Brasilia Para Pessoas

23
junho
Publicado por Brasília no dia 23 de junho de 2025

Texto e fotos: Uirá Lourenço

O governador Ibaneis Rocha anunciou a construção de duas novas pontes no Lago Sul. Cada novo viaduto, cada nova ponte anunciada pelo Governo do Distrito Federal reforça o rodoviarismo, o velho modelo de transporte voltado ao rei automóvel.

Desde 2019, o atual governo vem acumulando grandes obras de túneis e viadutos a um custo elevado. As notícias oficiais enaltecem o número de motoristas beneficiados. Viaduto do Jardim Botânico (R$ 33,5 milhões, 50 mil motoristas beneficiados); trevo rodoviário entre o Sudoeste e o Parque da Cidade (R$ 27 milhões, 50 mil motoristas beneficiados); túnel de Taguatinga (R$ 275 milhões, mais de 137 mil motoristas beneficiados). As novas pontes custariam a ‘bagatela’ de R$ 1,7 bilhão.

Enquanto isso, quem se desloca sem carro continua prejudicado. A W3 Norte permanece em total abandono, com calçadas que parecem ter sido alvo de bombardeio. As crateras e a falta de rampas impedem o livre caminhar na área central (nas áreas afastadas a situação é ainda pior). Outro grave problema são as travessias. Apenas para mencionar dois trechos críticos, e sem qualquer providência das autoridades: o temido TTN (‘Terrível Trevo Norte’), no final da Asa Norte, e a via de acesso à ponte JK, ambos com alto limite de velocidade (80 km/h) e sem local de travessia. 

E o que dizer da falta de calçadas, um passivo que se arrasta por décadas? Os ‘caminhos de rato’ (linhas de desejo), rastros deixados por pedestres e ciclistas, são uma marca registrada da capital federal.

Pessoas andando na calçada com grama

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Uma das muitas crateras avantajadas na W3 Norte.

Travessia difícil no TTN e caminho de rato no acesso ao Lago Norte.

O cenário atual é desanimador no Distrito Federal: frota de 1,7 milhão de automóveis para uma população de 3,1 milhões. Pistas entupidas, estacionamentos com carros transbordando, canteiros e calçadas que acabam virando estacionamento. Essa é uma realidade que se agrava com as grandes obras: mais pistas e viadutos incentivam mais pessoas a usarem carro e não leva muito tempo para novamente saturar as vias e os estacionamentos. Costuma se dizer que novos viadutos são atalhos para congestionamentos.

Estacionamento cheio na Esplanada dos Ministérios e canteiro invadido por carros.

Vale lembrar que a utilização do transporte coletivo vem caindo ao longo dos anos, o que reforça o fracasso das políticas de transporte, que deveriam promover a migração do automóvel para os modos coletivos (ônibus e metrô). Segundo diagnóstico apresentado na revisão do Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU), de 2011 para 2024 a participação do ônibus nos deslocamentos caiu de 32% para 22%.   

Para amenizar tantas obras com foco no automóvel, esta semana o GDF anunciou a instalação de 3 mil novos abrigos aos usuários de ônibus. O novo modelo de abrigo gerou muitos comentários nas redes sociais, afinal o tamanho é bem reduzido, com espaço para apenas três pessoas sentarem e baixa proteção contra sol e chuva.

As melhorias no metrô e a ampliação das linhas (duas novas estações serão construídas em Samambaia) estão longe de ser prioridade e as queixas dos usuários são frequentes. Superlotação, longa espera nas estações e problemas técnicos (inclusive incêndio e explosão) são noticiados com frequência. Projetos estruturantes e que trariam avanços na mobilidade não saem do papel, tais como o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e o BRT Norte (sistema de ônibus com corredores exclusivos e estações que ligaria Brasília a Sobradinho e Planaltina).

O governo atual tem reforçado o velho rodoviarismo caro, poluente e insustentável. A Via Estrutural é um exemplo bem evidente. Foi realizada grande obra de concretagem das pistas (custo de R$ 80 milhões e 100 mil motoristas beneficiados, segundo notícia do GDF). Apesar das seis faixas de rolamento, não existe faixa exclusiva de ônibus e os abrigos ainda são do velho modelo caixa de concreto, sem qualquer informação em tempo real ao usuário (apesar de a frota de ônibus no DF possuir GPS). Outro ponto que chama atenção é a ausência de calçadas e ciclovias. Pedestres e ciclistas se espremem na lateral da via com limite de velocidade de 80 km/h.

Via Estrutural: obras não resultaram em priorização do transporte coletivo.  

Na notícia da construção das novas pontes, o governador Ibaneis afirma que está ‘pensando Brasília para 20, 30, 40, 50 anos’. Sinto informar que ele está equivocado. Pensar a cidade para o futuro passa longe de priorizar os carros, como vem fazendo desde o início do governo com os grandes túneis e viadutos (e agora com as novas pontes).

Pensar para o futuro significa priorizar as pessoas e o transporte coletivo, em vez dos carros. Como se faz em Amsterdã, Barcelona, Copenhague, Londres, Nova York e Paris, para mencionar algumas das cidades na vanguarda da mobilidade.

Entre as medidas adotadas nas cidades modernas, estão: redução de pistas e estacionamentos, restrição da circulação de carros em determinadas áreas, criação de rede conectada de ciclovias e ciclofaixas, redução do limite de velocidade, instalação de bicicletários nos terminais de transporte, ampliação do sistema por trilhos (metrô, trem e VLT), cobrança por vagas de estacionamento e pedágio urbano. 

Segundo notícia de março deste ano, Paris tem tomado medidas para se tornar uma cidade sem carros. O preço do estacionamento para modelo SUV triplicou, 10 mil vagas de estacionamento na cidade foram suprimidas, o limite de velocidade em toda a cidade passou a ser de 30 km/h e aumentou o número de ruas para uso exclusivo dos pedestres.

E aí, governador, vamos despertar para a necessidade de desestimular o uso do carro e promover a mobilidade ativa integrada ao transporte coletivo?! Com os cerca de R$ 2 bilhões das duas pontes anunciadas daria para construir muitas calçadas e bicicletários, criar novas faixas exclusivas de ônibus, modernizar o metrô e tirar da gaveta o projeto de VLT.



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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