Zona Verde, aspectos relevantes e preocupantes

Uirá Lourenço, do blog Brasília para Pessoas, defende o estacionamento rotativo nas ruas do DF, aponta os ganhos e também os ônus para os moradores da capital

Notícias
 

Fonte: Brasília para Pessoas  |  Autor: Uirá Lourenço/Brasília para Pessoas  |  Postado em: 06 de agosto de 2020

Estacionamento rotativo, uma forma de reduzir a pr

Estacionamento rotativo: uma solução para Brasília

créditos: Metrópole


A proposta de estacionamento rotativo pago foi apresentada pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e tem causado grande polêmica. Em vídeo, comentei aspectos positivos da cobrança de estacionamento em vagas públicas que ocorre em diversas cidades, como o ordenamento do espaço e a rotatividade. Neste texto pretendo comentar aspectos específicos e relevantes da Zona Verde.  Como tentarei mostrar a seguir, muitos ajustes são necessários. Do jeito que está, os moradores terão pouco incentivo para trocar o carro pelo transporte público ou pela mobilidade ativa.


Estão disponíveis vários documentos na página da Secretaria de Mobilidade (Semob), tais como a proposta elaborada pela Rizzo Park, o caderno de encargos, a apresentação feita na audiência pública e o plano de implantação. Além das informações contidas nos documentos, a Rede Urbanidade promoveu diálogo com o governo ontem (5/8), em que Valter Casimiro, secretário de mobilidade, e Antônio Espósito, servidor da Semob, esclareceram dúvidas. O secretário expôs que o governo está aberto para contribuições e apenas dois pontos são inalteráveis: a criação de bolsões de estacionamento nos terminais de transporte e a gratuidade aos motoristas que estacionarem nos bolsões e usarem o transporte coletivo.

 


Mapa com as regiões propostas para cobrança na Zona Verde

Destinação dos Recursos
O primeiro ponto importante é a destinação dos recursos arrecadados. É fundamental que o valor da cobrança pelo uso das vagas seja investido em melhorias na mobilidade (por exemplo, reforma de calçadas, ampliação das ciclovias e construção de abrigos de ônibus). Se a Zona Verde tem como objetivo desestimular o uso do carro, faz todo sentido que a cobrança dos motoristas resulte em melhorias no sistema de transporte, para que as alternativas ao carro se tornem mais atrativas.

No entanto, o secretário de mobilidade deixou claro que 
os recursos da Zona Verde serão destinados ao Iprev (Instituto de Previdência dos Servidores do DF), por força da legislação atual. Segundo ele, a lei que regulamenta as parcerias público-privadas (PPPs) foi alterada no governo Rollemberg e exige que o valor seja repassado integralmente para a previdência dos servidores. Ou seja, a mudança no destino dos recursos dependeria de aprovação de lei pelos deputados distritais.

Fiz pesquisa sobre sistemas de cobrança em outras cidades. 
Em Fortaleza/CE a legislação vincula os recursos do rotativo pago a melhorias para os ciclistas: “Os recursos provenientes do Sistema de Estacionamento Rotativo Zona Azul serão aplicados, exclusivamente, na Política Cicloviária do Município de Fortaleza, prevista na Lei nº 10.303/2014” (art. 15 da Lei Municipal n° 10.752/2018).

Prazo da Concessão e repasse ao GDF
Outros aspectos a considerar: o longo prazo de concessão previsto inicialmente (30 anos) e o valor a ser repassado ao governo pela empresa concessionária. O secretário de mobilidade disse que pode ser revisto o prazo de concessão e que o repasse previsto foi baseado em modelagem econômica, que estabeleceu valores de outorga fixa e de outorga variável. 

A apresentação feita na audiência pública traz as seguintes informações:  outorga inicial de R$ 785,8 milhões (valor que seria pago pela empresa na assinatura do contrato) e outorga mensal mínima de 10% (percentual da receita tarifária bruta). Na conversa de ontem, o secretário de mobilidade defendeu um ajuste dos valores de outorga, com valor inicial inferior.

