em Manaus exige mais participa

Plano de Mobilidade de Manaus exige mais participação

créditos: Keyce Jhones / Manifesto Mobilidade

 

Manaus, como outras cidades brasileiras, passa por um momento de intensa cobrança para a elaboração do Plano de Mobilidade Urbana, que tem prazo para entrega até abril. Mas a sociedade pouco tem participado dos debates nas audiências públicas do Plano, e o fraco empenho do poder público para envolver a população é um dos motivos para isso.


Governo e entidades ligadas ao tema poderiam, mas não tem sido assim, lançar mão de diversas ferramentas de participação social - workshops para grupos de trabalhos, consultas públicas e questionários on-line. Isso tudo ajudaria na busca por aproximar o anseio da população por mobilidade urbana da real necessidade de integrar-se ao processo.

 

Para entender melhor a (pouca) atuação até o momento de urbanistas, por exemplo, um setor estratégico na definição das políticas de mobilidade, reproduzi abaixo um texto que redigi como manifesto e que li durante um debate ocorrido recentemente em Manaus:  

 

"A resolução 51, artigo 2, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), trata da atuação exclusiva do arquiteto e urbanista, e define como de sua responsabilidade, entre outras, a atividade de Planejamento do Sistema Viário da cidade. Ou seja, o urbanista deve propor e elaborar projetos de ampliação e construção de vias, e orientar os diversos outros profissionais que neles trabalharão em conjunto.

 

Então, por que o CAU não vem acompanhando os projetos como de sistemas viários lançados pela Prefeitura e pelo Estado? Nas obras municipais, os urbanistas poderiam se contrapor a propostas como, por exemplo a de criação de dois grandes novos eixos viários (um ligando a zona oeste à zona leste, e outro de norte a sul da capital). Também poderiam se contrapor ao alargamento de trechos das avenidas Efigênio Sales, Rodrigo Otávio, André Araújo e Paraíba, anunciados como pacote de obras no início de dezembro pelo secretário da Manaustrans, com a seguinte justificativa: 'O importante é começar as obras para que, quando o número de veículos aumentar, as vias sejam concluídas', disse.

 

Sabemos que esse tipo de argumentação e proposta 'quebra' qualquer planejamento urbano eficiente, que queira proporcionar qualidade de vida na cidade, pois acaba priorizando o sistema de transporte motorizado individual (o carro). E a Lei 12.587, artigo 6º, da Política Nacional de Mobilidade, define que o transporte particular não é prioridade na elaboração do Plano, e que modos de transporte não motorizados e o transporte coletivo tenham total prioridade.

 

“Alargar as ruas para desafogar o trânsito é como combater a obesidade afrouxando o cinto”

 

Se queremos combater os congestionamentos, temos que ser objetivos e combater o uso excessivo do veículo motorizado individual, principal elemento da degradação do espaço urbano. É o Colesterol Urbano, segundo o arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba.

 

Infelizmente, a resposta dos governantes ao problema do congestionamento tem sido o aumento da capacidade viária, ou seja: criam-se vias adicionais, ou ampliam-se as existentes, para proporcionar maior fluidez. Com isso, fragmentos florestais que deveriam ser protegidos, e espaços públicos como praças e calçadas, vão sendo vencidos pela ditadura do uso do automóvel. A cidade vai sendo reconstruída apenas para os carros, e entra em um ciclo vicioso e degradante, que é o 'ciclo do congestionamento', onde se abrem mais vias, aumenta o fluxo de carros, o que gera novos engarrafamentos e faz com que outros gestores voltem a pensar que é preciso abrir novas vias para solucionar (de novo) o gargalo do congestionamento.

 

Uma estatística apresentada pela empresa TC Urbes aponta que nos grandes centros as vias para automóveis ocupam em média 70% do espaço urbanos e transportam apenas 20% dos habitantes. Fica claro que o problema das grandes cidades é a priorização do uso do carro.

 

“Queremos mais investimentos para a mobilidade ativa (bicicleta) e coletiva (transporte de massa)!”

