Teste urbano: ciclovias cariocas são invadidas por carros e até lixo

Na cidade, há cerca de 700 mil ciclistas, fazendo 1,5 milhão de viagens diárias em 380 km de rotas cicloviárias

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Fonte: O Globo  |  Autor: Vera Araújo  |  Postado em: 11 de agosto de 2015

Ciclovias são invadidas por carros, caminhões e li

Ciclovias são invadidas por carros, caminhões e lixo

créditos: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

 

O trajeto é curto, mais ou menos 800 metros. Mas dá um frio no estômago toda vez que um automóvel força a barra, praticamente empurrando a minha bicicleta contra a calçada do Cemitério São João Batista, em Botafogo. O trecho em questão é a faixa compartilhada da General Polidoro, entre as ruas Real Grandeza e São João Batista. A calçada, com cerca de meio metro, ainda tem postes e pedestres, o que inviabiliza a minha passagem por lá. Mas, como preciso testar o sistema de mobilidade com a minha bike, tenho que me aventurar entre os automóveis, seguindo os desenhos de bicicletas no asfalto, indicação de que o ciclista deve dividir o espaço com outros veículos, incluindo motos e ônibus. Ali, o vento no rosto não é sinônimo de prazer por pedalar ao ar livre, mas sinal de que um carro passou raspando e em alta velocidade por mim. Pela General Polidoro transitam, diariamente, 25.410 veículos.

 

Na cidade, há cerca de 700 mil ciclistas, fazendo 1,5 milhão de viagens diárias, seja em deslocamentos de casa rumo ao trabalho, para o lazer ou para prestar serviços. O município tem 380 km de rotas cicloviárias, mas a meta é chegar a 450 até o fim deste ano. O trabalho está sendo acelerado porque a prefeitura quer disputar o direito de sediar, em 2018, o Velo-City, conferência anual internacional para discutir o uso da bicicleta como recreação, desenvolvimento sustentável e saudável. De 16 a 19 de agosto, a cidade será avaliada pela European Cyclist Federation, organização internacional com sede em Bruxelas.

 

A disputa para receber o evento segue preceitos semelhantes aos da escolha da sede das Olimpíadas. Há uma série de encargos e metas, em que é considerada desde a rede hoteleira para abrigar as delegações estrangeiras até a infraestrutura de ciclovias. Em 22 de setembro, Dia Mundial Sem Carro, deverá ser anunciado o ganhador. Este ano, a conferência se realiza em Nantes, na França.

 

MAIS DE MIL MULTAS EM SETE MESES

Mas, para o Rio ser bem avaliado, além de criar ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas, a Secretaria municipal de Meio Ambiente terá que fazer alguns ajustes na malha cicloviária e desenvolver campanhas para melhorar o convívio entre ciclistas, pedestres e motoristas. Durante o teste urbano, no curto trajeto de 10 km que fiz em Botafogo e Copacabana, flagrei cinco carros estacionados em cima de ciclofaixas, além de motos trafegando onde só ciclistas deveriam circular. Segundo a Guarda Municipal, de janeiro a julho deste ano, foram emitidas 1.009 multas de veículos flagrados transitando ou estacionados sobre ciclovias ou ciclofaixas em toda a cidade. Em Copacabana, foram 181 casos, enquanto em Botafogo houve 17 registros. Em sete meses, isso não dá nem uma multa por dia nesses dois bairros. Em toda a cidade, a média foi de cinco carros autuados diariamente.

 

Ao ser perguntada se o número de multas não seria baixo, a Guarda Municipal disse que a fiscalização é “intensa”. Por e-mail, sua assessoria informou que as infrações são “uma questão cultural (ou de falta de educação mesmo), pois as pessoas muitas vezes param ‘por cinco minutinhos’ e, quando os guardas são acionados, o tempo médio de chegada deles para reprimir o estacionamento irregular é de 25 a 30 minutos”. Para o condutor que estacionar ou der aquela paradinha rápida numa ciclofaixa ou ciclovia, o Código de Trânsito Brasileiro prevê multa de R$ 127,69 e menos cinco pontos na carteira de habilitação. Já para quem trafegar pelas vias destinadas aos ciclistas, a multa é mais pesada, por ser infração gravíssima: R$ 574,62 e perda de sete pontos.

 

Copacabana tem a maior rota cicloviária da Zona Sul: 22 km dos 107 da região. Por isso, comecei o meu passeio por lá, pegando o tráfego de 9h de uma terça-feira. Mesmo com 40 ruas inseridas na Zona 30, onde a velocidade máxima permitida é de 30km/h, justamente para garantir a segurança de quem usa a “magrela”, o ciclista percebe logo de cara os problemas. Por exemplo, o bairro não tem uma ligação direta com a Lagoa pelo Corte de Cantagalo. Acaba a ciclovia da Pompeu Loureiro, e o jeito é disputar espaço com os carros na Avenida Henrique Dodsworth, que nem faixa compartilhada tem. Depois é desembarcar da bicicleta e atravessar a Avenida Epitácio Pessoa e seus canteiros até chegar à ciclovia da Lagoa.

 

"Como você vai chegar à Lagoa? Tem que se jogar junto com os carros. Vira um vale-tudo", analisa Mário da Silva Ferreira Pinto, do grupo Bike Verde de Copacabana, que reúne usuários de bicicletas.

 

O subsecretário de Meio Ambiente, Altamirando Moraes, atribui a falta de acesso à Lagoa a um problema de planejamento do passado:

"Não tem como alargar as calçadas sem reduzir as pistas da Avenida Henrique Dodsworth. Ali, só com faixa compartilhada na rua ou na calçada. Como toda a cidade está muito impactada por obras, temos que esperar."

 

Ninguém quer perder espaço. Nem motoristas, nem pedestres. Para chegar ao Túnel Alaor Prata (o Túnel Velho, entre Copacabana e Botafogo), decidi pegar a Rua Figueiredo Magalhães. Subi rapidamente a calçada da estação do metrô, onde uma mulher demonstrou irritação ao me ver. Segui pela ciclofaixa, onde vi motociclistas, pedestres e entregadores com carrinhos conhecidos como burro sem rabo invadindo o espaço das bicicletas. Também encontrei carros estacionados. Logo a seguir, num trecho pequeno da ciclofaixa da Siqueira Campos, me deparei com uma poltrona bem no meio da pista. Além disso, ciclistas trafegavam na rua pela contramão.

 

"Hoje até que tem poucos carros invadindo nosso espaço. Parece que as marcações que indicam a existência de uma ciclofaixa são apenas tinta no chão. Já levei um tombo porque tive que desviar de um carro parado", contou a estudante e ciclista Nathalia Pompeu.

 

Gustavo Alecrim, integrante da Comissão de Segurança no Ciclismo do Rio, disse que o problema não está restrito à Zona Sul:

"Presencio as irregularidades nas ciclofaixas até do Centro. A Avenida Graça Aranha serve de estacionamento."

 

“FALTA TOLERÂNCIA DOS DOIS LADOS”

Também há problemas na região da Tijuca. Para Paulo Pencak, administrador da página Pedalando Tijuca, dizer que o bairro tem ciclovia é piada:

"Só há ciclofaixas no entorno do Maracanã e nas ruas Barão de Mesquita e Major Ávila. Não basta pintar bicicletas no chão. É preciso ordenar e fiscalizar."

 

Mais otimista, o ciclista André Handfas, de 36 anos, acha que, atualmente, há mais respeito por parte dos motoristas:

"Falta tolerância dos dois lados, mas a situação já foi bem pior."

 

Em setembro, está prevista a inauguração da ciclovia de Laranjeiras, com 5 km. Segundo Altamirando Moraes, na próxima semana começam os cursos de educação no trânsito para motoristas de oito empresas de ônibus que circulam no bairro:

"A nossa cultura é de não seguir regras. O nosso Código de Trânsito diz que o maior deve proteger o menor."

 

Até o fim do ano, devem ser entregues 17 km de ciclovia na área do Porto Maravilha, mas a meta é implantar 50. Ainda em 2015 serão concluídas as ciclovias da Avenida Niemeyer e do Recreio.

 

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