Ciclovia da Terceira Ponte e outras histórias do cicloativismo no ES

Marcada por ações e anos de militância, a luta de cicloativistas capixabas tem grandes conquistas como a ciclovia ligando Vitória a Vila Velha, que está sendo executada

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Fonte: Século Diário  |  Autor: Vitor Taveira*  |  Postado em: 29 de novembro de 2021

Ciclovia da Terceira Ponte começou esta semana obr

Ciclovia da Terceira Ponte começou esta semana obras do piso

créditos: Reprodução/Redes sociais

Em julho tiveram início as obras para a implantação da ciclovia na Terceira Ponte, que deve ser finalizada em 2023. Parte da estrutura já pode ser visualizada por quem passa na altura do Shopping Vitória. A obra que agora é visível foi fruto de um longo processo de reivindicações em anos passados, durante um período de grande mobilização cicloativista.

 

Por permitir o acesso entre Vitória e Vila Velha, há anos os ciclistas reivindicam uma passagem que possa facilitar seu trânsito, sem que tenham que necessariamente ir até as Cinco Pontes para cruzar entre os municípios, um caminho muito maior para quem está em outro ponto da cidade. Desde os anos 2000, uma série de mobilizações foi feita, desde debates e sugestões, até ações diretas.

 

Entre as mais emblemáticas estavam as Bicicletadas, que aconteciam na última sexta-feira de cada mês, no bojo do movimento mundial chamado de massa crítica. Em algumas ocasiões, o grupo ultrapassou as cancelas de pedágio e cruzou a ponte entre várias bicicletas como forma de protesto, conforme registrado em imagens, inclusive uma do circuito interno de câmeras, que mostra vários ciclistas cruzando a ponte no Dia Mundial Sem Carro.

 

"As ações da Bicicletada usavam a ocupação da via pública para chamar a atenção", conta Filipe Borba, um dos membros ativos da massa crítica, que não teve edições durante a pandemia do coronavírus. "A gente tomava a Terceira Ponte de assalto, chegava todo mundo de bicicleta subindo. Por vezes encontramos a polícia no alto da ponte, no meio do vão central. Uma vez foi engraçado, porque na hora de voltar a polícia havia fechado a ponte. É como nos casos das manifestações de rua, a polícia bloqueia a via para evitar que os manifestantes bloqueiem a via", diverte-se o cicloativista.

 

Diversas frentes

Além disso, a ação política institucional e nas redes foi importante para aumentar a pressão e garantir a implementação da ciclovia na Terceira Ponte. Ainda no primeiro governo de Renato Casagrande (PSB), a proposta foi incluída como projeto prioritário no orçamento participativo para 2015, após intensa mobilização dos ciclistas nas redes sociais para votação. O plano acabou engavetado durante a gestão de Paulo Hartung (MDB), mas voltou a ser trabalhado com o retorno de Casagrande ao governo estadual.

 

Filipe Borba explica que, para além das ciclovias, os movimentos sempre reivindicaram cidades mais humanas, com infraestruturas por intermodais e educação no trânsito para que todos convivam bem. 

 

"Dentro do contexto da Grande Vitória, as cidades são relativamente pequenas e fáceis de se locomover, então com infraestrutura adequada, pessoas podem substituir o carro ou ônibus e se locomover em bicicleta. Mas é preciso uma rede de ciclovias integradas para se locomover com segurança por toda cidade", reivindica o cicloativista.

 

Ciclovia da Vida

O Espírito Santo, e Vitória especialmente, viveu grande ciclo de mobilizações em torno da pauta da mobilidade ativa, como costumam chamar os cicloativistas, entre 2013 e 2016, contribuindo para conquistas que foram ou ainda estão sendo realizadas pelo poder público, como é o caso da Ciclovia da Vida, nome recebido pela obra da Terceira Ponte, que incluirá também uma estrutura para evitar tentativas de suicídios.

