Conheça o TransEntrega, primeiro coletivo de entregadores trans do país

Fundado há seis anos, o maior diferencial deste coletivo é oferecer remuneração mais justa aos seus profissionais. Mas são muitos os desafios, contam os entregadores

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Fonte: UOL/Blog da Morango  |  Autor: UOL  |  Postado em: 06 de abril de 2022

Tom Hackmann, de 28 anos, um dos fundadores do col

Tom Hackmann, de 28 anos, um dos fundadores do coletivo

créditos: Reprodução/Instagram

Há dois anos, três amigos: Luana, La e Tom, decidiram trabalhar juntos fazendo entregas de bike na cidade de São Paulo. Nascia ali o primeiro coletivo de entregadores trans do país, o TransEntrega.

 

“Quando entrei, o coletivo tinha três meses de existência. Depois chegaram outros entregadores. Começamos a fazer captação de clientes e ir atrás de uma coisa”, explica Eduardo Christian, de 29 anos, que é entregador há seis anos. Morador do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a 19 km do centro da cidade, Edu já trabalhou como cobrador de ônibus, fiscal de linha, vendedor ambulante, auxiliar de limpeza e operador de telemarketing.

 

“Há seis anos resolvi trabalhar por conta. Fiz um curso de fotografia, que é o que gosto muito de fazer, e comecei a trabalhar na área. Só que, financeiramente falando, por eu ter filhos, não era suficiente. Então comecei a fazer entregas por aplicativo.” O entregador também é mestre de bateria e dá aulas sociais de percussão para crianças em três escolas de samba da capital paulista.

 

“Além de ser trans, eu sou o único negro do coletivo. Havia outras pessoas, só que sofreram acidentes, ficaram com traumas e foram fazer outras coisas. Depois da violência física e verbal sofrida por outro entregador do coletivo, fiquei com medo de sair na rua. E eu também já fui assaltado fazendo entrega. Esses motivos me deixam com bastante medo ainda, mas eu gosto do que faço, então não deixo o medo tomar conta”, declara Edu.

 

Edu Christian, fotógrafo, percussionista, e que faz entregas por aplicativo. Foto: Reprodução/Instagram  

 

Outro membro do TransEntrega é Tato Fornazieri, de 26 anos. Há dois anos no coletivo, ele diz que o trabalho no grupo foi um divisor de águas.

 

“Sou um trans homem, em transição há quase três anos. Descobri a minha transição em 2019, e isso revirou a minha vida. Perdi meu pai muito novo, e conheci a bicicleta aos quatro anos de idade. Na minha jornada dentro da transição, a bike foi fundamental, porque era um exercício que me agregava e eu amava fazer. Antes, andar de bicicleta era um hobby; hoje, é meu meio de trabalho”, relata.

 

A história de Tato no TransEntrega começou em 2020, quando ele contatou o coletivo pelo Instagram. “Chamei eles porque eu tava em busca de um emprego, de uma oportunidade. Trabalhar com pessoas com histórias tão parecidas com a minha mudou a minha vida.”

 

Até o ano passado, o perfil do TransEntrega era seguido por 3 mil pessoas no Instagram. Em julho, um dos fundadores do coletivo, Tom Hackmann, participou do quadro ‘Quem Quer Ser Um Milionário?’, do Caldeirão do Huck. No programa, Tom conquistou R$ 5 mil e amplificou o alcance do grupo de entregas. Desde então, chegaram 7 mil novos seguidores que participam ativamente contratando os serviços e compartilhando as informações do grupo nas redes.

 

O maior diferencial do coletivo frente a outros aplicativos de entrega é a remuneração mais justa aos profissionais. Uma encomenda de até três quilos, por exemplo, pode ser entregue num raio de um quilômetro por R$ 8. Ou levada por até 15 km por R$ 25.

 

Além disso, o valor cobrado é repassado integralmente ao entregador. Confeitarias, restaurantes e lojas famosas estão entre os clientes do coletivo.

 

Desafios

O dia a dia dos entregadores, entretanto, é repleto de desafios. O maior deles é o trânsito caótico enfrentado na maior metrópole da América Latina. “Não respeitam os ciclistas. Nem quando a gente tá a pé, empurrando a bicicleta - porque dependendo do local é melhor atravessar empurrando a bicicleta do que pedalando -, é menos arriscado”, expõe Edu. 

 

E complementa: “E tem outras adversidades que complicam, principalmente quando tá chovendo muito forte. Eu trabalho muito no centro de São Paulo, onde há muitos pontos de alagamento, e é perigoso cair dentro de um buraco. Quando a chuva tá muito forte, eu paro a bicicleta, encosto e espero passar.”

 

O profissional ainda aponta outros obstáculos no trabalho, como a falta de acesso à água para beber e lavar as mãos, e também fala sobre a rispidez com que é recebido em alguns lugares.

 

“Às vezes você chega com toda a educação do mundo, e o porteiro te trata de um jeito que às vezes dói, mas você tem que manter a postura pra continuar o trabalho.”

 

Eduardo chega a percorrer até 70 km por dia de bicicleta. “É cansativo, mas também é prazeroso, apesar de todas essas adversidades que eu mencionei.”

 

“A ideia é crescer e dar mais espaço pra pessoas trans entrarem no mercado de trabalho, terem pelo menos o pontapé inicial nessa nova vida, nessa jornada que não é fácil. Muitas vezes a minoria, como somos, acaba tendo outras fontes não legais de trabalho, então é muito importante que a gente cresça cada vez mais”, projeta Tato.

 

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