BRT por VLT, uma decisão surpreendente no Rio

Thiago Silva, do site Plamurb, analisa a proposta da prefeitura carioca de ampliar a rede de bondes modernos para substituir parte dos BRTs

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Fonte: Plamurb  |  Autor: Thiago Silva/Plamurb  |  Postado em: 13 de julho de 2022

Apresentação da proposta, na sede da prefeitura ca

Apresentação da proposta, na sede da prefeitura carioca

créditos: Tânia Rêgo / Agência Brasil


É isso mesmo que você leu no título deste artigo. A prefeitura da cidade do Rio de Janeiro anunciou na semana passada que os corredores de Bus Rapid Transit (BRT) Transcarioca e Transoeste serão substituídos por linhas de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT). Mais ainda, já a partir de 2023 será construída uma nova linha de VLT ligando o metrô de Botafogo até a Gávea. O anúncio surpreendeu muita gente, sobretudo os profissionais envolvidos com a mobilidade urbana.


Chamado de “VLTzação” pela prefeitura, a ideia é chegar a 251 km de trilhos. Até o momento, são apenas 28 km correspondendo às três linhas existentes, que atendem ao Centro e à região do Porto Maravilha. Segundo a prefeitura, serão investidos cerca de R$ 14,8 bilhões, nos dois eixos existentes e no novo.


A ligação Botafogo/Gávea pelo VLT será feita via Parceria Público-Privada (PPP), com início da implantação prevista para o primeiro semestre de 2023. Serão 12 km de trilhos e 13 paradas, além de um Centro Integrado de Operação e Manutenção. Também estão previstas melhorias urbanísticas no entorno do traçado, incluindo solução para a drenagem da rua Jardim Botânico.


A Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar) – antiga Cdurp – está à frente do projeto em parceria com a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR). Para o presidente da CCPar, Gustavo Guerrante, investir em VLT é mais que um projeto de transporte de qualidade.


A notícia causou um grande rebuliço no meio, pois em um momento onde algumas cidades falam em substituir sistemas sobre trilhos por BRTs (caso da Linha 18-Bronze, em São Paulo, e do VLT de Cuiabá), é de causar muita surpresa uma decisão em sentido contrário. O Plamurb recebeu esse anúncio de forma positiva, pois onde há a possibilidade, um sistema sobre trilhos sempre será bem-vindo. Entretanto, há algumas poucas ressalvas.


Sobre o BRT do Rio
Antes de seguir com a análise, vamos falar um pouco do sistema carioca de corredores para ônibus. O BRT Transoeste foi implantado em junho de 2012, ligando a Barra da Tijuca a Santa Cruz e Campo Grande. Com 56 km e 74 estações, ele nasceu integrado ao Terminal Alvorada e chegou a transportar diariamente 200 mil pessoas, reduzindo em 58% o tempo das viagens. Já o BRT Transcarioca foi inaugurado em julho de 2014, integrando a Barra da Tijuca e diversos bairros ao Aeroporto Internacional Tom Jobim. Com 39 km e 45 estações, ele cruza o subúrbio carioca e transporta até 212 mil pessoas todos os dias, com redução de 60% do tempo de viagem.


Em julho de 2016, a cidade ganhou seu terceiro corredor BRT, o Transolímpica, que une o Recreio dos Bandeirantes a Magalhães Bastos. Com 23 km e 18 estações, ele chega à região mais carente de transporte público do Rio e, no auge, transportou 34 mil passageiros por dia, tornando o trajeto 60% mais rápido. O BRT Transbrasil, como se sabe, ainda não foi concluído. Suas obras chegaram a ficar paradas por quatro anos, causando enormes prejuízos aos cofres públicos e, principalmente, para aqueles que usariam o serviço.


Problemas e mais problemas
Os BRTs do Rio de Janeiro foram um grande sucesso, sobretudo pela redução do tempo de viagem. Entretanto, a falta de compromisso de ambas as partes, ou seja, concessionário e poder concedente, acabou por fazer a qualidade do sistema decair vertiginosamente. Do ponto de vista estrutural, o pavimento do BRT é inadequado, não suportando a circulação constante dos coletivos. O sistema passou a sofrer uma grande evasão de passageiros, com pessoas burlando os acessos e entrando sem pagar. Além disso, problemas de segurança impactaram fatalmente o serviço.  Assaltos, furtos, vandalismo e até violência física se tornaram constantes. Algumas estações foram “tomadas” pelas milícias, e a operadora perdeu o controle operacional da situação.



BRT trafegando lotado e com portas abertas em março de 2022. Imagem: Estação Rio/Reprodução TV Globo


Isso fez com que os veículos se degradassem de forma abrupta, com ônibus quebrando a todo momento, além de bancos e janelas soltas e muita sujeira interna. Por conta disso, a operação foi suspensa em vários momentos e em vários trechos. Estações foram fechadas, causando um grande revés para todos que usavam o serviço. Nem de longe, aquele serviço lembrava o BRT quando inaugurado.


Para tentar reduzir os problemas, a gestão municipal, a partir de 2021, implantou o Plano de Intervenção, em que ela assumiria parte da operação. Com isso, estações foram reabertas, trecho foram recuperados, ônibus voltaram a rodar e houve uma grande auditoria nos contratos de concessão. O BRT conseguiu dar uma respirada. Em março de 2022, todas as estações antes fechadas voltaram a funcionar e uma licitação para a compra de novos veículos foi lançada. Por mais que muitos reclamem, a intervenção estatal foi essencial para uma melhoria do serviço.


Sai o BRT e entra o VLT
A substituição de um modo por outro será gradativa. Todo o processo deverá levar cerca de 15 anos para ser concluído. Mas será algo fácil? Bem, a resposta é “não”. Diferentemente da empolgação da Prefeitura, o Plamurb é mais cético. Transformar uma estrutura que foi toda pensada para ônibus, para se transformar em VLT, exige cuidados e cautelas.


Em primeiro lugar, o piso por onde o VLT passará precisará ser todo retrabalhado. Não será possível imaginar situações de solapamento, comuns no BRT, em um sistema de trilhos, não, ao menos com a mesma recorrência. Em outras palavras, não basta apenas colocar os trilhos. Tal como uma rodovia, via permanente de um sistema ferroviário possui várias camadas inferiores que lhe dão sustentação.

 

Projeção de futura linha de VLT Botafogo-Gávea. Reprodução Prefeitura do Rio



As estações deverão passar por alterações para se adequarem à altura das composições ferroviárias. E dependendo do comprimento dos VLTs, elas, provavelmente, poderão ser prolongadas, a depender de como será a operação em si. As faixas deverão ser rigorosamente sinalizadas e segregadas em alguns trechos para evitar que motoristas invadam o leito por onde o VLT circulará, fato que acontece nos BRTs cariocas, gerando prejuízos operacionais e acidentes. Esses são apenas alguns aspectos que deverão ser muito bem pensandos.


Heranças do BRT
Uma das coisas que mais nos preocupam são as heranças que poderão vir para o VLT. Os problemas que hoje afetam o BRT não decorrem da tecnologia em si, muito pelo contrário. A situação chegou a esse ponto crítico muito pelo desdém dos responsáveis pela mobilidade urbana. Em outras palavras, mudar apenas a tecnologia poderá não eliminar as adversidades como o vandalismo, a falta de segurança e conservação, a evasão de tarifa e as falhas operacionais.


Corre-se o risco de que o VLT venha a sofrer com todos esses insucessos à medida em que o sistema for se difundindo. A boa experiência com o sistema existente do VLT Carioca, não pode ser, isoladamente, usada como referencial. A região é outra, o traçado é outro, a extensão também é outra. São muitas variáveis e vale ressaltar que o transporte sobre trilhos é mais caro do que um sistema sobre pneus, em diversos aspectos, inclusive na operação e manutenção.


Para o Plamurb, a ideia de substituir O BRT pelo VLT é muito boa. Nós simpatizamos demais com sistemas sobre trilhos. Entretanto, que essa troca não seja apenas para esconder a incompetência ou o desdém no cuidado desse serviço tão essencial como o transporte público. Caso contrário, daqui a alguns anos estaremos noticiando vandalismo, paralisação de trechos e fechamento de estações no próprio VLT.


Leia o texto original no site Plamurb 


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