Raí de Oliveira: "Não tenho carro há 12 anos"

Em entrevista ao Mobilize, o atual diretor de futebol do SPFC fala sobre cidades, cidadania, bicicleta, transporte público e caminhadas urbanas

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/ Ricky Ribeiro/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 12 de janeiro de 2018

Raí: o caminho é tornar o espaço público mais aces

Raí: "o caminho é tornar o espaço público mais acessível"

créditos: Pinterest

Ex-jogador, tetracampeão pela Seleção Brasileira e atual diretor de futebol do São Paulo Futebol Clube, Raí Souza Vieira de Oliveira também atua há longo tempo na área social, com a fundação Gol de Letra, que se apoia no esporte para estimular a educação de crianças e adolescentes, e na organização Atletas pela Cidadania, que reúne estrelas do esporte nacional. 

Quando vivia na Europa, Raí descobriu a possibilidade de viver e se deslocar pelas cidades sem o uso do automóvel e desde então procura estimular esse modo de vida: caminhar, usar transporte público e pedalar pelas cidades. Nesta entrevista, concedida no final de 2017, o ex-atleta fala um pouco sobre a sua visão de mundo e seus esforços para reduzir o abismo que separa ricos e pobres no Brasil.

Atletas de sucesso, especialmente jogadores de futebol, costumam ostentar carros caros, motos e outros bens de luxo. Essa postura acaba estimulando uma visão de que pessoas bem-sucedidas andam de carro. Como é o jeito Raí de circular pelas cidades do Brasil?
Não tenho carro há 12 anos. E fiz esta opção porque sou muito mais feliz deste modo. Os atletas de sucesso são jovens e ainda têm muito o que aprender. A maturidade nos faz ver que o verdadeiro luxo é morar em uma cidade em que podemos nos deslocar de maneira fácil, rápida e barata. Enquanto isso, a grande causa é propagar esta ideia e lutar por ela. Afinal, se trata da qualidade de vida das pessoas. O que seria mais importante?

Em uma entrevista você lembrou os tempos em que circulava de trem na França, o que nos remete ao ex-primeiro-ministro da Inglaterra, David Cameron, que gostava de andar de metrô lá em Londres... e até fazia marketing com isso. Quando teremos autoridades circulando ao lado de cidadãos comuns no transporte público?
Estamos muito longe disso. Mas uma coisa é certa: o dia em que chegarmos lá estaremos muito mais perto de uma justiça social e de um país mais civilizado e humano. Um dia chegaremos lá... 

Como você imagina que seria uma cidade ideal em relação à mobilidade urbana?
A cidade ideal será aquela em que as pessoas aprenderão que a lógica e a logística da mobilidade humana são interligadas diretamente à justiça social e à cidadania. A divisão dos espaços, a racionalização das vias e horários, a inteligência de pensarmos e decidirmos coletivamente pelo bem geral e qualidade de vida, de forma profunda, a ideia/conceito origem e destino racional, independente do preço do metro quadrado, nos elevaria a uma nação que também pensa a vida, a partir de seus deslocamentos/descobertas.

"A cidade ideal será aquela em que as pessoas aprenderão que a lógica e a logística da mobilidade humana são interligadas diretamente à justiça social e cidadania"

Raí pedalando com sua família em São Paulo

Eu já te vi pedalando num fim de tarde, chegando à av. Paulista. Você costuma usar a bicicleta em seu dia-a-dia? Como avalia os avanços (e alguns retrocessos) que tivemos no Brasil no uso da bicicleta? Você acredita na bike como um recurso de transporte sustentável?
Uso a bicicleta eventualmente. Ainda não com a frequência que desejo. Uso mais para compromissos pessoais. Visita às filhas, passeios, padarias, academia etc. Avançamos bastante em relação ao que existia, com alguns tropeços, mas na direção certa. Acredito muito na bicicleta como recurso de transporte, mas creio que ainda levaremos tempo, porque esta opção depende de um sistema integrado de transporte, ainda precário no Brasil. 

Andar a pé também é uma forma de mobilidade urbana, prevista na Política Nacional de Mobilidade. Como você vê a possibilidade de caminhar nas cidades brasileiras, com suas calçadas sempre em mau estado, semáforos demorados e motoristas mal preparados?
Acho que os deslocamentos a pé são um grande prazer, acima de tudo. Evidencia um atitude para tomar conta das ruas, conhecer detalhes, refletir sobre a vida, repensar nosso ritmo etc.  

Falando sobre a Gol de Letra... Vocês têm feito um trabalho de educação bastante inovador com base na força do futebol. Em geral, as ações são em bairros onde há carência de transporte público. A fundação já desenvolveu alguma ação para estimular práticas de mobilidade ativa para as crianças e seus pais? Quais foram os resultados?
A Fundação Gol de Letra usa a força do esporte como ferramenta de transformação social. Entendemos o esporte como um fenômeno sociocultural, mas também como um direito de todo cidadão, um promotor de qualidade de vida e, com certeza, um elemento transformador de pessoas e comunidades. E é isso que estamos fazendo, ofertando prática esportiva como uma estratégia excepcional, para ensinar valores e desenvolver habilidades sociais importantes. Tudo isso transforma a sociedade. Nós vivenciamos as dificuldades de transporte público na Vila Albertina, bairro da zona norte de São Paulo. Mas é muito bom ver, por exemplo, como o uso da bicicleta está crescendo. Uma das atividades mais procuradas em nossas Ruas de Lazer é justamente a oficina de reparos e pequenos consertos de bicicletas. 

Já é possível ver os resultados?
Na Gol de Letra, a gente não gosta daquele chavão “vamos tirar as crianças da rua”. Queremos o contrário. A solução não é erguer muros e colocar nossas famílias atrás deles. O caminho é acessar a cidade, é tornar o espaço público mais seguro, pacífico e democrático. Os resultado são ruas, praças, quadras e demais espaços públicos ocupados por manifestações esportivas, transformados em lugares mais seguros e inspiradores de convivência. Outro efeito frequentemente observado é a promoção do convívio social, com o fortalecimento de vínculos entre as pessoas, sejam elas integrantes de uma mesma família ou gente que acabou de se conhecer. Em suma: é a materialização do potencial transformador do esporte, capaz de formar indivíduos mais ativos e saudáveis, fortalecer lideranças, desenvolver valores, influenciar comportamentos, mudar hábitos e conectar as pessoas. 

Por fim, qual é seu maior sonho neste momento de sua vida?
Continuar sonhando, muito!!! E realizando… desejos nunca são em excesso ;-)))

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