Algumas pessoas questionaram na reunião a possibilidade de a licitação fracionar as áreas com cobrança de estacionamento, o que poderia viabilizar a participação de maior número de empresas. O secretário respondeu que achava difícil por questões operacionais e que áreas com sistemas diferentes poderiam confundir os motoristas.

Na pesquisa sobre estacionamento rotativo em outras cidades, notei que 
em Vitória (ES) o percentual de repasse da concessionária à prefeitura é de 32,78%. Segundo a notícia da prefeitura, o valor é aplicado em “sinalização, engenharia de tráfego, educação de trânsito, fiscalização e segurança”.  Não obtive mais detalhes sobre o sistema, mas chama atenção a diferença em relação ao percentual mínimo de outorga mensal da Zona Verde.

Contrapartidas – projetos e obras do GDF
Entre os argumentos contrários à proposta de Zona Verde, apresentado por muitos moradores e por parlamentares, está a deficiência no transporte coletivo. E, quanto a esse ponto, é fato que a população precisa ter incentivos e garantias de que o sistema de transporte melhore e suporte o acréscimo esperado de usuários. 

a) Melhorias no Transporte Coletivo
Questionei na reunião como compatibilizar o objetivo da proposta (desestímulo ao uso do carro e incentivo aos modos coletivos) com os projetos e as obras do GDF: túneis e viadutos que incentivam o transporte individual motorizado. O secretário de mobilidade respondeu que os viadutos contribuem para a agilidade dos usuários do transporte coletivo e que atenderão aos sistemas de BRT. Ele acrescentou que o governo não tem recursos próprios para o BRT e o alto custo dificulta a execução (valor do BRT Norte: cerca de R$ 1 bilhão).


A Zona Verde propõe a construção de 
16 bolsões de estacionamento associados aos terminais de transporte (Ipê Branco). O objetivo é incentivar a integração com o transporte coletivo, garantindo gratuidade da vaga aos motoristas que usarem ônibus ou metrô.


O mapa com a proposta da Zona Verde indica os quatro terminais em Brasília: Rodoviária do Plano Piloto, Terminal da Asa Sul, Terminal da Asa Norte e Rodoferroviária. Vale comentar a situação atual nesses terminais. O prometido terminal de transporte da Asa Norte nunca saiu do papel, apesar das promessas ao longo dos diferentes governos. O espaço do Terminal Multimodal da Asa Norte (TAN) é tomado por poeira e ônibus estacionados de forma improvisada. Nem mesmo a rodoviária do Plano Piloto, o mais movimentado terminal de transporte, possui condições satisfatórias. O entorno da rodoviária é bem hostil para pedestres e ciclistas, com calçadas destruídas e sem rampas, e sem bicicletários e rotas seguras para os ciclistas.

Condições inadequadas nos terminais de transporte: Rodoviária do Plano Piloto (esq.) e Terminal da Asa Norte (dir.)


Na conversa com os membros da Rede Urbanidade, o secretário de mobilidade comentou que o governo pretende melhorar a infraestrutura e aumentar a capacidade do transporte coletivo. No entanto, não estão claras as ações e obras para viabilizar essas melhorias. Considerando a transparência pública e a necessidade de convencimento da população (por enquanto, há forte resistência dos moradores), seria recomendável que o GDF apresentasse em detalhe quais são as propostas voltadas ao transporte coletivo, com cronograma de implantação e recursos orçamentários previstos.b) Incentivos à Mobilidade Ativa

Na estratégia de desestimular o uso do automóvel e desafogar a área central, a mobilidade ativa (a pé, por patinete e bicicleta, entre outras possibilidades) deve ser considerada. O incentivo ao uso da bicicleta como meio de transporte pode se dar por meio de melhorias na infraestrutura (por exemplo, ciclovias e ciclofaixas), ações de segurança no trânsito (por exemplo, redução no limite de velocidade) e instalação de vagas para os ciclistas (paraciclos e bicicletários).   

