Texto e fotos: Uirá Lourenço
O governador Ibaneis Rocha anunciou a construção de duas novas pontes no Lago Sul. Cada novo viaduto, cada nova ponte anunciada pelo Governo do Distrito Federal reforça o rodoviarismo, o velho modelo de transporte voltado ao rei automóvel.
Desde 2019, o atual governo vem acumulando grandes obras de túneis e viadutos a um custo elevado. As notícias oficiais enaltecem o número de motoristas beneficiados. Viaduto do Jardim Botânico (R$ 33,5 milhões, 50 mil motoristas beneficiados); trevo rodoviário entre o Sudoeste e o Parque da Cidade (R$ 27 milhões, 50 mil motoristas beneficiados); túnel de Taguatinga (R$ 275 milhões, mais de 137 mil motoristas beneficiados). As novas pontes custariam a ‘bagatela’ de R$ 1,7 bilhão.
Enquanto isso, quem se desloca sem carro continua prejudicado. A W3 Norte permanece em total abandono, com calçadas que parecem ter sido alvo de bombardeio. As crateras e a falta de rampas impedem o livre caminhar na área central (nas áreas afastadas a situação é ainda pior). Outro grave problema são as travessias. Apenas para mencionar dois trechos críticos, e sem qualquer providência das autoridades: o temido TTN (‘Terrível Trevo Norte’), no final da Asa Norte, e a via de acesso à ponte JK, ambos com alto limite de velocidade (80 km/h) e sem local de travessia.
E o que dizer da falta de calçadas, um passivo que se arrasta por décadas? Os ‘caminhos de rato’ (linhas de desejo), rastros deixados por pedestres e ciclistas, são uma marca registrada da capital federal.
Uma das muitas crateras avantajadas na W3 Norte.
Travessia difícil no TTN e caminho de rato no acesso ao Lago Norte.
O cenário atual é desanimador no Distrito Federal: frota de 1,7 milhão de automóveis para uma população de 3,1 milhões. Pistas entupidas, estacionamentos com carros transbordando, canteiros e calçadas que acabam virando estacionamento. Essa é uma realidade que se agrava com as grandes obras: mais pistas e viadutos incentivam mais pessoas a usarem carro e não leva muito tempo para novamente saturar as vias e os estacionamentos. Costuma se dizer que novos viadutos são atalhos para congestionamentos.
Estacionamento cheio na Esplanada dos Ministérios e canteiro invadido por carros.
Vale lembrar que a utilização do transporte coletivo vem caindo ao longo dos anos, o que reforça o fracasso das políticas de transporte, que deveriam promover a migração do automóvel para os modos coletivos (ônibus e metrô). Segundo diagnóstico apresentado na revisão do Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU), de 2011 para 2024 a participação do ônibus nos deslocamentos caiu de 32% para 22%.
Para amenizar tantas obras com foco no automóvel, esta semana o GDF anunciou a instalação de 3 mil novos abrigos aos usuários de ônibus. O novo modelo de abrigo gerou muitos comentários nas redes sociais, afinal o tamanho é bem reduzido, com espaço para apenas três pessoas sentarem e baixa proteção contra sol e chuva.
As melhorias no metrô e a ampliação das linhas (duas novas estações serão construídas em Samambaia) estão longe de ser prioridade e as queixas dos usuários são frequentes. Superlotação, longa espera nas estações e problemas técnicos (inclusive incêndio e explosão) são noticiados com frequência. Projetos estruturantes e que trariam avanços na mobilidade não saem do papel, tais como o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e o BRT Norte (sistema de ônibus com corredores exclusivos e estações que ligaria Brasília a Sobradinho e Planaltina).
O governo atual tem reforçado o velho rodoviarismo caro, poluente e insustentável. A Via Estrutural é um exemplo bem evidente. Foi realizada grande obra de concretagem das pistas (custo de R$ 80 milhões e 100 mil motoristas beneficiados, segundo notícia do GDF). Apesar das seis faixas de rolamento, não existe faixa exclusiva de ônibus e os abrigos ainda são do velho modelo caixa de concreto, sem qualquer informação em tempo real ao usuário (apesar de a frota de ônibus no DF possuir GPS). Outro ponto que chama atenção é a ausência de calçadas e ciclovias. Pedestres e ciclistas se espremem na lateral da via com limite de velocidade de 80 km/h.
Via Estrutural: obras não resultaram em priorização do transporte coletivo.
Na notícia da construção das novas pontes, o governador Ibaneis afirma que está ‘pensando Brasília para 20, 30, 40, 50 anos’. Sinto informar que ele está equivocado. Pensar a cidade para o futuro passa longe de priorizar os carros, como vem fazendo desde o início do governo com os grandes túneis e viadutos (e agora com as novas pontes).
Pensar para o futuro significa priorizar as pessoas e o transporte coletivo, em vez dos carros. Como se faz em Amsterdã, Barcelona, Copenhague, Londres, Nova York e Paris, para mencionar algumas das cidades na vanguarda da mobilidade.
Entre as medidas adotadas nas cidades modernas, estão: redução de pistas e estacionamentos, restrição da circulação de carros em determinadas áreas, criação de rede conectada de ciclovias e ciclofaixas, redução do limite de velocidade, instalação de bicicletários nos terminais de transporte, ampliação do sistema por trilhos (metrô, trem e VLT), cobrança por vagas de estacionamento e pedágio urbano.
Segundo notícia de março deste ano, Paris tem tomado medidas para se tornar uma cidade sem carros. O preço do estacionamento para modelo SUV triplicou, 10 mil vagas de estacionamento na cidade foram suprimidas, o limite de velocidade em toda a cidade passou a ser de 30 km/h e aumentou o número de ruas para uso exclusivo dos pedestres.
E aí, governador, vamos despertar para a necessidade de desestimular o uso do carro e promover a mobilidade ativa integrada ao transporte coletivo?! Com os cerca de R$ 2 bilhões das duas pontes anunciadas daria para construir muitas calçadas e bicicletários, criar novas faixas exclusivas de ônibus, modernizar o metrô e tirar da gaveta o projeto de VLT.