 

O transporte coletivo tem um dos mais baixos investimentos em infraestrutura, seja qual for o tipo de transporte de massa adotado. O prefeito de Manaus afirmou recentemente que o município não tem solução para o transporte público sem o financiamento do governo federal. Mas o município tem orçamento para construir grandes e desnecessária obras viárias!

 

A gestão pública da nossa cidade pensa tanto na priorização do transporte motorizado individual que vai lançar um projeto que muitas outras cidades estão abandonando: a 'zona azul', que para muitos especialistas é um grande erro! São Paulo, por exemplo, está eliminando a zona azul do centro da cidade, e está implantando ciclovias por diversas de ruas. Ou seja, estão tirando vagas ociosas que ocupam o espaço público para proporcionar mais mobilidade a outro modal, as bicicletas! 

 

A cidade de Vitória (ES) retirou recentemente mais de 120 vagas de carros das ruas, para implantar ciclovias. Bogotá também não priorizou estacionamentos em vias públicas, assim como Madri, Paris, Roma, Amsterdã, Toronto e muitas outras cidades pelo mundo, que estão eliminando e restringindo o uso dos carros nos centros urbanos. Tudo isso para valorizar a cidade, principalmente a parte histórica, e também proporcionar qualidade de vida aos cidadãos.

 

Porque não transformamos a Zona Azul em Zona Verde? Retirar boa parte dos carros parados das vias públicas, para construir ciclovias pintadas de verde pelo centro histórico de Manaus. Como nas avenidas Getúlio Vargas, Joaquim Nabuco, Sete de Setembro, Eduardo Ribeiro, Floriano Peixoto, e muitas outras que comportam muito bem uma infraestrutura para receber bicicletas. Por sinal, há um grande número de bicicletas de serviços nessa região, que são extremamente eficientes, embora não sejam reconhecidas e valorizadas pelo poder público. São os excluídos da mobilidade.

 

Cadê os 20 km de ciclovias prometidos a cada ano?!

 

Até hoje não foi concluído nenhum metro de infraestrutura cicloviária na cidade. Além disso, não há participação da sociedade e de grupos na elaboração desse projeto, inclusive no projeto das ciclorrotas lançado em setembro, e até hoje não implantado.

 

Um projeto de lei (218/2013) que institui a bicicleta como modalidade de transporte regular foi aprovado na Câmara Municipal de Manaus, mas não foi sancionado pelo prefeito; desde setembro deste ano. A sanção desta lei é fundamental para que os órgãos de fiscalização e controle do trânsito possam, a partir de então, assegurar o trânsito de bicicletas na cidade.

 

O artigo 14 da Política de Mobilidade prevê como direito dos usuários de transportes ter participação no planejamento, na fiscalização e na avaliação da mobilidade urbana. No artigo 15, estão definidos os instrumentos pelos quais a participação da sociedade civil deve se dar junto aos órgãos públicos (a criação de ouvidorias por exemplo); trata da promoção de audiências e consultas públicas; e aborda uma ampla da comunicação e avaliação de satisfação dos cidadãos com esse sistema.

 

Precisamos discutir um planejamento voltado à escala humana, pensar nas pessoas e nas suas necessidades de deslocamento pela cidade. Repensar a cidade, numa ampla discussão sobre o redesenho das vias, para promover naturalmente o acalmamento do trânsito, e sobretudo a segurança das pessoas e dos animais!

 

(...) O modelo de planejamento urbano que estamos adotando está suprimindo as reservas ambientais na cidade, com a construção de “rodovias urbanas”, como as avenidas da Torres e Flores, e o tal anel viário, que mutila nossos fragmentos florestais e provoca o desequilíbrio social e ambiental.

 

“Só vamos conseguir educação e segurança no trânsito em nossa cidade se adotarmos um desenho urbano justo”

 

Também só vamos conseguir combater os constantes acidentes de trânsito se tivermos uma política de mobilidade que realmente proporcione igualdade social, valorização do meio ambiente e qualidade de vida aos cidadãos!

 

Sou Keyce Jhones, cicloativista e uma cidadão apaixonado por Manaus. Adotei a bicicleta como meio de transporte há dez anos, e vou lutar, assim como muitos aqui, para que Manaus tenha uma infraestrutura e um planejamento urbano voltado para as pessoas, e não para os carros."

 

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