Bicicleta vai ficar fora da COP em Belém?

Contagem de ciclistas revelou aumento nos deslocamentos por bicicleta na cidade. Mas obras de mobilidade ativa são previstas somente no entorno da Conferência do Clima

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 22 de maio de 2025

Em Belém, faltam ciclovias fora da região central

Em Belém, faltam ciclovias fora da região central

créditos: Bruno Cruz/Agência Pará

Com cerca de 160 km de malha cicloviária, a cidade de Belém (PA) tem na bicicleta um transporte muito popular e acessível, apesar da piora na infraestrutura cicloviária, motivo de reclamação por falta de manutenção e segurança para pedalar. Além disso, a capital paraense conta com raras ciclovias fora do centro. 

 

Esse cenário não deve mudar muito até novembro, quando Belém estará sob os olhares do mundo, na expectativa de que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) apresente respostas de sustentabilidade para reduzir as emissões de carbono e melhorar a qualidade de vida no planeta.

 

A "cidade dos ciclistas" também é reconhecida pela presença atuante de um movimento cicloativista, a exemplo do trabalho do Coletivo ParáCiclo e da organização Transporte Ativo. Em março, o coletivo realizou, em sete pontos da cidade, a contagem de ciclistas (edição 2025), no âmbito do projeto “Pedalar é Preciso, Amazônia Necessária”, financiado pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS).

 

Nos cinco dias da contagem, feita em sete pontos de Belém, passaram pelos pesquisadores do ParáCiclo um total de 80.974 pessoas (incluindo os caronas). Em 2019, foram seis pontos da capital monitorados por quatro dias, e o total ficou em 55.423 ciclistas. Assim, numa conta simples, mesmo considerando a diferença de um dia e um ponto a menos na contagem, a cidade agora superou a marca anterior, resultado em aumento de 25.551 ciclistas a mais em circulação pelas ruas. Confira aqui os dados da contagem de 2019.

 

Também em abril foi realizado o levantamento complementar Origem-Destino, que colheu entrevistas de 400 ciclistas. No momento, essa pesquisa encontra-se na etapa de tabulação de dados. Por esse estudo, será possível saber qual o perfil básico do ciclista belenense e seu comportamento em situações de condições climáticas adversas. 

 

É o que explica o historiador e mestre em Planejamento do Desenvolvimento, Leonard Grala, que há mais de 15 anos atua em projetos socioambientais na Região, e integra desde 2015 o ParáCiclo, onde coordena o eixo de pesquisas e levantamento de dados, e responde pelo monitoramento e avaliação dos projetos. "A etapa de campo da contagem terminou no dia 21 de março, e agora iniciamos a tabulação e análise de dados. Ao todo, 24 pessoas receberam capacitação e participaram da ação que contou com 13h de contagem ininterruptas", explica. Foram escolhidos locais com e sem cicloestruturas, zonas periféricas de fluxo local e vias de ligação entre bairros e a região metropolitana, conta. 

 

COP 30 sem mobilidade ativa
Leonard não está muito otimista com o que a Conferência planeja para a vida de pedestres e ciclistas na cidade. "A mobilidade ativa não está na pauta principal do evento. Quando o Estado olha para o usuário de bicicleta, não vê o retorno imediato dos impostos, como vê no caso dos automotores. No entanto, seria correto pensar que cada um que adota a bicicleta é alguém a menos a lotar as ruas com carros, alguém a menos para sofrer nos ônibus superlotados e, provavelmente, uma pessoa que vai demandar menos atendimento de saúde, pois quem pedala no dia a dia, sabemos, possui índices mais baixos de doenças associadas ao sedentarismo".

 

Além disso, ele percebe que as obras para o evento estão basicamente "restritas ao polígono da COP 30, isto é, à área mais central, onde estão concentrados os maiores volumes de investimentos". "Não se ouve falar de transporte intermodal, e há poucas informações a respeito da vantagem do transporte integrado", observa. 

 

A informação coincide com um levantamento recente do portal G1 sobre os principais empreendimentos para a COP, que são a construção do Parque da Cidade e do Porto Futuro II. Na área de mobilidade a reportagem do site listou apenas a implementação do BRT Metropolitano e a duplicação da Av. Bernardo Sayão, obras orçadas em R$ 2,07 bilhões.


Ao Mobilize, a organização da COP 30 no Brasil confirmou que as melhorias pensadas para a Conferência estão concentradas na área central.
Em nota, a área de Comunicação informou: "(...) A acessibilidade é uma premissa garantida tanto na Blue Zone quanto na Green Zone, conforme previsto no acordo de país-sede assinado pelo Brasil com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC)." O texto prossegue informando que há em desenvolvimento um plano de mobilidade específico para a COP30, que contempla "uma rede exclusiva de transporte coletivo, bem como o incentivo ao uso de modos ativos de deslocamento — como bicicletas e caminhadas — para o acesso ao Parque da Cidade". Ou seja, dentro dos limites da realização da COP.

 

O comunicado diz ainda que os organizadores "sabem que Belém enfrenta desafios em termos de caminhabilidade, mas consideram que a cidade já conta com uma rede cicloviária relevante, que pode ser potencializada mesmo em um contexto temporário como o do evento. Acreditamos que a COP pode ser uma oportunidade para promover esses modos sustentáveis de mobilidade", conclui.

 

O Mobilize questionou também se haverá espaço na programação do pavilhão do Brasil para abordar temas relevantes como a mobilidade ativa. A resposta foi sim: "Órgãos do governo federal, como o Ministério das Cidades, bem como organizações da sociedade civil e entidades com atuação nesse campo, poderão propor atividades e debates dentro da programação oficial. Estamos à disposição para dialogar e construir coletivamente uma programação plural e propositiva", finaliza a nota.

 

Desafios
Para Leonard Grala, a cidade já teve momentos mais promissores, mas não é o que se vê agora: "Belém teve um sistema de bicicletas compartilhadas, porém, o serviço foi descontinuado, e não há perspectiva de retomada. E isto é um dado importante, posto que não fortalece a pauta da mobilidade por bicicletas", analisa. Isso, apesar de os dados desta contagem revelarem um aumento significativo de ciclistas em relação à última pesquisa, de 2019 (total de 80.974 pessoas, em cinco dias).

 

Mesmo antes das obras da COP, o cenário já estava mais desafiador para o usuário de bicicletas, com o aumento do número de motocicletas e a baixa fiscalização e manutenção no uso das cicloestruturas, explica o pesquisador. 

 

Apesar do trânsito impiedoso, a pesquisa de 2025 revelou, nos sete pontos da contagem, uma verdadeira "explosão" de bikes cargueiras, seguida pelo aumento também de bicicletas de venda de lanches e de entrega por aplicativos. Quanto ao gênero, um dado interessante foi o aumento no número de mulheres utilizando a bicicleta como meio de transporte: "Na primeira contagem, cerca de 7% de usuários eram mulheres, na contagem deste ano (2025) já podemos afirmar que esse público vai ultrapassar a casa de 10%. Ainda é pouco em comparação com a quantidade de usuários homens, mas já demonstra uma tendência positiva." 

 

O ParáCiclo informa que, neste momento, há apenas uma primeira versão interna para análise da contagem. Assim que os dados foram cruzados com os dados da pesquisa Origem-Destino, será divulgada a versão final que permitirá comparar com a contagem de 2019 e com a pesquisa do perfil do TA.

 

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