Existe um grande potencial de associar um sistema rotativo pago a melhorias voltadas aos modos ativos de transporte. No entanto, a proposta de Zona Verde não faz menção ao Plano de Mobilidade Ativa, objeto de audiência pública do GDF no dia 30 de junho. No caderno de encargos, disponibilizado pelo GDF, nota-se uma interface com o tema ao prever na pág. 33: “a concessionária será responsável pela implantação e manutenção dos novos bolsões e paisagismo do Sistema de Estacionamento Rotativo Zona Verde, com a aplicação de complementariedades tais como paraciclos, conexão de ciclovias, acessibilidade inclusiva, dentre outras, nos padrões apontados no Estudo de Viabilidade”.

Alguns membros da Rede Urbanidade questionaram sobre ações voltadas aos pedestres e ciclistas, incluindo a conexão das ciclovias. O secretário de mobilidade informou que algumas melhorias, como a reforma das passagens subterrâneas do Eixão e a conexão dos caminhos para ciclistas, estão previstas na terceira etapa do projeto de VLT na W3 Sul.

A percepção é que falta detalhamento sobre as ações concretas para melhorar as condições para pedestres e ciclistas. Não encontrei tabela que especifique os locais nem o cronograma previsto para esse tipo de intervenção. No estudo apresentado pela empresa (pág. 336) há imagem que ilustra o setor bancário reurbanizado.


Vale destacar ainda que Brasília perdeu no início do ano os dois sistemas de bicicletas compartilhadas (com e sem estações físicas) que funcionavam na área central. Esse tipo de serviço não está contemplado na Zona Verde, mas poderia estar associado como encargo da empresa vencedora. Os bolsões no Ipê Branco poderiam dispor de bicicletários gratuitos (cobertos e com controle de acesso) e sistema com bicicletas e patinetes compartilhados.


Bicicletas e patinetes compartilhados que circulavam em Brasília


Inclusão social dos trabalhadores
A proposta atual prevê no caderno de encargos (pág. 53) o Espaço Guardador, a ser construído nos bolsões e/ou nas centrais de atendimento, “para que os guardadores de veículos previamente cadastrados possam realizar a venda de lavagem de veículos”.

A conversa de ontem contou com a participação de Valdivino da Silva, que é guardador de carros e representa o Sindicato dos Guardadores e Lavadores de Veículos do DF (Sindglav/DF). Ele expôs a preocupação com a inclusão dos trabalhadores que dependem dos serviços prestados aos motoristas. Segundo notícia de 2019, são cerca de 18 mil lavadores e guardadores de carro na cidade. Valdivino comentou que existem modelos de contrato em cidades do Brasil que promovem a inclusão dos guardadores de carro. Ele sugeriu aos representantes do GDF que os trabalhadores possam usar máquinas para a venda de créditos da Zona Verde, em vez de usar o aplicativo. O secretário de mobilidade se comprometeu a debater com a categoria.


Considerando os aspectos analisados, a conclusão é que, apesar de ser positiva a cobrança pelo uso das vagas públicas, a proposta do GDF apresenta poucas garantias de que o nobre objetivo de desestimular o uso do carro será cumprido.
 É fundamental ter a garantia que os recursos arrecadados serão investidos em mobilidade. E a população precisa ser convencida – com projetos e ações efetivas do governo – de que o sistema de transporte vai se tornar mais atrativo.


Leia também:

Zona Verde em Brasília: espaço para uso do pedestre e do ciclista
Pandemia escancara dura realidade do transporte público urbano
A Cajazeira no Asfalto – Brasilia Para Pessoas
Justiça do DF exige bicicletário e ciclovias na Rodoviária de Brasília
Carta Aberta pede mobilidade mais humana e sustentável no DF


  • Compartilhe:
  • Share on Google+

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário