Texto e fotos: Uirá Lourenço
Voltei à Cidade Luz após 15 longos anos. Estava ansioso não só pelas inúmeras atrações, mas também pelas mudanças na mobilidade que acompanho por notícias. A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, vem se destacando pelas ações em favor das pessoas e pelo desestímulo aos carros.
Fiquei impressionado com o boom de ciclistas e com a diversidade de bicicletas, inclusive cargueiras e modelos com extensão traseira (para carregar crianças). Não pedalei dessa vez1, mas caminhei e corri bastante.
Fiquei na parte norte da cidade – perto da estação de trem Gare du Nord – e decidi ir caminhando até a parte central. Foram cerca de 7 km até a Torre Eiffel. Na caminhada de mais de uma hora (com parada para apreciar, descansar e tirar fotos), notei muitos aspectos positivos: calçadas em ótimo estado, árvores e sombra (verão com temperatura beirando 30 graus), diversidade de pessoas e meios de transporte (ônibus, metrô, patinete, bicicleta e triciclo), lojas e áreas verdes (praças e parques).
Rua exclusiva para pedestres e calçadas acessíveis.
O nível de acessibilidade é altíssimo e vi muitas pessoas idosas e cadeirantes nas ruas. As zonas de baixa velocidade (com limite de 20 e 30 km/h) e os espaços exclusivos para pedestres ajudam bastante, tornam a cidade mais segura e caminhável.
Boulevard Parisiense
É tão bom andar num autêntico boulevard: avenida com árvores frondosas, calçada plenamente acessível, ciclovia e vagas para bicicletas. Como não lembrar da W3 Norte por onde passo com frequência? As árvores são belas e altas na parte central, mas o caminho é esburacado, inacessível e sem qualquer facilidade para ciclistas.
Na avenida parisiense há inclusive banheiro público gratuito, com mapa dos arredores e água potável. Fiquei um tempo razoável ali, admirando o grande movimento de pessoas e sonhando com o dia em que a W3 será plenamente caminhável e pedalável.
Banheiro gratuito com mapa e água potável.
Também lembrei do ‘boulevard’ de Taguatinga, na parte de cima do túnel construído. Uma grande área de concreto, impermeável, sem sombra e com grande fluxo de carros, motos e ônibus. Bem diferente do autêntico boulevard.
Rio Sena
Chegar à margem do rio e ver uma multidão andando, correndo e pedalando foi uma grata surpresa. Os carros não circulam mais, deram passagem às pessoas. Na minha lembrança de 2010 não havia a agradável área de lazer e convivência à beira do Sena.
Lugar perfeito para descanso e esporte. Vi grupos de pedal e de corrida, incluindo pessoas fazendo passeio turístico de bicicleta. Ao longo do rio, mais pontos de água potável. Fácil de encher a garrafinha e poupar euro com água mineral.
Uma pena não ter conseguido tomar banho no rio. Nas Olimpíadas de 2024 houve problemas na realização de provas de natação, apesar do grande investimento para despoluir o Sena. Em julho deste ano o banho foi liberado, mas não tardou a ser novamente proibido por risco de contaminação.
Bikes, ônibus e metrô
Ciclovia movimentada às margens do rio Sena.
Por toda a andança vi bicicletas de todo tipo, muitas circulando e estacionadas na rua e próximo de estações de trem e metrô. Também vi pessoas de skate, patins, patinete e monociclo. Há diferentes opções de bicicletas compartilhadas: tanto do Vélib, com estações (que já existiam em 2010), quanto outros serviços sem estação. Destacam-se as bikes urbanas (com para-lama, cestinha e bagageiro), elétricas, cargueiras e dobráveis.
Certamente há muito mais ciclovias e ciclofaixas agora do que em 2010. Numa ciclovia à beira do Sena tem contador de ciclistas. Não chega a ser Amsterdã, mas impressiona e se podem ver locais com congestionamento de ciclistas.
Grande quantidade e diversidade de bicicletas nas ruas.
Nem tudo são flores. A falta de infraestrutura no Arco do Triunfo chama atenção. O movimento de carros e ônibus na rotatória é intenso e os ciclistas pareciam presas sendo perseguidas pelos motoristas impacientes. Fiquei um tempo observando e imaginando como os holandeses resolveriam – com sinalização e redesenho – e tornariam a região segura e humanizada. Na avenida Champ-Élysées notei que as calçadas são largas e acessíveis; mas o espaço lateral para os ciclistas, estreito.
É claro que andei de metrô, me perdi pelos caminhos subterrâneos e testei desde trens um pouco mais velhos até os mais novos e silenciosos, que passam numa frequência incrível para os padrões brasilienses. Em toda a cidade se veem estações, são mais de 300 distribuídas em 14 linhas.
Ônibus elétricos e com piso baixo.
Outro detalhe quanto ao transporte coletivo: os ônibus são modernos, têm piso baixo e boa parte da frota é híbrida ou elétrica. Os pontos de parada indicam as linhas, alguns com informações em tempo real do horário em que vai passar o ônibus.
Cidade 15 Minutos / Cidade 1 Hora
Rua com boa infraestrutura para pedestres e ciclistas.
Paris tem avançado no conceito de cidade 15 minutos, em que se tem fácil acesso – sem carro – a comércio trabalho e lazer a uma distância de até 15 minutos, a pé ou de bicicleta. A ideia foi criada pelo urbanista colombiano Carlos Moreno (professor universitário em Paris) e tem sido aplicada pela prefeita Anne Hidalgo, que administra a cidade desde 2014 e foi reeleita para mandato até 2026.
Nessa experiência de caminhada longa – agradável, sem tropeços – e considerando as andanças em Brasília, ousaria falar em Cidade 1 Hora. É incrível (utópico para um morador de Brasília) poder caminhar por 7 km em calçadas acessíveis e contínuas, com travessias seguras, pontos de descanso, fontes de água, banheiros públicos e atrativos como praças, lojas e áreas verdes.
Praça e parque no caminho: bons locais de descanso.
Na área central de Brasília, mesmo uma caminhada curta de 10 minutos pode ser desafiadora em razão das calçadas ruins (ou ausentes) e do risco nas travessias, especialmente se for no sentido leste-oeste e passar pelo muro Eixão.
Na volta aproveitei que o Iuri (filho mais novo) estava bem disposto e alternamos entre caminhada e corrida. Com o trajeto plenamente acessível e seguro, nem notamos o tempo passar e fechamos bem o dia.
À bientôt Paris!
____________________
1 Até tentei usar o sistema Vélib, mas seria necessário valor caução de 300 euros (ou 500 para duas bicicletas) para cadastrar e sair pedalando. Fica para a próxima, quando o câmbio estiver mais favorável.
VÍDEOS