 

No embalo das manifestações de junho de 2013, em que a questão do transporte foi central para o início dos protestos, foi criado o grupo Ciclistas Urbanos Capixabas (CUC), aglutinando ou dialogando com diversos outros grupos já atuantes, como Bicicletada, Bike Anjo, Cicle Chic, O Ciclista Capixaba, Bloco Magrelas Voadoras e outros. De lá pra cá, diversos grupos realizaram protestos, manifestos, seminários, bicicletadas e passeios ciclísticos, blocos de carnaval, oficinas de conserto de bicicletas, aulas para iniciantes, e outras atividades.

 

Bikes compartilhadas

Tudo isso tem surtido algum efeito ao longo do tempo. Entre as conquistas estão a implementação de sistemas de bicicletas compartilhadas nos municípios da Grande Vitória e a a criação do Bike GV, um ônibus especial que transporta ciclistas e suas bicicletas e cruza a Terceira Ponte nos dois sentidos, em horários especiais. 

 

Outra reivindicação que teve início em sua concretização, depois de muito tempo, foi a reativação do sistema aquaviário, que também permitirá que ciclistas sejam transportados em suas bicicletas. E ainda a não divisão da Praça do Cauê,  em Vitória, também autonomeada pelos movimentos como Praça do Ciclista, para a criação de uma via linear para o acesso à Terceira Ponte, o que era apontado por eles como ineficiente para solucionar o problema do trânsito no local.

 

Além disso, um dos atos mais curiosos foi a interrupção do trânsito em uma das vias da Avenida Alexandre Buaiz, em frente aos armazéns do porto de Vitória, no Centro. Durante o ato, cicloativistas vestidos de trabalhadores da construção simulam estar trabalhando numa obra, colocando uma placa que dizia "Atenção: obras da ciclovia das docas". A ação criativa acabou na capa dos jornais, reforçando a demanda antiga pela ciclovia no local, que era um dos principais pontos de atropelamento e morte na Capital, que hoje conta com uma ciclovia.

 

Ciclistas se vestem de operários e chamam a atenção da mídia, em luta por ciclovia na região das Docas. Foto: Acervo Luiz Son

 

Entre as outras ações diretas, estão também as "ghost bikes", bicicletas pintadas de branco que são colocadas em pontos altos como postes no local onde ciclista faleceram por conta da falta de segurança para tráfego, como um monumento de homenagem ao ciclista que se foi e de alerta aos que continuam transitando pelo local.

 

Uma das pessoas que faleceram nos últimos anos por conta dessa falta de segurança foi Detinha Son, uma das mais destacadas cicloativistas e lideranças do CUC, que perdeu a vida em 2016 após sua bicicleta se chocar com a porta de um carro que se abriu de repente à sua frente. Agora, grupos de ciclistas se mobilizam para que a Ciclovia da Vida leve o nome de Detinha Son como homenagem.

 

No período de ação intensa do CUC, a pressão cresceu e o poder público acabou abrindo um diálogo. O movimento acabou se desarticulando, mas deixou seu legado, tanto em conquistas como em outras organizações. 

 

Cicloativista Detinha Son, falecida em 2016 em sinistro de trânsito. 

 

Pouco diálogo com a sociedade  

Formado por ex-integrantes do CUC e outros novos ativistas em torno da mobilidade ativa, o coletivo Pedalamente é hoje uma espécie de herdeiro desse legado construído durante anos nas reivindicações por um trânsito mais humanizado.

 

Com atuação mais forte em Vitória, o Pedalamente afirma não ter encontrado espaços de diálogo na gestão do prefeito Luciano Rezende (Cidadania), o que permanece agora com Lorenzo Pazolini (Republicanos). "O diálogo com o poder público na cidade sempre foi muito difícil, praticamente inexistente. Não temos muitas representatividade dentro dos espaços de poder sobre a pauta, todas as decisões são tomadas de cima para baixo, com consultas públicas que não democratizam de fato as decisões, pois não há mobilização para tal", reclama Yasmin Boni Rodrigues, integrante do Pedalamente.

 

Ela cita como exemplo a implementação de ciclofaixas em abril do ano passado, "sem muita amplitude e nenhum diálogo com a sociedade civil", de forma a não considerar algumas demandas dos usuários potenciais dessas vias. Outro ponto é o Plano Municipal de Mobilidade, que ela questiona por não ter sido publicado até hoje, embora tenha sido finalizado, mas continue sem ser debatido.

 

Luiz Son, ex-integrante do CUC que atualmente atua no Bike Anjo, também critica as políticas no município. "Aqui em Vitória, com a pandemia e as últimas eleições para prefeito, não observamos nenhuma iniciativa, como manutenção e melhorias das ciclovias, novas ciclovias, ciclofaixas e rotas alternativas, campanhas de estímulo ao uso da bicicleta, integração de modais, dentre outras, e tão pouco a ampliação da oferta de bikes compartilhadas". 

 

Ciclistas em frente ao Palácio Anchieta, após reunião com Casagrande em seu primeiro mandato. Foto: Edson Chagas

 

Já Fernando Braga, que atuou no CUC e é um dos fundadores da União de Ciclistas do Brasil (UCB), critica também a resistência de setores da sociedade à expansão das ciclovias, que podem implicar na necessidade de ações que afetam direta ou indiretamente os automóveis motorizados, como a diminuição das vagas de estacionamento para a implementação de ciclovias.

 

O caso mais emblemático é o da ciclovia da Avenida Rio Branco, uma via troncal e considerada importante para o trânsito dos ciclistas. Por resistência de parte dos moradores e comerciantes, a ciclovia foi "fatiada", tendo início o trecho de Santa Lúcia, menos questionado, enquanto o trecho da Praia do Canto segue sem ser implementada.

 

Diante da pandemia, grupos como o Pedalamente levantaram a necessidade de investimento em ações para estimular e intensificar o uso de bicicletas, vistas como uma alternativa que, entre outros benefícios, permite evitar aglomerações como as do transporte público.

 

Porém, justamente a necessidade de evitar ao máximo a circulação, fez com que as manifestações e ações diretas do movimento fossem suspensas, mantendo o foco nas divulgações em redes sociais, a publicação de um manifesto pela mobilidade ativa e atuações institucionais, com protocolo de propostas para mobilidade, nunca respondidos pela prefeitura. 

 

Já em 2021, Yasmin aponta que o mandato da vereadora Camila Valadão (Psol), em diálogo com o Pedalamente, apresentou uma série de propostas, como as indicações de zonas seguras na cidade, com limite máximo de 30 km/h nas vidas, e o projeto de lei "Vá de bicicleta", para estímulo ao uso do modal. Os projetos ainda tramitam internamente.

 

Fernando Braga, que prestou assessoria à Prefeitura de Vitória, conta que durante a pandemia foi feito um trabalho entre as secretarias, seguindo as tendências mundiais, para supressão de estacionamentos para a disponibilização de maior espaço para circulação de pedestres, ciclistas, patinetes, skate e outras alternativa para além do transporte público. "Foi totalmente rechaçado, não conseguimos implantar um metro sequer. Mas com relação a outras iniciativas antes da pandemia, chegamos a perder três projetos", reclama.

 

Ele aponta que há muitas obras em andamento, com rubrica e dotação orçamentária, mas que não houve tempo para fazer, muitas vezes por conta de resistências desses setores da sociedade. "Essas obras ficaram paradas e a gente sabe que essas decisões são políticas, né?! Então o cara não quer perder voto, recuava, vou fazer aqui e não ali".

 

Fernando avalia que foram feitas ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas desconectadas, ligando "nada a lugar nenhum", e que as futuras obras devem conectá-las, melhorando as condições de circulação. "Infelizmente cada sociedade tem sua velocidade própria. E aqui, enfim, a sociedade capixaba é muito carrocrata, no meu entender", afirma Fernando Braga.

 

Mas a luta segue acontecendo, para tencionar esse modelo de cidade. "Nosso principal objetivo é pautar e defender a bicicleta como um potente meio de transporte", diz Yasmin Boni, do Pedalamente. "A partir disso, buscamos realizar ações de conscientização da população sobre a importância e necessidade de repensar nossa relação com a cidade, por meio da nossa forma de se deslocar por ela, além de fazermos um movimento de cobrar do poder público para investimentos na estrutura cicloviária da cidade de Vitória e que inclua a participação civil nos planejamentos desses investimentos, visto que os maiores interessados somos nós".

 

*Com colaboração de Helena Coelho, do Cicli Pedalando Pelo Clima

 

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